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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Carolina Maria de Jesus

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 06.08.2024
14.03.1914 Brasil / Minas Gerais / Sacramento
13.02.1977 Brasil / São Paulo / São Paulo
Carolina Maria de Jesus (Sacramento, Minas Gerais, ca.1914 - São Paulo, São Paulo, 1977). Autora de diários, romancista e poeta. Moradora da favela do Canindé, em São Paulo, retrata a região marginalizada com depoimentos que mesclam o cotidiano dos moradores aos próprios sentimentos em relação à desigualdade a que é exposta.

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Carolina Maria de Jesus (Sacramento, Minas Gerais, ca.1914 - São Paulo, São Paulo, 1977). Autora de diários, romancista e poeta. Moradora da favela do Canindé, em São Paulo, retrata a região marginalizada com depoimentos que mesclam o cotidiano dos moradores aos próprios sentimentos em relação à desigualdade a que é exposta.

Sua escolaridade se resume aos dois anos em que frequenta o Colégio Allan Kardec, provavelmente em 1923 e 1924. Neste ano, muda-se com os familiares para uma fazenda em Lageado, Minas Gerais, onde trabalham como lavradores. Retorna a Sacramento em 1927, e as dificuldades econômicas a levam a migrar para Franca, São Paulo, em 1930, onde trabalha na fazenda Santa Cruz e, depois, como ajudante na Santa Casa de Franca, auxiliar de cozinha e doméstica.

Em 1937, muda-se para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Em 1948, passa a residir na favela Canindé, sobrevivendo como catadora de papel e ferro velho. Em 1958, o jornalista Audálio Dantas (1929-2018) conhece Carolina e interessa-se por seus 35 cadernos de anotações em forma de diário. Publica um artigo sobre ela com trechos dos diários no jornal Folha da Noite1. No ano seguinte, volta a divulgar os trechos na revista O Cruzeiro, e empenha-se na publicação de Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada (1960). O livro, com passagens dos diários de 1955 até 1960, é sucesso editorial2

Na obra, a mulher negra e favelada, com pouca escolaridade, registra seu cotidiano de pobreza e a humilhação a que estão sujeitos os habitantes da favela. As anotações de Quarto de Despejo, embora com descontinuidades cronológicas, apresentam narrativa coesa: cada dia é igual a todos os outros, e a vida é conduzida pela fome e pela luta contra ela. Constata-se que o trabalho precário pereniza a pobreza.

Nos apontamentos diários, oscila entre desânimo e alegria, norteados pela carência de condições materiais para manter a dignidade dela e dos filhos. Carolina Maria de Jesus busca se diferenciar dos outros moradores da favela e deixa documentada a perda da honra daqueles que, excluídos, estão no "quarto de despejo" da cidade. Escrever sobre a favela é uma forma de tentar dar sentido à própria vida e de revelar a miserabilidade originada na modernização dos anos 1950.

O relato é direto e cru, sem temer os temas-tabus, como incestos e relações promíscuas, e o horror que a fome produz. Os recursos da repetição e das frases feitas indicam, no plano do sentido, a imobilidade do mundo social representado. A cada entrada no diário, a autora anota o horário em que acorda, os gastos para se alimentar e vestir os filhos, e o que pode, ou não, acumular em dinheiro. Este, com valor concreto e imediato, quase como um objeto. O lirismo aparece em anotações sobre a natureza, em contraponto à miserabilidade que a atinge.

Fugindo dos cânones do que se considera "literatura" em meios acadêmicos, Quarto de Despejo ultrapassa o simples depoimento. Trata-se de uma obra em que, apesar das condições materiais e culturais da autora, constrói-se como representação da dinâmica social urbana, vista pelo ângulo dos que estão à margem da sociedade. Carolina Maria de Jesus escreve para denunciar a favela e sair dela, e também para, diferenciando-se dos outros moradores, lutar contra o rebaixamento a que estão sujeitos os miseráveis, num momento em que se anuncia um salto modernizador de São Paulo e do Brasil.

Após o sucesso de Quarto de Despejo, em 1961 Carolina muda-se para uma casa que consegue comprar no bairro de Santana e mantém o diário com registros do que lhe acontece ali, editados em Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada (1961). 

Nesta obra, notam-se as contradições da autora quanto ao que deseja para si e a família. Ficam patentes as hesitações sobre os anseios pelo reconhecimento público ou sobre o repúdio pelos mecanismos que dificultam a trajetória como escritora. Essa conjunção ajuda a entender as razões pelas quais a obra é considerada pouco significativa e voltada para o trajeto instável de um indivíduo. Confinada à forma do diário, a autora repete uma fórmula cujo efeito não tem a força reveladora de Quarto de Despejo. A figura da ex-favelada e sua obra são consideradas apenas quando revelam a face negativa do desenvolvimentismo. As oscilações ideológicas da mulher que, famosa, busca a atenção da imprensa e do público não trazem elementos significativos à época.

Em 1963, publica Pedaços da Fome, seu único romance, de pouca repercussão. Em 1969, muda-se para um sítio no bairro de Parelheiros, São Paulo, onde é praticamente esquecida pelo mercado editorial, apesar de tentativas de voltar à cena literária. 

Após sua morte, são editadas obras escritas entre 1963 a 1977, das quais a mais significativa é Diário de Bitita. A obra resgata a força literária da produção de Carolina Maria de Jesus. Traz memórias da infância e adolescência em Sacramento e nas fazendas onde trabalha, e de seus tempos em Franca. A injustiça social, a opressão, o preconceito contra os negros, os abusos dos poderosos são apresentados sob a perspectiva de quem os vive.

Em 2021, a autora é homenageada com o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como forma de reconhecer sua importância e inspiração para outras escritoras, como Conceição Evaristo (1946).

Apesar de suas condições materiais, Carolina Maria de Jesus luta para conquistar dignidade e para se constituir como resistência contra a exploração e a desumanização. Sua obra testemunha a luta e opressão a que estão confinados os pobres no Brasil da primeira metade do século XX.

 

Notas:

1. Audálio Dantas desiste da reportagem inicial e passa a escrever sobre Carolina Maria de Jesus e seus diários. No artigo, o repórter anuncia que pretende, junto com um grupo de editores, custear a publicação do livro. Artigo publicado na Folha da Noite, São Paulo, em 9 de maio de 1958, p. 09.

2. A escritora já havia levado seus diários a editoras, que os recusaram, segundo relato presente em: JESUS, Maria Carolina de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada.10 ed. São Paulo: Ática, 2014. 

Obras 7

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Espetáculos 1

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Exposições 7

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Fontes de pesquisa 16

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  • ARANHA, Simone da Silva. Sobre Carolina Maria de Jesus, o Quarto de Despejo e a Casa de Alvenaria. Cadernos do IFCH, n. 31. IFCH, Unicamp, 2004.
  • CASTRO, Eliana de Moura; MACHADO, Marília Novais da Mata. Muito bem, Carolina! Biografia de Carolina Maria de Jesus. Belo Horizonte: C/ Arte, 2007.
  • DANTAS, Audálio. Nossa Irmã Carolina. Apresentação à primeira edição. In: JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo. Diário de uma Favelada.
  • FRASSON. Ivana Bocate. Na cozinha, o duro pão; no quarto, a dura cama: um percurso pelos espaços na obra de Carolina Maria de Jesus. Dissertação (Mestrado em Letras). 2016. Universidade Estadual de Londrina. Londrina, 2016.
  • JESUS, Maria Carolina de. Quarto de despejo: Diário de uma favelada.10ed. São Paulo: Ática, 2014.
  • LAJOLO, Marisa. Poesia no quarto de despejo ou um ramo de rosas para Carolina. In: MEIHY, José Carlos Sebe Bom (Org.). Antologia pessoal. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1996. p. 1-14.
  • LEVINE, Robert; MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Cinderela Negra: A saga de Carolina Maria de Jesus. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994.
  • MACHADO, Marília Novaes da Mata. Os escritos de Carolina Maria de Jesus: determinações e imaginário. Revista Psicologia Social, Vol. 18, n. 2, Porto Alegre, mai-ago/2006.
  • MAGNABOSCO, Maria M. As vozes marginais de Rigoberta Menchù e Carolina Maria de Jesus. Revista Destaque, 1999.
  • MANFRINI, Bianca Ribeiro. A mulher e a cidade: imagens da modernidade brasileira em quatro escritoras paulistas. 2008. Dissertação (Mestrado em Literatura Brasileira). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Carolina Maria de Jesus: emblema do silêncio. Revista USP, São Paulo, n. 37, maio 1998.
  • MEIHY, José Carlos Sebe Bom. Os Fios dos Desafios: O Retrato de Carolina Maria de Jesus no tempo presente. In: SILVIA, Vagner Gonçalves da (Org.). Artes do corpo - Memória afro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2004.
  • PERPÉTUA, E. D. Traços de Carolina Maria de Jesus: gênese, tradução e recepção de Quarto de Despejo. 2000. Tese (Doutorado em Literatura Comparada). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2000.
  • SOUSA, Germana Henriques Pereira de. De Bitita a Carolina: O destino e a surpresa. Quadrant (Montpellier), v. 24. 2007. p. 299-313.
  • VIANA, Maria José Motta. Do sótão à vitrine: memórias de mulheres. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995.
  • VOGT, Carlos. Trabalho, pobreza e trabalho intelectual. Carolina Maria de Jesus. In: SCHWARZ, Roberto (Org.). Os Pobres na Literatura Brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983.

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