Glorinha Beuttenmüller
Texto
Maria da Glória Cavalcanti Beuttenmüller (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1925 - idem, 2024). Fonoaudióloga e diretora. É especialista em estudos da voz, criadora do Método Espaço-Direcional-Beuttenmüller, utilizado no desenvolvimento das possibilidades vocais do ator em cena e adotado por diversas instituições brasileiras de ensino em teatro.
Na década de 1940, faz aulas de violino na Escola de Música da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e é ouvinte da disciplina arte de dizer, ministrada pela professora de canto Julieta Telles de Menezes. No início dos anos 1950, apresenta-se em recitais de declamação e integra um grupo de artistas chamado Cintilas. Em 1957, forma-se em teatro pela Fundação Brasileira de Teatro (FBT) e, em 1960, gradua-se pela Escola de Música da UFRJ.
Em um dos seus recitais percebe certo cansaço vocal e recorre a Lilia Nunes, professora de impostação de voz que leciona na Escola de Teatro da Federação das Escolas Federais Isoladas do Estado da Guanabara (Fefieg), atual Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Os exercícios aprendidos com Lilia Nunes, de quem se torna assistente, despertam seu interesse pela técnica vocal. Começa a trabalhar com deficientes visuais e é convidada a desenvolver um programa de estímulo da fala para cegos e amblíopes, como coordenadora do setor de logopedia do Instituto Benjamin Constant, em 1960.
Logo observa que, privado do sentido da visão, o indivíduo perde a percepção do espaço, daí as dificuldades na emissão da voz. Determinada a encontrar uma solução para os problemas de expressão oral de seus alunos, concebe um método revolucionário de trabalho: o Método Espaço-Direcional-Beuttenmüller, que se baseia "na orientação do corpo no espaço por meio da estimulação dos sentidos. Com esse trabalho de reeducação, os deficientes visuais conseguem perceber e controlar melhor o direcionamento e a projeção da voz"1. Realiza também uma série de atividades inovadoras, como a criação do Coral Falado, integrado por deficientes visuais, que se apresenta no Teatro Maison de France, em 1961, com boa repercussão da crítica.
Glorinha assume a chefia do departamento de voz e dicção da escola de teatro da Fefieg em 1964, ano em que se inscreve no primeiro curso de foniatria do Brasil, organizado pela Escola de Reabilitação do Rio de Janeiro, instalada na Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), presidida pelo doutor Pedro Bloch, um dos pioneiros dessa área e autor de diversas peças de teatro.
Em meados da década de 1960, trabalha na preparação vocal dos atores do Teatro de Arena, utilizando seu método como fundamento. Cria o termo "direção vocal-interpretativa" para designar a orientação vocal dada aos elencos dos espetáculos teatrais. O objetivo é harmonizar o corpo, a voz e o gesto de forma integrada às atividades cênicas e de acordo com a proposta conceitual do espetáculo estabelecida pelo diretor. Cursa logopedia e fonoaudiologia na ABBR, em 1966.
Em 1972, registra seu método e lança o livro Expressão Vocal e Expressão Corporal, escrito em parceria com Nelly Laport, no qual sustenta a tese de que as pessoas devem falar com o corpo inteiro. Para o crítico Yan Michalski (1932-1990): "O método de Glorinha Beuttenmüller não se limita ao campo técnico da comunicação vocal. Ela dá merecida ênfase à interdependência entre fatores emocionais e problemas da voz, e acaba projetando o assunto para o terreno de uma conceituação quase filosófica [...]”2.
Ao longo de sua trajetória , atua na preparação dos atores de importantes espetáculos, como a assessoria vocal prestada à montagem de Os Veranistas (1978), de do dramaturgo russo Gorki (1868-1936), que inaugura o Teatro dos Quatro. Atuação sobre o qual a crítica Tania Pacheco afirma: "Importante, igualmente, o trabalho de Glorinha Beuttenmüller, mantendo no nível correto e oportuno vozes e murmúrios, descobrindo modulações, transformando determinadas falas na extensão do seu já famoso 'abraço sonoro', concepção de um método que defende justamente"3. Faz a direção vocal-interpretativa dos atores da produção musical Ópera do Malandro, de Chico Buarque (1944), em 1978, com direção de Zé Celso (1937-2023). Em 1979, cuida da expressão vocal do elenco da peça Papa Highirte, de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), texto proibido pela censura federal em 1968, e só montado 11 anos depois.
Estreia na direção de Fala Baixo senão Eu Grito, de Leilah Assumpção (1943), em 1979, inaugurando o Teatro do América Futebol Clube. Nessa década, é contratada pela TV Globo para trabalhar com jornalistas e lá permanece por 18 anos.
Assume com Emiliano Queiroz (1938) a direção da peça Vejo um Vulto na Janela, Me Acudam que Eu Sou Donzela, de Leilah Assumpção. No ano de 1982, a convite de Eric Nielsen e Gustavo Ariani, Glorinha participa da criação da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL), escola de teatro da qual se torna madrinha e onde ministra um dos cursos inaugurais.
Em 1993, faz a preparação vocal de O Cortiço, de Aluísio Azevedo (1857-1913), com adaptação e direção de Sergio Britto (1923-2011), e, em 1998, presta assessoria vocal nos espetáculos Amor de Poeta, de Tiago Santiago (1963), sobre Castro Alves (1847-1871), e Um Caso de Vida ou Morte, que reúne três peças dos autores americanos David Mamet (1947), Elaine May (1932) e Woody Allen (1935). Prossegue com o trabalho de orientação vocal em Nostradamus (1999), de Doc Comparato (1949) e De Caso com a Vida (2001), de Paul Rudnick (1957), peça que dirige com novo elenco em São Paulo, em 2002.
É responsável pela direção vocal-interpretativa de Cyrano de Bergerac (2009), de Edmond Rostand (1868-1918), tradução e adaptação de Ferreira Gullar (1930-2016), com encenação de Renato Carrera; de Exercício nº 2 - Formas Breves, adaptação e encenação de vários textos por Bia Lessa (1958).
De acordo com Lídia Becker: "Submetendo as pessoas a tratamentos inusitados e sempre originais, foi construindo essa fama de fazer milagres e criando novas abordagens de aplicação de seu método, instrumento excelente para a preparação da voz no teatro, sobretudo no que se refere à projeção da voz no espaço e à produção do magnetismo da presença cênica. Quem passou por suas mãos torna-se para sempre agradecido e entende que a magia de Glorinha Beuttenmüller está na sua capacidade de observação e generosidade"4.
Glorinha utiliza tratamentos advindos da fonoaudiologia de maneira a ampliar a possibilidade artística de atores e atrizes em suas encenações. Cria um método inovador pelo qual participa da preparação e concepção de importantes espetáculos do teatro brasileiro.
Notas
1. GUBERFAIN, Jane Celeste. Método Espaço-Direcional-Beuttenmüller no trabalho vocal com atores. Tese (Doutorado em Teatro), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio, Rio de Janeiro, 2009. p. 75.
2. MICHALSKI, Yan. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 ago. 1971.
3. PACHECO, Tania. Os Veranistas: a comunhão fundo / forma em belíssimo espetáculo. O Globo, Rio de Janeiro, 14 jul. 1978.
4. BECKER, Lídia. Por uma estética da voz no teatro: harmonização de conteúdo e expressão sob a ótica do Método Espaço-Direcional-Beuttenmüller. 2007. 265 f. Dissertação (Mestrado em Teatro), Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio, Rio de Janeiro, 2007. p. 79.
Espetáculos 5
Fontes de pesquisa 7
- ACERVO de Artes Cênicas. Rio de Janeiro, Cedoc/Funarte.
- BECKER, Lídia. Por uma estética da voz no teatro: harmonização de conteúdo e expressão sob a ótica do Método Espaço-Direcional-Beuttenmüller. 2007. 265f. Dissertação (Mestrado em Teatro) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio, Rio de Janeiro, 2007.
- BEUTTENMÜLLER, Glorinha. O que é ser fonoaudióloga: memórias profissionais de Glorinha Beuttenmüller; em depoimento a Alexandre Raposo. Rio de Janeiro: Record, 2003.
- BEUTTENMÜLLER, Glorinha. Tragédia: o mal de todos os tempos. Rio de Janeiro: Alerj; Instituto Montenegro e Raman, 2009.
- GUBERFAIN, Jane Celeste. Método Espaço-Direcional-Beuttenmüller no trabalho vocal com atores. 2009. Tese (Doutorado em Teatro) - Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - Unirio, Rio de Janeiro, 2009.
- Programa do Espetáculo - Boca Molhada de Paixão Calada - 1984. Não catalogado
- Programa do Espetáculo - Exercício nº 2. Formas Breves - SP 2009. Não Catalogado
Como citar
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GLORINHA Beuttenmüller.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa405030/glorinha-beuttenmuller. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7