Companhia Teatro de Seraphim
Texto
Histórico
Grupo criado no início dos anos 1990, que se destaca do teatro produzido no Nordeste por se manter distante da estética regionalista, buscando dialogar com outras vertentes da modernidade teatral, e com apurado teor conceitual. Possui um caráter de companhia-escola. Caracteriza-se por abordar, na maioria de suas produções, assuntos polêmicos como a sexualidade, a religião, a loucura, o racismo e a família.
A Companhia Teatro de Seraphim (CTS) tem como sócios-fundadores Antonio Cadengue, Marcos Vinícius de Pinho e Souza, Lúcia Machado Barbosa, Manuel Carlos de Araújo, Anibal Santiago Silva e Augusto Farias Tiburtius.
O novo grupo estreia Heliogábalo & Eu, de João Silvério Trevisan, com direção de George Moura, em março de 1990, na Sala Alfredo Oliveira, no Teatro Valdemar de Oliveira. Um mês depois, a CTS apresenta mais uma obra de Trevisan: Em Nome do Desejo, adaptação do romance homônimo, com direção de Antonio Cadengue. O espetáculo é inicialmente criado como uma montagem didática no Curso Básico à Formação do Ator, da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
Ainda em 1990, a Seraphim encena O Jardim das Cerejeiras, de Anton Tchekhov, com direção de Antonio Cadengue, e estreia em agosto, no Cineteatro José Carlos Cavalcanti Borges. Trata-se de montagem, toda em branco, dos figurinos à própria caixa cênica, que remete simbolicamente à morte, à pureza e ao retorno à infância. Apesar do empenho artístico, o espetáculo não encontra receptividade nem do público, nem da crítica recifense.
O grupo apresenta seu quarto espetáculo: A Lira dos Vinte Anos, de Paulo César Coutinho, também dirigido por Antonio Cadengue, em março de 1991. Analisando a montagem, a crítica Maria Lúcia Pereira afirma que o diretor cria uma "encenação que é um tratado romântico das emoções. Comprometido com uma beleza que passa pela sensualidade, dá tratamento de escultura aos belos corpos jovens e tratamento pictórico às cenas. Adepto da força do radical, do caloroso, não teme nem a pieguice nem o kitsch. É disso que seu lirismo se alimenta. Sua cena é uma esquizofrênica mistura de desaforado desejo de épater com uma declaração de amor pela vida".1
Com o propósito de se estabelecer como companhia de repertório e reunir os espetáculos realizados nos dois primeiros anos do grupo, é criado, em 1992, o projeto Seraphins Revisões. As montagens de Heliogábalo & Eu e Em Nome do Desejo são reformuladas por George Moura e Cadengue, e voltam ao cartaz A Lira dos Vinte Anos e O Jardim das Cerejeiras. Além desses espetáculos, a Seraphim realiza, de 1990 a 1992, a performance Uma Estação no Inferno, direção de Antonio Cadengue; O Palhaço Nu, de Alcione Araújo, direção de Lúcia Machado; e O Concílio do Amor, de Oscar Panizza, direção de George Moura.
O grupo estreia Senhora dos Afogados, de Nelson Rodrigues, em maio de 1993 e, a partir desse espetáculo, todas as realização da CTS são dirigidas por Antonio Cadengue. O cenário e os figurinos são em tons negro e escarlate, constituindo uma visualidade inspirada no renascimento inglês, no século de ouro espanhol e no teatro oriental. Com esse espetáculo, o grupo se apresenta nas cidades de Porto, Lisboa e Tondela, em Portugal, no projeto CumpliCidades; e, em Porto Alegre, participa do 1º Porto Alegre em Cena, no qual encena também Em Nome do Desejo.
Em 1995, ocorre a estreia nacional de Os Biombos, de Jean Genet. Para essa montagem, a Seraphim encomenda a tradução do texto à dramaturgista Fátima Saadi e inicia parceria com a cenógrafa carioca Doris Rollemberg. Esse espetáculo é o mais luxuoso da companhia, além de ser o mais complexo, tanto pela própria extensão e estrutura labiríntica do texto genetiano quanto pela infraestrutura necessária à montagem, com numeroso elenco e complexa cenografia.
Reunindo duas obras do poeta João Cabral de Melo Neto, Auto do Frade e Morte e Vida Severina, com o título de Autos Cabralinos, a Seraphim revisita um clássico da literatura brasileira, confirmando uma de suas características essenciais: sua ligação com a palavra, com a literatura dramática, com a valorização dos grandes autores, como confirma o diretor Cadengue: "É verdade, gostamos do verbo e de contar histórias. História de gente que, acreditamos, pode também interessar a outras gentes".2 E, particularmente, evidencia o interesse do conjunto pela literatura e dramaturgia brasileira, encenando, na maioria de seus espetáculos, autores nacionais. Com Autos Cabralinos, a CTS se apresenta no 12º Festival de la Cultura Caribeña, em Santiago de Cuba, em 1997.
Nesse mesmo ano, com as peças Lima Barreto, ao Terceiro Dia, de Luís Alberto de Abreu, e Noite Escura, de Paulo Vieira, a Seraphim leva ao grande público a discussão sobre a reforma da assistência à saúde mental, na época, assunto muito em voga no Brasil, e, de maneira mais ampla, propõe a reflexão acerca da loucura, com base na vida do escritor brasileiro Lima Barreto e de santa Tereza de Ávila, mística espanhola do século XVI, que inicia a reforma da Ordem Carmelita. Os dois espetáculos estreiam, separadamente, dentro do Ciclo Iluminuras, projeto do Hospital Ulysses Pernambucano, e são apresentados inicialmente na capela do próprio hospital. Posteriormente, reunidos com a denominação de Duas Histórias de Amor e Desrazão, faz temporada no Teatro Barreto Júnior.
Debruçando-se sobre a formação da sociedade brasileira, na perspectiva da família e do patriarcalismo, com uma abordagem erótica e carnavalizada, o grupo estreia Sobrados & Mocambos, de Hermilo Borba Filho, baseado na obra homônima do sociólogo Gilberto Freyre, em novembro de 1998, e abre o 2º Festival Recife do Teatro Nacional, que nesse ano homenageia Hermilo Borba Filho.
Em 2000, morre Marcus Vinícius de Pinho e Souza, ator e diretor de produção do grupo, responsável, em grande medida, pela produtividade da Seraphim em toda a década de 1990.
Churchi Blues, de João Silvério Trevisan, é apresentado, em estreia nacional, em março de 2002, na mostra oficial do 11º Festival de Teatro de Curitiba. Entre 2002 e 2003, realiza-se o projeto Peças de Família, com os espetáculos Meia-Sola, de Benedito Rodrigues Pinto, e Querida Mamãe, de Maria Adelaide Amaral, que cumprem temporada no Teatro Apolo. Em 2007, é encenada A Filha do Teatro, de Luís Augusto Reis, no Teatro Hermilo Borba Filho. A peça discute o próprio teatro, o jogo entre ser e não ser, ser e parecer, e as fronteiras entre realidade e ficção. Para resolver cenicamente essa problemática, Antonio Cadengue retrabalha o jogo de pôr e tirar máscaras, reforçando o tom épico do texto. Ivana Moura comenta: "Para acentuar a teatralidade o diretor seguiu as sugestões do dramaturgo. Os nove monólogos que compõem a peça são alternadamente interpretados por Lúcia Machado, Marilena Breda e Cristina Romeiro [...] O elenco está impecável, à altura desta catedral erguida para celebrar o teatro. Cada uma delas expõe a grandeza dessa arte milenar e ainda assim artesanal, que tem como principal elemento o ser humano e suas infinitas contradições".3
A CTS se notabiliza não só pela qualidade de seus espetáculos, mas também pelo caráter de companhia-escola, formando e aperfeiçoando o trabalho de várias gerações de intérpretes, diretores, técnicos e produtores, a exemplo dos fundadores e de nomes como Paulo de Pontes, Cira Ramos, André Filho, Hilton Azevedo, Zuleika Ferreira, Cláudio Lira, Saturnino de Araújo, Antonio Taveira Júnior, Edinaldo Ribeiro, Flávio Lúcio Renovato, Paula Francinete, Ana Maria Ramos, André Cavendish, Tiago Dines, Cibele Jácome, Ana Maria Sobral, Márcia Cruz, Vanise Souza, Felipe Koury, Gustavo Falcão, Rodrigo Campos, Edmar Falcão, Gheuza Sena, Daniela Travassos, André Brasileiro, Hermila Guedes, Cristina Romeiro, Marilena Breda, entre outros.
Analisando a trajetória da CTS, a crítica Maria Lúcia Pereira esboça uma comparação entre a companhia e o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP): "Como o TAP, Cadengue traz em si o desejo de ser universal. Do TAP, renegou a redução do amadorismo que se aferra a sua condição. Os Seraphins, em sua maioria, são jovens entusiastas a quem não são poupados esforços de amadurecimento e profissionalização. [...] O Teatro de Seraphim é atrevido, ousado, numa cidade que contrasta o seu perfil urbano de metrópole com seu comportamento muitas vezes provinciano. [...] Antonio Cadengue e seu Teatro de Seraphim tentam resgatar o teatro de Recife, inserindo-o no movimento teatral contemporâneo. Contudo, preserva também as melhores qualidades de um teatro que se alinha, pelo volume e pela tradição, entre os mais fecundos do país".4
Notas
1. PEREIRA, Maria Lúcia. Lirismo radical. Jornal da Paraíba, Campina Grande, p. 6, 30 jul. 1991.
2. CADENGUE, Antonio. Companhia Teatro de Seraphim. Setepalcos, Coimbra, Cena Lusófona - Associação Portuguesa para o Intercâmbio Teatral, n. 3, set. 1998, p. 57.
3. MOURA, Ivana. A filha do teatro amplifica o jogo de aparências. Diario de Pernambuco, Recife, 20 jun. 2007. Viver, p. D-6.
4. PEREIRA, Maria Lúcia. Ser Seraphim em Recife. São Paulo, 1994. Apud: A COMPANHIA Teatro de Seraphim & nós. In: COMPANHIA TEATRO DE SERAPHIM. Sobrados e Mocambos. Direção Antonio Cadengue. Recife, Teatro Barreto Júnior, programa, fev. 1998, [s.p.].
Espetáculos 35
Fontes de pesquisa 16
- A COMPANHIA Teatro de Seraphim & nós. In: COMPANHIA TEATRO DE SERAPHIM. Sobrados e Mocambos. Direção Antonio Cadengue. Recife, Teatro Barreto Júnior, programa, fev. 1998, [s.p.].
- CADENGUE, Antonio Edson. TAP sua cena & sua sombra: o teatro de amadores de Pernambuco (1941-1991). Recife: Cepe; Sesc Pernambuco, 2011. 2 v.
- CADENGUE, Antonio. Antonio Cadengue: fogo e fôlego. Folhetim, Rio de Janeiro, Teatro do Pequeno Gesto, n. 11, p. 95-120, set./dez. 2001. Entrevista concedida a Fátima Saadi, Antonio Guedes, Doris Rollemberg e Walter Lima Torres.
- CADENGUE, Antonio. Companhia Teatro de Seraphim. Setepalcos, Coimbra, Cena Lusófona, Associação Portuguesa para o Intercâmbio Teatral, n. 3, p. 56-58, set. 1998.
- COMPANHIA TEATRO DE SERAPHIM. A filha do teatro. Direção Antonio Cadengue. Recife, Teatro Hermilo Borba Filho, programa, jun./jul. 2007.
- COMPANHIA TEATRO DE SERAPHIM. Seraphim: Duas Histórias de Amor e Desrazão (Lima Barreto, ao Terceiro Dia e Noite Escura). Direção Antonio Cadengue. Recife, Teatro Barreto Júnior, programa, 1998.
- COMPANHIA TEATRO DE SERAPHIM. Seraphins Revisões (A Lira dos Vinte Anos, Heliogábalo & Eu, Em Nome do Desejo e O Jardim das Cerejeiras). Recife, Teatro Barreto Júnior, programa, mar./abr./maio 1992.
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- FIGUEIRÔA, Alexandre. Teatro da intimidade. Continente Multicultural, Recife, Cepe, ano 7, n. 79, 45-48, jul. 2007.
- MOSTAÇO, Edelcio. Senhora dos afogados. In: ______. Nelson Rodrigues, a transgressão. São Paulo: Cena Brasileira, 1996, p. 41-44.
- MOSTAÇO, Edelcio. Seraphim: beleza pura. Diário da Borborema, Campina Grande/PB, 29 jul. 1993. Cultura, p. 13.
- MOURA, George. Companhia Teatro de Séraphin. In: COMPANHIA TEATRO DE SÉRAPHIN. Heliogábalo & eu. Recife, Teatro Valdemar de Oliveira (Sala Alfredo de Oliveira), programa, mar. 1990.
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- MOURA, Ivana. Nordeste: um teatro de garra e paixão. Setepalcos, Coimbra, Cena Lusófona, Associação Portuguesa para o Intercâmbio Teatral, n. 3, p. 43-48, set. 1998.
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- PEREIRA, Maria Lúcia. Ser Seraphim em Recife. São Paulo, 1994. Apud: A COMPANHIA Teatro de Seraphim & nós. In: COMPANHIA TEATRO DE SERAPHIM. Sobrados e Mocambos. Direção Antonio Cadengue. Recife, Teatro Barreto Júnior, programa, fev. 1998, [s.p.].
Como citar
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COMPANHIA Teatro de Seraphim.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo514583/companhia-teatro-de-seraphim. Acesso em: 04 de maio de 2025.
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ISBN: 978-85-7979-060-7