Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

Ruth de Souza

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 30.12.2023
12.05.1921 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
28.07.2019 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Registro fotográfico autoria desconhecida/Acervo Ipeafro

Ruth de Souza

Ruth Pinto de Souza (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1921 - idem, 2019). Atriz. Pioneira no teatro, cinema e televisão, é a primeira artista negra a conquistar projeção na dramaturgia brasileira. Em sua longa trajetória, de repercussão internacional, contraria as construções estereotipadas de personagens negros. Com consciência política, cria ge...

Texto

Abrir módulo

Ruth Pinto de Souza (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1921 - idem, 2019). Atriz. Pioneira no teatro, cinema e televisão, é a primeira artista negra a conquistar projeção na dramaturgia brasileira. Em sua longa trajetória, de repercussão internacional, contraria as construções estereotipadas de personagens negros. Com consciência política, cria gestuais e universos próprios para as mulheres que representa.

Nasce na zona norte do Rio de Janeiro, no bairro de Engenho de Dentro, e logo se muda com a família para um sítio em Porto Marinho, interior de Minas Gerais. Aos 9 anos de idade, volta para a capital carioca após a morte do pai. Encanta-se pelo teatro e o cinema quando assiste ao filme Tarzan, o Filho das Selvas (1932). Com ingressos que a mãe, lavadora de roupas, ganha das patroas, vai assistir a espetáculos no Theatro Municipal.1

Enfrenta reações de descrença e chacota à decisão precoce de ser atriz, numa época em que é incomum para artistas negras fixarem uma carreira profissional de atuação, por causa da estrutura social racista.

No começo da década de 1940, Ruth conhece o Teatro Experimental do Negro (TEN), grupo capitaneado pelo escritor e dramaturgo Abdias Nascimento (1914-2011), ao qual se integra em 1945. Estreia nos palcos do Theatro Municipal do Rio de Janeiro aos 24 anos, como ponta na peça O Imperador Jones, do dramaturgo norte-americano Eugene O’Neill (1888-1953). Sua primeira grande atuação acontece em 1947, em O Filho Pródigo, do escritor Lúcio Cardoso (1912-1968).

Nesse início de carreira, tem seu trabalho reconhecido por parte da imprensa. Em 1948, a colunista Maria Nascimento aponta-a como exemplo da “nova mulher negra” no jornal Quilombo: “Além de intérprete dotada de rara sensibilidade e poder expressional, ela é uma personalidade forte e interessante, estudiosa de todos os problemas de arte, inteligência alerta e sequiosa de aprender sempre mais”.2 Com o TEN, Ruth assume papel provocador de um teatro de intervenção e experimentação cênica, voltado à denúncia da exclusão social e da opressão cultural do negro no Brasil.

Em 1949, inicia carreira no cinema em filmes produzidos pelo estúdio carioca Atlântida. Na década seguinte, muda-se por um ano para os EUA, graças a uma bolsa da Fundação Rockefeller.

Estuda e pesquisa artes cênicas na American National Theater and Academy, na Karamu House e na Universidade de Harvard.

É convidada para representar uma mulher escravizada no épico histórico Sinhá Moça, lançado pelo estúdio paulista Vera Cruz em 1953. A obra aborda a luta abolicionista nos últimos anos de escravidão no Brasil. Sabina, personagem de Ruth, organiza uma fuga da fazenda onde é mantida. Numa cena-chave, é agredida pelo capataz no lado de fora da casa grande, enquanto a sinhá toca piano no de dentro. Ao se desvencilhar do opressor, a personagem altera a expressão facial, ergue a cabeça, modula o caminhar e segue até a senzala. O caráter determinado da atriz se traduz na postura de resistência na história.3

Sinhá Moça compete ao Leão de Ouro no Festival de Veneza. Ruth disputa o prêmio de melhor atriz, mas perde para a alemã Lili Palmer (1914-1986). A interpretação de Sabina é saudada por se recusar a compor um retrato tolo da personagem. De acordo com a atriz, “aquela mulher não era assim. Ela tinha um olhar. Ela sabia pensar”.4 Torna-se a primeira artista negra a aparecer na capa da revista Manchete.

Muitas das personagens das peças e filmes nos quais trabalha ao longo das décadas de 1950 e 1960 remetem à resistência do corpo e à vivência negra na sociedade brasileira. Entre elas, a representação da escritora Carolina Maria de Jesus (1914-1977), autora do livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada, publicado em 1960. A obra é adaptada para o teatro no ano seguinte, com texto de Edy Lima, direção de Amir Haddad (1937) e cenário de Cyro Del Nero (1931-2010). Ao lado da própria Carolina e do jornalista Audálio Dantas (1929-2018), visita a Favela do Canindé, onde a escritora morou, para compor as experiências narradas no livro.

Em 1983, volta a interpretar Carolina Maria de Jesus na minissérie Caso Verdade: Quarto de Despejo, na Globo. Esta recriação, é elogiada pelo jornalista Artur da Távola (1936-2008) em O Globo por “traduzir a solidão, a tristeza e a certeza do abandono daquela mulher” e encontrar “uma forma de olhar desconfiada e temerosa, tão comum entre pessoas machucadas pela vida”.5

A carreira na televisão se inicia com teleteatros nas TVs Tupi e Record nos anos 1950. Em julho de 1969, contratada pela Rede Globo, torna-se a primeira protagonista negra de um folhetim televisivo brasileiro, A Cabana do Pai Tomás. A personagem Cloé, casada com o personagem-título [Sérgio Cardoso (1925-1973)], é outra mulher escravizada e resistente às opressões de um grupo de fazendeiros. Apesar do papel central, o nome de Ruth não encabeça os créditos na abertura, o que ela considera comprovação do preconceito sobre artistas negros.

Em março de 2019, aos 97 anos, é homenageada no Carnaval carioca pela escola de samba Acadêmicos de Santa Cruz, com o samba-enredo “Ruth de Souza – Senhora Liberdade, abre as asas sobre nós”, que a celebra em versos como “talento é dom pra vencer/ preconceito não pôde calar”.

Ruth de Souza contribui com a reconfiguração do imaginário cultural brasileiro em relação à população negra. Por estrear nos palcos menos de seis décadas após a abolição da escravatura, supera preconceitos e torna-se figura importante na cultura popular, na representação e representatividade da mulher negra na dramaturgia do país.

Notas

1. JESUS, Maria Angela de. Ruth de Souza: estrela negra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007. (Aplauso).

2. Quilombo, dezembro de 1948, p. 6, cf. CUNHA, Vanessa Lima. Quilombo: a voz do Teatro Experimental do Negro (Rio de Janeiro, 1940/1950). Cadernos de Clio, Curitiba, n. 3, p. 283-300, 2012. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/clio/article/view/40401/24646. Acesso em: 14 maio 2019.

3. GONÇALVES, Maurício. In. COUTINHO, Angélica; GOMES, Breno Lira (Orgs.). Pérola Negra: Ruth de Souza. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), 2016.

4. JESUS, Maria Angela de. Ruth de Souza: estrela Negra. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007. (Aplauso).

5. TÁVOLA, Artur da. Ruth de Souza, genial. O Globo, Rio de Janeiro, 13 mar 1983. Revista da Tevê.

Obras 1

Abrir módulo

Espetáculos 22

Abrir módulo

Fontes de pesquisa 18

Abrir módulo

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: