Escola Baiana de Pintura
Texto
Histórico
A chamada escola baiana de pintura refere-se a uma sucessão de pintores atuantes especialmente em Salvador entre a segunda metade do século XVIII e a primeira do XIX. De acordo com o sentido amplo dado ao termo "escola", admitiram-se afinidades de cunho estilístico e temático entre obras e artistas, não raro abraçadas por etiquetas geográficas, como é aparente em seu nome, a exemplo da escola veneziana, romana, francesa etc.
A primeira alusão conhecida ao nome encontra-se ainda no oitocentos, em um manuscrito intitulado Noções sobre a Procedência da Arte de Pintura na Província da Bahia, produzido provavelmente entre as décadas de 1860 e 1870. Embora ainda se desconheça a sua autoria, desde os primeiros anos do século XX esse estudo se tornou fundamental para pesquisas e reavaliações constantes dedicadas ao tema. Dele surge uma genealogia prévia de artistas, ainda aceita por muitos estudiosos, que apresenta o pintor José Joaquim da Rocha (1737?-1807) como o fundador da escola e responsável pela preparação de vários discípulos.
Em comum, esses artistas mantêm uma produção pautada sobretudo na pintura religiosa, cuja maior parte das encomendas são solicitadas por confrarias e ordens terceiras em Salvador (franciscanas, carmelitas, beneditinas), que haviam se estabelecido no Brasil desde o século XVI, em meio à expansão contra-reformista da Igreja Católica.
Além da constante edificação de novos templos, por vezes “rivais”, tais ordens definiram complexos programas iconográficos para pinturas devocionais em seus tetos, paredes e painéis. Centrados em passagens do Novo Testamento, investiram mais frequentemente na adoração à Nossa Senhora (protetora das ordens); mas também em episódios da Paixão de Jesus Cristo, na vida dos santos, na adoração dos reis magos, na eucaristia, na anunciação e na catequese, entre outros temas menos frequentes.
Embora saiba-se que José Joaquim da Rocha não tenha sido o primeiro artista a se envolver nesse tipo de produção – a julgar pela atuação de longa data de vários pintores portugueses na Bahia, alguns especializados na pintura em perspectiva de tetos, como Antonio Simões Ribeiro (s.d.-1755) –, a sua primazia em estudos que pressupõem uma filiação constante de pintores ao longo de mais de cem anos parece decorrer da sua suposta naturalidade brasileira e de uma atuação que perdura por várias décadas em Salvador.
A sua “escola”, no entanto, não deve ser entendida como a de uma união formal entre artistas, nem como uma formação metódica regulada por uma série de disciplinas práticas e teóricas, tal como será o modelo adotado pela futura Academia Imperial de Belas Artes (Aiba), no Rio de Janeiro. O aprendizado dos seus integrantes dá-se pela prática constante do ofício, exercido sempre sob a supervisão do mestre, que corrige e ensina seus ajudantes em trabalhos de sua responsabilidade. Eles próprios tornam-se futuros mestres e continuam o processo.
Foi com base nessas constatações, e partindo de um conjunto limitado mas importante de informações sobre artistas, obras e agentes de encomendas apontados em Noções sobre a Procedência da Arte de Pintura na Província da Bahia, que estudiosos como Manoel Querino (nas primeiras décadas do século XX) e Carlos Ott (na segunda metade do mesmo século) ampliaram substancialmente as leituras a respeito da escola baiana de pintura, consolidando a ideia de sua existência.
Com poucas divergências na bibliografia,1 Rocha inaugura a escola, tomando como alunos, ao longo dos anos, José Teófilo de Jesus (1758-1847) e Franco Velasco (1780-1833) - que se tornam mais conhecidos -, além de Antônio Dias (17-- -18--), Lopes Marques, Mateus Lopes, Ramos Nunes da Motta, Sousa Coutinho, José Veríssimo e Lourenço Machado.
Teófilo de Jesus, até onde se sabe, parece ter sido o único a estudar fora do Brasil, custeado por Rocha, que o envia a Portugal entre 1794 e 1801. Apesar de sua atuação ter se estendido por mais de 45 anos em Salvador, se desconhecem notícias de que tenha mantido um grupo contínuo de trabalho.
Coube a Velasco, segundo a maior parte da bibliografia, dar sequência ao legado do seu mestre, formando sua própria ramificação de discípulos, entre eles José Rodrigues Nunes (1800-1881), Luís Gomes Tourinho, Luís da Silva Dias, Cornélio Ferreira França, Bento José Rufino Capinam (1791-1874) e José Antônio da Cunha Couto, alguns dos quais, especialmente Rodrigues Nunes, ajudariam a formar uma nova rede de discípulos, que terminaria por se “institucionalizar” no fim do século XIX, criando então o Liceu de Artes e Ofícios da Bahia e a Academia de Belas Artes da Bahia.
Ligados àquela filiação, sobressaem-se nessas iniciativas João Francisco Lopes Rodrigues (1825-1893) e seu filho, Manoel Lopes Rodrigues (1860-1917); esse, talvez o primeiro artista a operar uma mudança radical naquela sucessão artística: morando no Rio de Janeiro, em Paris e em Roma por mais de 14 anos, onde estuda nas academias locais e em ateliês privados, mantém diminuta produção religiosa, especializando-se, ao contrário, em natureza-morta, paisagem e pintura de gênero.
De todo modo, Lopes não parece ser um fenômeno isolado. A organização do Liceu de Artes e Ofícios e da Academia de Belas Artes da Bahia, somada a uma crescente laicização percebida em encomendas artísticas em Salvador desde o período de atuação de Franco Velasco, é usualmente tomada como a causa principal para o fim da escola baiana, uma vez que instaura mudanças significativas no aprendizado artístico, na produção, nos temas e nas relações de trabalho estabelecidas na tradição local – da qual a própria escola baiana faria parte.
Nota
1 Ver, por exemplo, SOBRAL, Luís de Moura (2008).
Como citar
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ESCOLA Baiana de Pintura.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo880/escola-baiana-de-pintura. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7