Véxoa: Nós sabemos
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Véxoa: Nós sabemos, apresentada na Pinacoteca do Estado de São Paulo (Pina_), é a primeira exposição do museu dedicada exclusivamente à produção indígena contemporânea e concebida por uma pesquisadora indígena, a curadora Naine Terena (1980). A mostra é um marco da representatividade dentro da Pinacoteca, reivindicando outros critérios estéticos relacionados à contribuição das nações indígenas no Brasil hoje.
Em cartaz entre 31 de outubro de 2020 e 22 de março de 2021, a exposição reúne obras de vinte e três artistas e coletivos indígenas brasileiros de etnias1 de diversas partes do país. Os trabalhos, – entre pinturas, esculturas, vídeos, fotografias, instalações e ativações – revelam a contemporaneidade dos saberes indígenas e problematizam posturas historicamente arraigadas.
A exposição é parte de um projeto de pesquisa mais amplo, intitulado OPY (Casa de Oração), uma colaboração entre a Pinacoteca, Casa do Povo e a aldeia Tekoa Kalipety, da comunidade Guarani Mbya, localizada no sul da capital paulista. Os trabalhos ocupam três salas do segundo andar da Pina Luz, e não se organizam de maneira cronológica ou conforme o local de origem, mas acompanham as diferentes temporalidades presentes na produção artística indígena. A exposição apresenta tanto trabalhos inéditos de artistas conhecidos, como Denilson Baniwa (1984), como obras de novos artistas, como Gustavo Caboco (1989).
Um dos destaques da exposição é a ampla presença do cinema e da fotografia indígenas. No filme Kaapora – O chamado das matas (2020), da jornalista e documentarista Olinda Yawar Tupinambá (1989), a ligação dos povos indígenas com a terra é narrada a partir de entidades espirituais. Sete filmes documentais produzidos entre 2014 e 2020 pela Associação Cultural de Realizadores Indígenas (Ascuri), formada por jovens dos povos Guarani-Kaiowá e Terena, abordam temas como gestão dos territórios indígenas e questões ambientais. Por sua vez, as fotografias em preto e branco de Edgar Corrêa Kanaykõ (1990), do povo indígena Xakriabá, retratam a dança, a pintura corporal e a luta de seu povo pela demarcação de terras.
Iniciativas de comunicação comunitária estão em evidência na Yandê (nós, em tupi), primeira rádio difusora indígena do Brasil na internet, que integra a exposição com uma programação de músicas, falas e entrevistas coordenada pelo seu cofundador Anapuaka Muniz Tupinambá (1974).
Já a arte ativista feminina é tema das ilustrações de Yacunã Tuxá (1994), da etnia Tuxá da Bahia. Realizadas com tecnologias computacionais, as obras propõem reflexões sobre a ancestralidade feminina e os preconceitos vividos pela mulher indígena nas grandes cidades.
Na pintura, destacam-se as obras de Mahku – Movimento dos Artistas Huni Kuin, coletivo que promove sua cultura por intermédio da produção ritual de desenhos e pinturas. A artista, ativista e comunicadora Daiara Tukano (1982) também apresenta uma série de pinturas realizadas entre 2018 e 2020 em que reproduz o hori, mirações produzidas pelo kahpi (ayahuasca), propondo um diálogo com a cosmovisão tukano.
No campo das esculturas, a artista, ativista e poeta pataxó Tamikuã Txihi (1993), da Terra Indígena Jaraguá (SP), expõe Áxiná, exna (Onça fêmea e sua cria), Nuhwãy (Fortaleza), Kuypô (Vento) e Txahab (Fogo), obras que simbolizam os guardiões da memória2. Todas as peças são feitas de barro e pintadas em acrílico. Máscaras e trajes dos Wauja também são exibidos, confeccionados entre 2000 e 2001 por membros da aldeia Piuylaga, do Território Indígena do Xingu. Entre os Wauja, as máscaras são utilizadas com aerofones (flautas e clarinetes) em rituais xamânicos da comunidade.
O artista makuxi Jaider Esbell (1979-2021) integra a exposição com a pintura coletiva Árvore de todos os saberes, painel de lona de dois metros que, desde 2013, vem sendo trabalhado por comunidades indígenas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, México e Estados Unidos. Além da pintura, Esbell também apresenta quatro vídeos produzidos em 2020 que discutem temas como o neoxamanismo e a mercantilização dos saberes dos povos originários.
Denilson Baniwa, da comunidade Baturité/Barreira, no Amazonas, apresenta duas obras: a instalação Nada que é dourado permanece 2: Amáka (Coivara) (2000), na qual são dispostos vestígios do incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em referência à destruição da cultura material indígena ali preservada; e Nada que é dourado permanece 1: Hilo, ação de plantio e semeadura de flores, ervas medicinais e pimenteiras na área externa da Pinacoteca. A ação representa uma espécie de antimonumento aos indígenas atingidos pela epidemia de Covid-19, e é transmitida no espaço expositivo por meio de câmeras de segurança.
A mostra também oferece uma programação pública de falas e discussões em torno das questões presentes na exposição e ativações, como a das mulheres Terena de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul, que se reúnem para entoar cânticos lúdicos e ritualísticos. Acompanha a exposição um catálogo com imagens das obras, textos curatoriais e ensaios de autores como Denilson Baniwa, Gustavo Caboco e o filósofo e escritor Daniel Munduruku (1964).
Véxoa: Nós sabemos aponta para a necessidade de novos critérios estéticos capazes de reconhecer a contribuição dos povos originários do Brasil e se afirma como instrumento de luta e resistência indígena. A exposição colabora com a visibilidade de artistas e coletivos indígenas brasileiros, promovendo reflexões fundamentais sobre questões históricas e sociais e demonstrando a pluralidade da produção de artistas indígenas.
Notas
1. Como Baniwa, Bakairi, Guarani-Mbya, Huni Kuin, Kaingang, Kaiowá, Krenak, Makuxi, Pankararu, Pataxó Hã-hã-hãe, Terena, Tukano, Tupinambá, Tuxá, Wapichana, Wauja, Xakriabá, Xetá e Yudjá.
2. Em 2019, Axiná, exna e Nuhwãy foram quebradas num ataque racista à Mostra Regional M’Bai de Artes Plásticas, no Centro Cultural Mestre Assis, em Embu das Artes, em São Paulll. Em resposta ao ataque, Kuypô e Txahab foram criadas e adicionadas ao conjunto.
Ficha Técnica
Naine Terena
Artista participante
Ailton Krenak
Anápuàka Tupinambá
Camila Kamē Kanhgág
Daiara Tukano
Daniel Munduruku
Denilson Baniwa
Dival da Silva Xetá
Edgar Corrêa Kanaykõ
Gabriel Gentil Tukano
Gustavo Caboco
Jaider Esbell
Juliana Kerexu
Lucilene Wapichana
Naine Terena
Ricardo Werá
Tamikuã Txihi
Yacunã Tuxá
Yawar
Fontes de pesquisa 5
- JAIDER Esbell. Prêmio PIPA, [Rio de Janeiro], 2023. Disponível em: https://www.premiopipa.com/pag/jaider-esbell/. Acesso em: 11 ago. 2021.
- RIBEIRO, Luciara; TUPINANBÁ, Moara. Véxoa: nós sabemos (ou o que não sabemos). Select, ano 10, n. 49, jan/fev/mar. 2021. Disponível em: https://select.art.br/vexoa-nos-sabemos-ou-o-que-nao-sabemos/. Acesso em: 11 ago. 2021.
- TERENA, Naine. (curadoria); BANIWA, Denilson; CABOCO, Gustavo; GOLDSTEIN, Ilana; MUNDURUKU, Daneil; VOLZ, Jochen (textos). Véxoa: Nós sabemos. Catálogo. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 2020.
- VÉXOA: Nós Sabemos. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2020. 1 press release. Disponível em: https://pinacoteca.org.br/programacao/exposicoes/vexoa-nos-sabemos/. Acesso em 11 ago. 2021.
- ZANON, Sibélia. Mostra na Pinacoteca usa a arte para denunciar crimes contra indígenas. UOL, São Paulo, 5 nov. 2020. Notícias da Floresta. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/noticias-da-floresta/2020/11/05/mostra-na-pinacoteca-usa-a-arte-para-denunciar-crimes-contra-indigenas.htm. Acesso em: 11 ago. 2021.
Como citar
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VÉXOA: Nós sabemos.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento647336/vexoa-nos-sabemos. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7