A Maldição do Vale Negro
Texto
Histórico
Encenação de Luiz Arthur Nunes (1946), para o Teatro Vivo, de texto de sua autoria em parceria com Caio Fernando Abreu (1948-1996). A proposta resgata criticamente o melodrama, gênero dramático que reina no século XIX e, posteriormente, nas novelas de rádio e televisão. Um esboço desse espetáculo transparece em algumas cenas de Sarau das Nove às Onze, também escrita em parceria com Caio Fernando Abreu e montado por Luiz Arthur Nunes em 1976, com o Grupo de Teatro Província.
A história é sobre uma órfã criada num castelo, sob o rígido controle do tio, o velho Conde Maurício, e da governanta, ambos personagens que guardam um segredo que pode mudar a vida da garota. A jovem é seduzida pelo Marquês D'Allençon, credor da hipoteca do conde. Quando o tio descobre o relacionamento dos dois, expulsa a menina do castelo e lança as mais terríveis maldições sobre ela. No acampamento de ciganos onde é acolhida, a pobre órfã descobre seu passado e os segredos que envolvem o Vale Negro. Ambientada no século XIX, a ação dramática se passa em 1834 e utiliza características do gênero melodramático, como o sofrimento e o final feliz.
Na montagem, protagonizada por Mirna Spritzer (1957), em elogiada e premiada atuação, o melodrama é levado a sério, sem deboche, e com todos os ingredientes comuns aos dramas do gênero: o escapismo, o maniqueísmo, o simplismo e a intervenção decisiva da providência divina. O gênero ultrapassado, como técnica de atuação, é resgatado com um olhar contemporâneo e uma temática mais ousada do que a habitualmente tratada pelo melodrama. Nas palavras de Flávio Mainieri, o texto e a montagem "são perpassados por traços indeléveis de outros textos, como os da pós-modernidade".1
A encenação utiliza não só os clichês do texto, mas também cenários, figurinos e adereços de época, tentando recuperar a forma usada no tempo em que o melodrama predomina nos teatros. Os três ambientes em que transcorre a narrativa são recriados por telões reversíveis, pintados em perspectiva, dando forma aos castelos, paisagens, criptas e corredores em que as personagens vivem suas angústias e glórias.
A representação tem um tom exacerbado e emocional, levando os atores a reconstituir as atuações dos grandes atores do melodrama. O diretor comenta que a encenação é carregada de inflexões vocais, gesticulações enfáticas e cenas de violência, e que "apesar da peça ser uma paródia do gênero, o comportamento cênico está longe do deboche. Os atores trabalham com seriedade, acontece que como se está lidando com uma acumulação de clichês, muitas vezes o espetáculo provoca o riso".2
Sobre a encenação, o crítico Cláudio Heemann (1930-1999) observa que o "resultado é excelente. Uma piada intelectual do melhor nível, apresentada com capricho. A direção de Luiz Arthur mostrou-se inspiradíssima ao criar uma sugestão divertida do artificialismo da ópera, com telões pintados, figurinos fantasiados e poses enfáticas. [...] O resto fica por conta da habilidade do elenco, cujos integrantes jogam-se com alma no trapézio sem rede de agudos dós-de-peito interpretativos. Valquíria Peña, como a cigana, merece o elogio maior. Ela consegue o impossível, dá veracidade sem caricatura, a um tipo que não passa de um deslavado chavão. Ida Celina defende o papel com força e a beleza de uma grande primadona, realizando o pastiche da ária-clímax de uma soprano coloratura. Sua entrada em cena, pelo alçapão, é um golpe de teatro digno do 'grandguinol'. Mirna Spritzer é outra intérprete com destaque especial. Ela parece a típica órfã-na-tempestade dos primeiros anos do cinema mudo. Uma heroína à maneira de Lilian Bish, que ela faz com elaborada composição".3
Em sua crítica, Yan Michalski (1932-1990) compara a produção do Teatro Vivo ao que de melhor se faz no eixo Rio-São Paulo: "Os autores Caio Fernando Abreu e Luiz Arthur Nunes mergulharam fundo na herança cultural do melodrama clássico, e escreveram um espirituoso texto que reúne, despudoradamente, vários dos mais batidos clichês e arquétipos do gênero. E Luiz Arthur encenou esse texto com a maior seriedade e com total respeito às convenções do seu anacrônico estilo cênico. Essa seriedade e esse respeito produziram, é claro, um resultado de notável poder cômico".4
Notas
1. MAINIERI, Flávio. A maldição do vale negro e os outros textos. In: Teatro: textos e roteiros. Porto Alegre: IGEL / IEL, 1988.
2. BARBOSA, Luiz Carlos. Explosão de riso na volta do melodrama. Gazeta Mercantil Sul, Porto Alegre, 9 maio 1986.
3. HEEMANN, Cláudio. A maldição..., melodrama divertido. Zero Hora, Porto Alegre, 23 maio 1986.
4. MICHALSKI, Yan. 1º Encontro Renner de Teatro. Boletim Informativo do Inacen, ano II, no 5, p. 9, 1986.
Ficha Técnica
Caio Fernando Abreu
Luiz Arthur Nunes
Direção
Luiz Arthur Nunes
Cenografia
Alziro Azevedo
Figurino
Alziro Azevedo
Iluminação
João Acir
Trilha sonora
Wesley Coll
Elenco
Antônio Carlos Brunet / A Maldição do Vale Negro
Bira Valdez / A Maldição do Vale Negro
Breno Ruschel / A Maldição do Vale Negro
Graça Nunes / A Maldição do Vale Negro
Ida Celina / A Maldição do Vale Negro
Mirna Spritzer / A Maldição do Vale Negro
Raul Machado / A Maldição do Vale Negro
Valquíria Peña / A Maldição do Vale Negro
Fontes de pesquisa 12
- ABREU, Caio Fernando e Luiz Arthur Nunes. A maldição do vale negro. Porto Alegre, IGEL / IEL, 1988.
- BARBOSA, Luiz Carlos. Dois núcleos confirmam uma receita de sucesso. Gazeta Mercantil Sul, Porto Alegre, 23 de mai. 1986.
- BARBOSA, Luiz Carlos. Explosão de riso na volta do melodrama. Gazeta Mercantil Sul. Porto Alegre. 9 maio 1986.
- BARBOSA, Luiz Carlos. O melodrama revivido com o apelo da emoção. Gazeta Mercantil Sul. Porto Alegre. 24 abril 1986.
- HEEMANN, Cláudio. A Maldição..., melodrama divertido. Zero Hora. Porto Alegre. 23.05.1986.
- HEEMANN, Cláudio. Um melodrama como manda o figurino. Zero Hora. Porto Alegre. 9.05.1986.
- HOHLFELDT, Antonio. Como a melhor receita de folhetim romântico. Gazeta Mercantil Sul. Porto Alegre. 16.05.1986.
- KHALED, Maria Luiza. Melodrama transformado em comédia. Correio do Povo. Porto Alegre. 19.05.1986.
- LULKIN, Angela. Perfeita maldição. Jornal do Comércio. Porto Alegre, 16 maio 1986.
- MAINIERI, Flávio. A maldição do vale negro e os outros textos. In; Teatro: textos e roteiros. Porto Alegre, IGEL / IEL, 1988.
- MICHALSKI, Yan. 1º Encontro Renner de Teatro. Boletim Informativo do INACEN - ano II, no 5. p. 9. 1986.
- RIBEIRO, Célia. Difícil obter material para figurino de época. Zero Hora. Porto Alegre. 8.05.1986.
Como citar
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A Maldição do Vale Negro.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento510770/a-maldicao-do-vale-negro. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7