Cia. Luna Lunera
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A Cia. Luna Lunera destaca-se no cenário teatral mineiro desde seu primeiro trabalho profissional, Perdoa-me por Me Traíres, em 2001. Sua trajetória é marcada pela pesquisa continuada, da qual resultam espetáculos desenvolvidos com base em diversas fontes: notícias de jornal, depoimento dos atores e textos narrativos.
A companhia surge em Belo Horizonte, no curso profissionalizante de teatro do Centro de Formação Artística (Cefar), da Fundação Clóvis Salgado, Palácio das Artes, a partir do espetáculo de formatura Perdoa-me por Me Traíres, com direção de Kalluh Araújo.
O sucesso do espetáculo ainda no âmbito do curso profissionalizante de teatro é determinante para a profissionalização do grupo. Perdoa-me por Me Traíres se inspira na dança-teatro de Pina Bausch, e o trabalho dos atores é vigoroso e, ao mesmo tempo despojado. Segundo o crítico Jefferson Del Rios (1943): "Estamos todos perdoados. É uma das recriações mais inventivas do Nelson - e tenho visto tudo desde que o Antunes Filho passou a se dedicar à dramaturgia rodriguiana. O que impressionou bastante - além do achado cenográfico - foi a qualidade do elenco. Todos estão bem. O Luna Lunera merece o sucesso que está conquistando".1
O nome escolhido pelo grupo, Luna Lunera, é o título de uma canção de seu primeiro espetáculo, interpretada por Gregório Barros. Zé Walter Albinati, membro fundador do grupo, esclarece: "O desejo de passar de turma a grupo já nos acompanhava ao longo do tempo da formação. O que deu vontade de continuidade foi a percepção de que, por mais heterogêneos que fôssemos, havia um bom jogo de cumplicidade na cena".2 Os fundadores do grupo são: Fafá Rennó, Cláudia Corrêa, Cláudio Dias, Fernanda Kahal, Isabela Paes, Leandro Ramos, Maria Alice Rodrigues, Marcelo Souza e Silva, Renata Mazzoni, Odilon Esteves, Tamara Trindade e Zé Walter Albinati. O ator Rômulo Braga integra-se na companhia em 2007, na montagem do espetáculo Aqueles Dois.
Perdoa-me por Me Traíres, em sua etapa profissional, participa do Encontro Mundial das Artes Cênicas (ECUM), em Belo Horizonte, do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH); do Temporales Internacionales de Teatro, Chile, do riocenacontemporânea 2003; e de vários outros festivais. Ganha o prêmio Sesc-Sated de 2001 em nove categorias, entre elas: melhor espetáculo, melhor direção (Kalluh Araújo), melhor ator (Cláudio Dias), melhor atriz (Maria Alice Rodrigues), melhor ator coadjuvante (Odilon Esteves) e melhor atriz coadjuvante (Cláudia Corrêa). A montagem recebe também o 7º Prêmio Bonsucesso/Amparc, na categoria de melhor produção.
Em 2003, o Luna Lunera é convidado pelo Grupo Galpão e pela Cia. Maldita de Investigação Teatral a integrar a primeira edição do projeto 3x4 do Galpão Cine Horto. O 3x4 tem como foco de pesquisa o processo colaborativo de teatro, sob a coordenação de Chico Pelúcio (1959), Fernando Mencarelli (1962), Antônio Araújo (1966) e Luís Alberto de Abreu (1952). Cria então Nesta Data Querida e, com direção de Rita Clemente, estreia em novembro de 2003. Depois dessa primeira temporada, o grupo volta à sala de ensaio para uma reestruturação do espetáculo, que reestreia em abril de 2004 no Teatro da Cidade, em Belo Horizonte. A crítica destaca a qualidade dos atores e os acertos da direção. Segundo Marcello Castilho Avellar, "Rita Clemente e seus artistas compõem uma cena de belas imagens, em que realismo e estilização se intercalam com harmonia".3
Nesta Data Querida é construído a partir de improvisações relacionadas à temática urbana e trata de questões comuns à vida nas grandes cidades: a incomunicabilidade, a solidão, a solidariedade e o choque de diferenças. No processo de criação, os atores entrevistam moradores da capital mineira e constroem seus personagens com base em fotos e notícias de jornais locais. Os conflitos pessoais e interpessoais emergem quando a personagem Antonieta, no dia do aniversário de seu filho, recebe a inesperada visita de dois conhecidos: Erre, dono do salão de beleza que ela freqüenta, e Rosa, antiga cliente do salão.
O Luna Lunera inicia novo trabalho de pesquisa em 2005, utilizando a metodologia dos "ensaios afetivos" experimentada por eles em Fuleirices e Fuleiró, montagem dirigida por Marcos Vogel, ainda do período de formação no Cefar, em 2000. Os "ensaios afetivos" consistem na escolha de um texto ou proposta cênica a partir da conexão afetiva e intuitiva com algum dos materiais propostos, em detrimento de uma decisão racional.
A encenadora Cida Falabella é convidada a entrar em contato com o material elaborado em sala de ensaios, cenas que têm em comum a adaptação de textos literários. Zé Walter Albinati informa: "Cida Falabella estava em um envolvimento grande com o teatro Brechtiano e foi nos infiltrando com questões ético-reflexivas: pensar o lugar do ator no teatro e o lugar do grupo como instrumento de socialização. A partir disto, tirou-se questões fundamentais do espetáculo, convocando-nos a pensar o ator em três situações: numa dimensão biográfica, na defesa de um personagem e em uma instância épico-narrativa, o ator como narrador".4
Não Desperdice Sua Única Vida, resultado desse processo, é realizado para um espaço alternativo, com um percurso itinerante, uma estrutura fragmentária, com forte apelo autobiográfico e que surpreende pelo humor irônico. Ao entrar no espetáculo, o público é dividido em grupos e levado a várias salas onde os atores contam histórias marcantes de suas próprias vidas. Cada grupo de espectadores só tem acesso a uma história. Depois, o público é levado a uma semi-arena onde os atores assumem as histórias de seus companheiros como próprias, deixando tênue a linha entre realidade e ficção. Não Desperdice Sua Única Vida recebe, em 2006, o 5º Prêmio Usiminas/Sinparc de melhor dramaturgia inédita, para Cida Falabella e Cia. Luna Lunera.
Em novembro de 2007, estreia Aqueles Dois, espetáculo de maior repercussão nacional da companhia. Surge de um laboratório interno de experimentação das técnicas de contato e improvisação e do método das ações físicas verbais, desenvolvido a partir de Stanislawski e das propostas de Luis Otávio Bournier. O conto de Caio Fernando Abreu é escolhido como suporte dessas experimentações, e, com o Observatório de Criação - uma série de ensaios abertos -, o espetáculo é montado com intensa colaboração do público.
Depois da participação na Mostra Oficial do Festival de Curitiba, em 2008, onde tem grande aceitação do público e da crítica, Aqueles Dois começa uma trajetória de temporadas em diversas capitais brasileiras. A crítica Beth Néspoli comenta: "É o que muitos perseguem, mas só aparece de vez em quando, aquele espetáculo capaz de tocar platéias dos mais diferentes matizes sem ser piegas ou melodramático. Que une intérpretes expressivos, dramaturgia bem urdida e elementos cênicos escolhidos com rigor e precisão".5
Em 2008, o espetáculo recebe os seguintes prêmios: 7º Usiminas/ Sinparc, de melhor espetáculo e melhor direção (Cláudio Dias, José Walter Albinati, Odilon Esteves, Marcelo Souza e Silva e Rômulo Braga); e Prêmio Sesc/Sated de melhor espetáculo, melhor direção (Cláudio Dias, José Walter Albinati, Odilon Esteves, Marcelo Souza e Silva e Rômulo Braga) e melhor ator (Rômulo Braga).
No período de criação de Aqueles Dois, em 2007, a Cia. Luna Lunera é contemplada com o prêmio Myriam Muniz, para montar uma adaptação de O Cortiço, de Aluísio Azevedo (1857-1913), com direção do coreógrafo Tuca Pinheiro. O espetáculo Cortiços estreia em maio de 2008 no Galpão Cine-Horto. Depois da primeira temporada, o grupo decide reformular dramaturgicamente a montagem, que entra novamente em cartaz em novembro de 2008.
A Cia Luna Luneira destaca-se entre os grupos de teatro de Belo Horizonte surgidos nos anos 2000, ao lado do Grupo Espanca!, da Cia. Clara, entre outros. Com recursos das Leis de Incentivo à Cultura, a companhia mantém sede própria no bairro Floresta, em Belo Horizonte, onde, além dos ensaios regulares, desenvolve um curso livre de formação de atores. Estes recursos também possibilitam uma continuidade do trabalho de pesquisa diário, investindo-se na experimentação e na criação de suas montagens.
Notas
1. DEL RIOS, Jefferson. Estamos todos perdoados. Bravo!, São Paulo, 30 de out. 2003.
2. ALBINATI, Zé Walter. A Trajetória da Cia. Luna Lunera. Belo Horizonte, 28 de novembro de 2008. (inédito). Entrevista concedida a Mariana Muniz. p. 01.
3. AVELLAR, Marcelo Castillo. Crítica Nesta Data Querida. Estado de Minas, Belo Horizonte. 21 de jan. 2005.
4. ALBINATI, Zé Walter. A Trajetória da Cia. Luna Lunera. Belo Horizonte, 28 de nov. 2008. (inédito). Entrevista concedida a Mariana Muniz. p. 03.
5. NÉSPOLI, Beth. Aqueles Dois comove sem ser piegas ou melodramático. O Estado de S. Paulo, São Paulo. 31 de out. 2008.
Espetáculos 11
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 6
- ALBINATI, Zé Walter. A Trajetória da Cia. Luna Lunera. Belo Horizonte, 28 de nov. 2008. (inédito). Entrevista concedida a Mariana Muniz.
- AVELLAR, Marcelo Castillo. Crítica Nesta Data Querida. Estado de Minas, Belo Horizonte. 21 de jan. 2005.
- CIA. LUNA LUNERA. Site do Grupo. Belo Horizonte, 2018. Disponível em: <http://cialunalunera.com.br/luna-lunera/>. Acesso em: 6 ago. 2018.
- CIA. Luna Lunera. [Currículo]. Enviado pelo grupo em 30 de novembro de 2008.
- DEL RIOS, Jefferson. Estamos todos perdoados. Bravo!, São Paulo, 30 de out. 2003.
- NÉSPOLI, Beth. Aqueles Dois comove sem ser piegas ou melodramático. O Estado de S. Paulo, São Paulo. 31 de out. 2008.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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CIA. Luna Lunera.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo500503/cia-luna-lunera. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7