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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Zé Dantas

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 31.10.2016
27.02.1921 Brasil / Pernambuco / Carnaíba
11.03.1962 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
José de Souza Dantas Filho (Carnaíba de Flores, Pernambuco, 1921 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1962). Compositor. Aos nove anos muda-se para o Recife para estudar em colégios internos. Influenciado pela família, ingressa na Faculdade de Medicina da Universidade do Recife, em 1942.

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Biografia
José de Souza Dantas Filho (Carnaíba de Flores, Pernambuco, 1921 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1962). Compositor. Aos nove anos muda-se para o Recife para estudar em colégios internos. Influenciado pela família, ingressa na Faculdade de Medicina da Universidade do Recife, em 1942.

Enquanto estuda fora, visita regularmente a Fazenda Brejinho, propriedade rural da família onde ele tem contato com diversas manifestações culturais populares do interior de Pernambuco. Pouco a pouco, inicia o registro de relatos orais, poemas e toadas cantadas pelos vaqueiros. Aprende a tocar violão como autodidata, compondo canções com temas relacionados ao cotidiano sertanejo.

Em 1947, em Recife, conhece Luiz Gonzaga (1912-1989), famoso pela popularização de ritmos nordestinos, adaptados aos moldes da música comercial urbana do Rio e Janeiro com a ajuda do parceiro Humberto Teixeira (1915-1979). A canção Vem Morena é a sua primeira parceria com Luiz Gonzaga, lançada em 78 rpm, em 1950. Recém-formado, Zé Dantas muda-se para a cidade do Rio de Janeiro no início de 1950 para trabalhar como residente do Hospital dos Servidores do Estado, ao qual se vincula mais tarde como funcionário público. Na bagagem, traz de Pernambuco muitas ideias para a composição em parceria com Luiz Gonzaga de baiões como A Volta da Asa Branca, A Dança da Moda e Forró de Mané Vito, gravadas em 1950. O sucesso das gravações faz com que Dantas, Humberto Teixeira e o Rei do Baião participem do programa No Mundo do Baião, nos estúdios da Rádio Nacional, em 1951. Nele, o compositor conta histórias e imita personagens típicos do sertão nordestino.

Nos anos 1950, Luiz Gonzaga grava em discos de 78 rotações diversas composições em parceria com Zé Dantas, como Xote das Meninas, Vozes da Seca e A Letra I - homenagem à esposa Iolanda Dantas - (todas de 1953), Riacho do Navio (1955), o coco Derramaro o Gai (1950) e Siri Jogando Bola (1956), entre outros. Além de Luiz Gonzaga, suas composições também são gravadas por Jackson do Pandeiro (1919-1982), que interpreta Forró em Caruaru (1955); Ivon Curi (1928-1995), com Farinhada (1955) e O Xem-Nhem-Nhem (1958); e Marinês (1935-2007),  intrepretando Cadê o Peba (1961) e O Bom que o Coco Tem, (1962).

Em 1959, é lançada a coletânea Luiz Gonzaga Canta Seus Sucessos com Zé Dantas, destacando-se Sabiá, O Xote das Meninas, Vozes da Seca e Cintura Fina. Zé Dantas morre em 1962 e, no ano seguinte, o Luiz Gonzaga grava o compacto Homenagem a Zédantas, com duas composições do parceiro, A Profecia e Xô Pavão, e duas exaltações a ele por outros autores, Homenagem a Zé Dantas (Antônio Barros, 1930) e Zé Dantas (Onildo Almeida, 1928).

As canções de Zé Dantas, especialmente as compostas com Luiz Gonzaga, são gravadas por vários artistas: O Xote das Meninas por Wilson Simonal (1939-2000) e Marisa Monte (1967); Vem Morena por Alceu Valença (1946) e Gilberto Gil (1942); Riacho do Navio por Carmélia Alves (1923-2012), Fagner (1949) e Maria Bethânia (1946); A Volta da Asa Branca por Dominguinhos (1941-2013) e Hermeto Pascoal (1936); Acauã por Gal Costa (1954) e Quinteto Violado.

Em 2003, é lançado o CD Todos Cantam Zé Dantas & Luiz Gonzaga!, reunindo interpretações de suas obras por artistas como Chico Buarque (1944), Elba Ramalho (1951) e Marina Elali (1982), cantora e neta de Zé Dantas, que chega a fazer uma versão pop em inglês para O Xote das Meninas(All She Wants).

Análise
Desde a chegada ao Rio de Janeiro em 1950, Zé Dantas tem a oportunidade de explorar suas diversas facetas artísticas. Além de compor, participa ativamente da produção artística e musical dos shows e das gravações de Luiz Gonzaga, desenvolvendo uma atuação especial no programa de rádio No Mundo do Baião. Depois de ter passado pelo Rádio Jornal do Commércio de Recife, exibe semanalmente em horário nobre na Rádio Nacional seu talento como contador de casos pitorescos e imitador de personagens do sertão.

Essa habilidade está registrada em uma versão do baião O Forró de Mané Vito (parceria com Luiz Gonzaga), gravada em 1959. A canção é um depoimento ao delegado, cuja voz é gravada por Zé Dantas, de um sertanejo acusado de envolver-se em uma briga seguida de morte que faz "o samba se acabar".

O Forró de Mané Vito apresenta um caso de uma briga numa festa tradicional, fato corriqueiro das festas do interior nordestino, envolvendo delegado, sanfoneiros, tocadores de zabumba e reco-reco e outros personagens que compõem o cenário das festas. Esse tipo de narrativa também se apresenta em outras parcerias com Luiz Gonzaga, como O Torrado (1950) e Derramaro o Gai (1956). O cotidiano popular de diferentes locais do Nordeste narrados por Zé Dantas marca a maior parte de suas composições. Ele se destaca pelo seu interesse e disposição para pesquisar e registrar manifestações culturais populares nordestinas. São aboios de vaqueiros, histórias e mitos narrados por habitantes locais, poemas e desafios nos quais violeiros improvisam versos, muitos deles registrados em um gravador de rolo portátil com 14 kg de peso que o acompanha em suas viagens.

Um de seus destinos preferidos é a fazenda da família, Brejinho, situada no município de Carnaíba e cortada pelo Riacho do Navio, que dá nome a um xote composto com Luiz Gonzaga em 1955. Nostálgica, a canção apresenta uma paisagem geográfica e cultural isolada do mundo moderno, onde se pode: "Fazer umas caçada/ Ver as pega de boi/ andar nas vaquejada/ Dormir ao som do chocalho/ E acordar com a passarada/ Sem rádio e sem notícia/ Das terra civilizada".

Nas vaquejadas e "pegas de boi" cantam-se diversos ritmos e gêneros musicas tradicionais, porém são conhecidos genericamente pelos sertanejos como baião. Mas, como observado na canção Tudo É Baião, composta em parceria com Luiz Gonzaga e gravado pelos Quatro Ases e um Coringa em 1952, essa canção demonstra o conhecimento de Zé Dantas sobre a cultura popular, negando a ideia de que o baião é uma invenção: "Andam dizendo/ Que o baião é invenção/ Quem disse isso/ Nunca foi no meu sertão/ Pra ver os cego/ Nesse ritmo cantando/ E os violeiro/ No baião improvisando".

Enquanto Humberto Teixeira é o parceiro com quem Luiz Gonzaga cria versões urbanas de gêneros de música popular rural do Nordeste, Zé Dantas é responsável por enveredar-se no na cultura regional. Sua fidelidade às fontes populares chega a causar estranhamento em parte do público do Sul. O maior exemplo dessa incompreensão da cultura nordestina se dá quando Siri Jogando Bola(parceria com Luiz Gonzaga) é tocada na época de sua gravação (1956) no programa televisivo de Flávio Cavalcanti. Composta em ritmo de coco, gênero popular do litoral nordestino praticado em roda, na qual alternam-se um refrão fixo cantado em coro e estrofes improvisadas por solistas, ela foi classificada por esse apresentador como uma obra de mal gosto por conter trechos como "vi um jumento/ beber vinte Coca-Cola/ ficar cheio qui nem bola/ e dá um arroto de lascá", baseados em casos colhidos por Zé Dantas. Alias, essa é a primeira vez que a Coca-Cola, símbolo pop, é citada numa canção brasileira.

Esse fato causa grande indignação no compositor, por entender que tal acusação recai sobre a cultura popular nordestina, a qual defende e procura representar, inclusive politicamente, em canções como Vozes da Seca, composta em parceria com Luiz Gonzaga em 1953. Nesse ano, em que uma forte seca castiga o Nordeste, Vozes da Seca reclama ao governo a adoção de medidas que possam gerar emprego e renda mais eficientes do que as campanhas organizadas para coletar doações: "Seu doutô os nordestino/ Têm muita gratidão/ Pelo auxílio dos sulistas/ Nesta seca do Sertão/ Mas doutô, uma esmola/ A um home qui é são/ Ou lhe mata de vergonha/ Ou vicia o cidadão".

O discurso da canção, considerada precursora da música de protesto brasileira, está sintonizado com o projeto desenvolvimentista defendido por parte da sociedade brasileira e por representantes políticos, como o presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), amigo pessoal de Zé Dantas. As soluções propostas em Vozes da Seca, como "encher os rios de barrage" e não esquecer da "açudagem" para dar "serviço ao nosso povo" retorna em outras duas parcerias com Luiz Gonzaga. Em Algodão (1953) os parceiros atendem ao pedido do pernambucano João Cleofas (1899-1987), então ministro da Agricultura, de conclamar os trabalhadores rurais do sertão para cultivar o algodão. Em Paulo Afonso (1955), celebram a construção da barragem para produção de energia elétrica no Rio São Francisco, considerada fundamental para o desenvolvimento brasileiro: "Vejo o Nordeste/ Erguendo a bandeira/ De ordem e progresso/ A nação brasileira/ Vejo a indústria gerando riqueza/ Findando a seca salvando a pobreza".

Depois dessas exaltações ao Brasil e ao Nordeste, o tom de denúncia de Vozes da Seca é retomado em A Profecia, parceria com Luiz Gonzaga por ele gravada em 1963, no ano seguinte à morte de Zé Dantas. Com grande dose de ironia, essa profecia anuncia um futuro de abundância de riqueza e livre da pobreza, alcançado por meio do desaparecimento dos pobres, mortos por inanição: "Pro gosto dos doutô/ Vai o pobre se arrasá/ Pra cuzinhá/ Pra plantá todo esse chão/ Prô doutô comê feijão/ Quem será que vai ficá?".

A Profecia demonstra como Zé Dantas está atualizado em relação à tendência da época, na qual a crítica social torna-se tema de muitas canções de compositores politicamente engajados como Carlos Lyra (1939), Geraldo Vandré (1935) e Edu Lobo (1943). Artistas que, interessados nas tradições populares nordestinas, são influenciados por sua obra.

Fontes de pesquisa 5

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  • BEZERRA, Armando J. C.; ARAÚJO, Jordano Pereira. Dr. Zé Dantas e a flor do mandacaru. In: _________. Medicando arte. Brasília: Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal, 2006.
  • DREYFUS, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. São Paulo: Ed. 34, 1996.
  • FERRETI, Mundicarmo Maria Rocha. Baião dos dois: a música de Zedantas e Luiz Gonzaga no seu contexto de produção e sua atualização na década de 70. 2. ed. Recife: Cepe, 2007.
  • KFOURI, Maria Luiza. Discos do Brasil. Disponível em: http://www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil/indice.htm. Acesso em: 25 mar. 2011.
  • MEMORIAL LUIZ GONZAGA. Zé Dantas segundo a Letra I. 1. ed. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2010. p. 80, il. p&b. (Coleção Arquivo Vivo; v.1).

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