Teatro Independente
Texto
Histórico
Conceito que ganha impulso desde os primeiros anos da década de 1970, que qualifica uma recusa, desvio ou oposição aos mecanismos criados e impostos pelo mercado. Costuma apresentar-se associado ou paralelo aos de marginal, alternativo e experimental. Ainda que esses rótulos mostrem-se ambíguos ou pouco claros em suas propostas, muitas vezes mescladas entre si, nascem de um impulso interior à criação ou à circulação das obras artísticas, pugnando pela originalidade contra a massificação, a criação oposta à repetição, o diferente frente ao estabelecido. São procedimentos também verificáveis em outras manifestações culturais (na música, no cinema, na poesia e nas artes plásticas, assim como na imprensa nanica).
A partir de 1969, o Ato Institucional nº 5, a generalizada censura e repressão à liberdade de expressão farão radicalizar muitas destas atuações; contrapontos possíveis a um sistema econômico que está incrementando o papel e a abrangência da indústria cultural, quer através das redes de TV quer da imprensa de entretenimento.
Em 1967, surge o Grupo de Teatro Casarão, formado por artistas que criam um pequeno teatro na própria casa onde moram, com O Albergue. A realização comporta seu enquadramento tanto como experimental (pelos métodos de trabalho coletivo) quanto de marginal (aborda o lumpesinato; cria um espaço fora do circuito dos teatros estabelecidos). Mas vai ensejar, por meio da fusão com o Grupo do Onze, formado por universitários, o futuro Teatro Popular União e Olho Vivo, de decidido aporte popular e interesse num circuito deslocado para a periferia de São Paulo, a partir de 1969.
Rito do Amor Selvagem, em 1969, faz dos procedimentos experimentais sua ponta de lança. A arte marginal possui dois destaques em Luxo, Som, Lixo ou Transanossa, em 1971, teatro vivencial nascido na casa dos diretores e transferida para o Teatro do Meio, e Gente Computada Igual a Você, que lança o também comunitário grupo homossexual Dzi Croquettes, em 1972. Mesmo ano em que Gracias, Señor, fruto de longa excursão alternativa, enfeixa todos esses procedimentos ligados ao experimentalismo e à marginalidade.
Nascido de experiências com a leitura dos vespertinos, Augusto Boal e o Arena 2 criam o Teatro Jornal - 1º Edição, numa sala alternativa do Teatro de Arena, em evidente movimento rumo a um circuito de periferia, em 1971. Entre 1971 e 1972, Terceiro Demônio, do TUCA, conhece três versões, numa clara referência ao seu caráter de experimentação contínua, que migra para o marginal e alternativo, pela temática e ao deslocar-se para o edifício de um cursinho. Imbricados um no outro, os procedimentos do experimentalismo, da marginalidade e da independência possuem contornos mal definidos nessa fase inicial.
Situação que tende a definir-se a partir de 1973/1974, com o novo impulso tomado pelo Serviço Nacional de Teatro - SNT, órgão que passa a centralizar as decisões da política de cultura governamental. Polariza-se, então, de um lado, o circuito institucional - um pouco pejorativamente chamado de teatrão - e um outro teatro que, embora engolfado nesses rótulos díspares entre si, vincula-se a algum dos procedimentos acima evidenciados.
Esse outro teatro, muito em breve, almeja o estatuto de independência, galvanizado em duas tendências que se separam muito nitidamente: a primeira assume seu perfil militante, opta pelo trabalho coletivo como aglutinação e mobilização popular, e sedia sua atuação na periferia, aliando-se ao teatro de resistência; a segunda, congrega os grupos voltados às investigações de linguagem, atua na franja do mercado e mantém velada ou aberta a crítica aos padrões do teatrão instituído.
Na primeira tendência encontramos, entre outros, grupos como o Núcleo Expressão de Osasco (entre 1969 e 1979), que cria seu próprio espaço no município, o teatro União e Olho Vivo (nascido em 1969, atua até hoje), e apresenta-se majoritariamente em locais da periferia, o Teatro Núcleo Independente (entre 1973 e 1977/1978), faz circuito de periferia e cria um teatro em São Miguel Paulista; o Circo-Teatro Alegria dos Pobres (entre 1974 e 1982), atua em circuito da periferia; o Cordão-Truques, Traquejos e Teatro (entre 1974 e 1982), cria uma sede no bairro do Ipiranga; o Galo de Briga (entre 1976 e 1985), faz circuito pela periferia; o Ferramenta-Forja (entre 1978 e 1984), ligado ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. No Rio de Janeiro, o Grupo Dia-a-Dia faz circuito pela periferia (1976/1987) e o Tá na Rua (já nos 1980), de Amir Haddad, faz muitas intervenções no cotidiano da cidade, por meio de apresentações em praças do centro do Rio de Janeiro.
Essa tendência produz encontros que visam discutir temas e problemas afins, como o 1º Seminário de Teatro Popular, em 1974, ou o Primeiro Encontro de Grupos de Teatro Independente de São Paulo, em 1978. Não somente a organização, infra-estrutura e sobrevivência são discutidas, como também as opções estéticas e artísticas, ligadas aos métodos de trabalho e formação dos participantes.
Na segunda tendência, entre outros, podem ser arrolados o Pod Minoga (1972/1980), cujos primeiros espetáculos realizam-se no Pod Minoga Studio; o Teatro Ventoforte (nascido em 1974 no Rio de Janeiro, atua até hoje em São Paulo), organiza a Casa do Ventoforte no bairro do Itaim-Bibi em São Paulo; o Asdrúbal Trouxe o Trombone (1974/1983), que se apresenta em clubes e no Museu de Arte Moderna - MAM/RJ, sede também do A Comunidade, que desenvolve pesquisa de teatro em espaço não convencional (1968/1970); o Grupo de Teatro Mambembe (1976/1986) que inicia em circuito do Sesc e, posteriormente, cria seu próprio Teatro Mambembe; e o Teatro do Ornitorrinco (1977/1987, fase em que é um grupo), que se inicia no porão do Teatro Oficina.
Os conjuntos, quer da primeira quanto da segunda tendência, utilizam-se da criação coletiva como procedimento artístico, mesmo quando adotam textos previamente existentes, e o elenco assume uma polivalência de funções ligadas à estruturação do espetáculo. Traços do experimentalismo vanguardista, assim como atitudes que beiram os procedimentos marginais e alternativos, são detectáveis em suas trajetórias, repertório ou modo de posicionamento frente ao mercado e ao teatro instituído. O termo 'independente' possui origem no exterior, notadamente na Europa e América Latina, onde a organização teatral dá-se em moldes diferentes dos nacionais; mas é assimilado no Brasil num momento em que as políticas culturais governamentais apontam para rumos que este outro teatro não deseja seguir.
Radicalizando suas proposições, esses grupos convergem, no fim da década, para um novo movimento de organização produtiva em São Paulo, criando a Cooperativa Paulista de Teatro, que passa a atuar em 1979.
Fontes de pesquisa 7
- ARRABAL, José; LIMA, Mariângela Alves de. O nacional e o popular na cultura nacional: teatro. São Paulo: Brasiliense, 1983.
- ARTE EM REVISTA. São Paulo: Kairós - Ceac, n. 6, out. 1981.
- ARTE EM REVISTA. São Paulo: Kairós - Ceac, n. 8, out. 1986.
- BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Edições 70, 1991.
- FERNANDES, Sílvia. Grupos teatrais: aqnos 70. Campinas: Unicamp, 2000.
- GARCIA, Silvana. O Teatro da Militância. São Paulo: Perspectiva, 1990. 208 p.
- HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde: 1960/1970. São Paulo: Brasiliense, 1980.
Como citar
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TEATRO Independente.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo621/teatro-independente. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7