Zezé Gonzaga
Texto
Biografia
Maria José Gonzaga (Manhuaçu, Minas Gerais, 1926 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008). Cantora, nasce numa família de tradição musical. Seus pais – Oraide, flautista, e Rodolpho, luthier – a incentivam desde cedo, imaginando para a filha uma carreira no canto lírico. Além de técnica vocal, estuda um pouco de piano e teoria. Aos 12 anos, faz sua primeira apresentação em público, interpretando "Neusa" (Antônio Caldas/Celso de Figueiredo), valsa do repertório de Orlando Silva (1915-1978), num parque de diversões da cidade de Além Paraíba (MG), para onde se mudara com a família. Dois anos depois, torna-se crooner do conjunto do clube local, o Rex Clube.
Em 1942, durante férias no Rio de Janeiro, inscreve-se juntamente com a mãe para participar do programa de calouros comandado por Ary Barroso (1903-1964). Ambas recebem nota máxima.
Em 1945, muda-se para o Rio e começa a trabalhar num escritório de marcas e patentes, mas não deixa de frequentar programas de calouros, entre eles o Papel Carbono, do radialista Renato Murce. Com receio que sua faceta artística interferisse em seu emprego, inscreve-se sob o pseudônimo de Deise Barbosa no programa Pescando Estrelas, comandado por Antonio Amaral na Rádio Clube do Brasil. Com seu desempenho, é contratada e passa a trabalhar exclusivamente como cantora.
Em 1948, após indicação do cantor Nuno Roland (1913-1975), transfere-se para a Rádio Nacional, onde ficaria por quase 20 anos, atuando em diversos programas.
Grava dezenas de discos de 78 rpm, sendo o primeiro deles em 1949, contendo os sambas-canções "Desci" (Cláudio Luis/Alcir Pires Vermelho, 1906-1994) e "Inverno" (Clímaco César). Em 1957, lança seus LPs de estreia: a coletânea "Zezé Gonzaga" e "Vivo a cantar", de inéditas. De sua discografia constam ainda "Nossa namorada musical" (1962) e "Canção do amor distante" (1967).
No final da década de 1950, atua em gravações de discos infantis sob a direção do cantor Paulo Tapajós (1913-1990) e funda a Tape Produções, em sociedade com o Maestro Cipó (1922-1992) e o ator Jorge Abicalil. Entre as vinhetas, jingles e trilhas sonoras criadas pela agência, está o tema de abertura do Projeto Minerva, do Ministério da Educação.
Em 1971, Zezé abandona a carreira artística e passa a viver em Curitiba, trabalhando numa creche em companhia de Penha, sua filha adotiva. Oito anos mais tarde, o produtor Hermínio Bello de Carvalho (1935-) a recoloca em cena com o LP "Valzinho: um doce veneno" (1979). Na década de 1980, ao lado de Carmélia Alves (1923-2012), Ellen de Lima (1938), Nora Ney (1922-2003), Rosita Gonzales (1929-1997) e Violeta Cavalcanti (1923), faz turnê de apresentações por diversas cidades brasileira e grava o CD As eternas cantoras do rádio (1991).
Novamente tendo Hermínio Bello de Carvalho como produtor, lança os CDs Clássicas (1998), gravado em parceria com a intérprete Jane Duboc (1959), "Sou apenas uma senhora que ainda canta" (2002) e "Entre cordas" (2008). Em 2003, sofre uma queda e fratura o esterno, o que dificultaria sua respiração pelos anos seguintes. É agraciada com o diploma de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), mas falece em 23 de julho de 2008, semanas antes da cerimônia de entrega.
Análise
Ao se lançar na carreira artística, Zezé demostra uma sólida formação musical, algo incomum entre as intérpretes de sua geração. Dona de um timbre de soprano ligeiro e com domínio técnico do potencial de sua voz, ela rapidamente conquista espaço nos estúdios de rádio e, sobretudo, ganha o respeito dos músicos. Nas duas décadas de trabalho na Rádio Nacional, atua sob o comando dos grandes maestros da época, entre eles, Lyrio Panicali (1906-1984), César Guerra-Peixe (1914-1993), Lindolpho Gaya (1921-1987), Alberto Lazzoli (1906-1987), Radamés Gnattali (1906-1988) e Moacir Santos (1926-2006).
Outra característica de Zezé é a versatilidade. Cantava desde canções de opereta, que exigiam maior dedicação vocal, até temas didáticos para programas do radialista Almirante (Henrique Foréis, 1908-1980). Em seus primeiros discos, ela investe principalmente nos sambas-canções, com destaque para sua gravação, em 1956, de "Linda flor (Ai, ioiô)" (Henrique Vogeler/Luiz Peixoto/Marques Porto), clássico de Araci Côrtes (1904-1985), estrela do teatro de revista. No entanto, em seu repertório desse período também é possível encontrar valsas – "Feliz aniversário" (Joubert de Carvalho, 1900-1977) –, baiões – "É sempre o papai" (Miguel Gustavo) –, choros – "Lirismo" (Gadé/Felício dos Santos) – e boleros – "Meu sonho" (Pedroca/Alberto Ribeiro).
A direção da Rádio Nacional era exigente. Artistas que chegavam atrasados aos programas ou em cima da hora marcada, não entravam no ar e ainda recebiam multa. Zezé se orgulhava disso nunca ter acontecido com ela, que cumpria sua jornada e regularmente era escalada para substituir alguma colega ausente. Por conta de sua disciplina, figura como uma das intérpretes mais requisitadas pelos produtores musicais da emissora. De acordo com levantamento do pesquisador Ronaldo Conde Aguiar, no primeiro semestre de 1958, Zezé atuou em 119 programas, superando em número de participações cantoras como Heleninha Costa (109), Emilinha Borba (1923-2005) (97), Ademilde Fonseca e Nora Ney (95), Angela Maria (1929) (84), Neusa Maria (81), Vera Lúcia (80), Olivinha Carvalho (72), Lenita Bruno (64) e Ester de Abreu (63).
Apesar de ser das mais ativas do elenco feminino da Nacional, em nenhum momento Zezé conquista a mesma popularidade das chamadas rainhas do rádio. Além de ser tímida e pouco afeita à balbúrdia dos fã-clubes da época, ela não escondia sua preferência por cantar sambas modernos de autores como Valzinho (1914-1980), Garoto (1915-1955) e Custódio Mesquita (1910-1945), o que lhe valeu em certos momentos a fama de intérprete elitista.
Sua preferência pessoal, porém, não chegava a convencer a Columbia, sua gravadora, que seguia apostando no ecletismo da cantora e a colocava para gravar, não raro a contragosto, versões de sucessos estrangeiros, como o fox “Ama-me amor (Amami se vuoi)” (Mario Panzeri / V. Mascheroni / versão: Waldir Cardoso) e a tarantela “Tritomba” (Henze / Göhler / Brown / versão: Cauby de Brito). O descontentamento de Zezé aumenta em meados da década de 1960, quando a televisão começa a ocupar o lugar do rádio como principal veículo de divulgação musical. A intérprete sente que está com espaço de atuação reduzido e decide se afastar do mundo artístico.
O seu retorno se dá graças ao incentivo do poeta e compositor Hermínio Bello de Carvalho, seu fã e amigo desde a década de 1950, na época em que Zezé ainda iniciava carreira na Rádio Nacional. Hermínio torna-se o principal responsável por sua carreira discográfica a partir de então. Primeiramente, ele a convida para gravar um LP dedicado à obra de Valzinho, álbum feito em parceria com o Quinteto de Radamés Gnattali – com o próprio maestro (piano e arranjos), Zé Menezes (1921-2014) (guitarra), Vidal (baixo), Luciano Perrone (bateria) e Chiquinho do Acordeom.
A amizade e parceria entre Zezé e Radamés rendeu um episódio muito conhecido no meio musical e frequentemente lembrado de maneira anedótica. Acompanhados pela Camerata Carioca, a cantora e o maestro faziam uma temporada no Rio de Janeiro, no Teatro João Caetano, que passava por uma reforma. A situação do local piorou o habitual mau humor de Radamés, que reclamava de tudo: do calor, do barulho provocado pelos operários, do desconforto dos camarins e do excesso de poeira. Zezé tentou acalmá-lo, pedindo paciência, dizendo que em breve o concerto começaria e, no palco, tudo se acertaria, pois estavam preparados para fazer uma bela apresentação. Radamés se foi, mas não se antes virar-se para a cantora e disparar: “E você também, Zezé, vai ser afinada assim na pqp...!” Em entrevistas, o maestro costumava citar a amiga como sendo sua cantora preferida.
Após “Valzinho: um doce veneno”, ela só voltaria a gravar um disco individual duas décadas mais tarde: “Sou apenas uma senhora que ainda canta” (2002). “A voz de Zezé Gonzaga continua voando veloz e limpa e clara na garganta”, descreveu Hermínio Bello de Carvalho no encarte do CD. Sob a supervisão do amigo, a intérprete reconquistara a liberdade de poder cantar o repertório que apreciava e a deixava satisfeita. “Nunca tive a mídia a bafejar meus trabalhos, mas continuo lutando e tenho certeza de que alguém para e me ouve”, disse a intérprete, que permaneceu apostando até o fim nas melodias e harmonias de compositores como Guinga (1950), Radamés e Garoto.
“Uma das muitas cenas memoráveis do imperdível filme ‘Brasileirinho’[2005], do diretor Mika Kaurismaki, é a do [violonista] Guinga contando como nasceu a música ‘Senhorinha’, dedicada à sua filha. Depois Zezé Gonzaga canta a música. Quem não se emocionar deve procurar um médico urgentemente porque pode estar morto”, diagnosticou o escritor Luis Fernando Veríssimo (1936) em uma de suas crônicas.
Fontes de pesquisa 6
- AGUIAR, Ronaldo Conde. As divas do rádio nacional: as vozes eternas da Era de Ouro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010. 247 p.
- INSTITUTO MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA. Disponível em . Acessado em: 15 mai 2013.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- MÁXIMO, João. Muito mais que uma senhora que ainda canta. In: O Globo - Segundo Caderno, 19 jul. 2002.
- PAVAN, Alexandre. Uma senhora voz. In: Revista Carta Capital, 07 ago. 2002.
- VERÍSSIMO, Luis Fernando. Nobreza popular. In: O Globo, 02 set. 2007.
Como citar
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ZEZÉ Gonzaga.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa579363/zeze-gonzaga. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7