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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Sinhá Moça

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 30.10.2017
1953
Sinhá Moça é a terceira realização de Tom Payne (1914-1996) como diretor e o 11° filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Payne é um dos primeiros estrangeiros contratados por Alberto Cavalcanti (1897-1982), produtor-geral no início das atividades da empresa paulista. O filme baseia-se no romance homônimo de 1950, escrito por Maria Dezonne ...

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Análise

Sinhá Moça é a terceira realização de Tom Payne (1914-1996) como diretor e o 11° filme da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Payne é um dos primeiros estrangeiros contratados por Alberto Cavalcanti (1897-1982), produtor-geral no início das atividades da empresa paulista. O filme baseia-se no romance homônimo de 1950, escrito por Maria Dezonne Pacheco Fernandes (1910-1998), roteirizado pela própria autora e Payne.

A história é ambientada no período que precede a abolição da escravatura no Brasil, em 1888. Sinhá Moça, interpretada por Eliana Lage (1928), é filha de um grande proprietário de terras e escravos. Ela regressa à fazenda paterna depois de um período de estudos na cidade de São Paulo. Influenciada pelos ideais antiescravagistas, entra em conflito com o pai. A luta de Sinhá Moça pela causa é apoiada por outros membros da comunidade local, como frei José [Eugênio Kusnet (1898-1975)] e o advogado Rodolfo [Anselmo Duarte (1920-2009)]. Entre os abolicionistas da região, o posicionamento da jovem é visto como estratégia política para impedir que o conflito entre escravos e senhores se agrave, evitando confronto direto que os levaria a uma guerra civil. Por isso, agem como uma sociedade secreta, que procura ganhar tempo a fim de que venha do Império a lei que termine com esse sistema. Assim, Rodolfo assume um duplo papel: em público, adota discurso favorável à escravidão; à noite, disfarçado, auxilia os cativos a fugirem da senzala. O embate também ocorre nas relações pessoais, pois Rodolfo se apaixona por Sinhá Moça. Em virtude da posição assumida diante da sociedade, não pode transmitir à amada seus sentimentos sobre a escravidão, o que aumenta a tensão entre os dois. O desfecho ocorre no julgamento de um escravo recapturado. Rodolfo é o advogado, mostrando ao povo sua verdadeira face em defesa calorosa da abolição. Tal desfecho permite que o amor de Rodolfo e Sinhá Moça se concretize. As imagens finais são as da festa popular que toma conta do povoado e as do casal enamorado.

Na sequência que trata do castigo imposto a Fulgêncio, escravo que se rebela, a cena abre-se com o primeiro plano de um negro liberto muito velho que, sentado à beira de uma praça, vende doces. A referência aqui é à lei dos Sexagenários (1865), que alforria os escravos com mais de 60 anos, deixando-os à própria sorte. A câmera desloca-se vagarosamente até fechar no símbolo da tortura: o pelourinho. Em montagem paralela, acompanhamos uma missa dirigida por frei José e assistida por Sinhá Moça, dentre outros personagens. Ao fundo, nas últimas fileiras, os escravos, com destaque para Sabina [Ruth de Souza (1930)], mulher de Fulgêncio. Enquanto o marido de Sabina recebe as chibatadas, frei José prossegue com a missa em latim. Depois que Sabina se lança aos pés do frei, ele convida os fiéis a pedir perdão a Deus pelo pecado cometido. O som das chibatadas preenche os espaços mostrados pela câmera: o oficial de justiça que, em seu gabinete mexe em papéis e o guarda que lustra seus sapatos; frei José e Sinhá Moça, exasperados com a situação e desespero de Sabina. Morto, o corpo de Fulgêncio é retirado do tronco. Em plano geral, a praça é mostrada. Um movimento de câmera foca o idoso apresentado no início. O primeiro e o último planos desta sequência caracterizam-se, por correspondência, à história representada. As cenas mostram as forças mobilizadas a fim de que a brutal situação mude.

Há no filme referências ao cinema americano clássico, ligação coerente com o projeto estético da Vera Cruz. O tratamento plástico e a composição de Sinhá Moça, por exemplo, remetem a E o Vento Levou (1939), de Victor Fleming (1883-1949). Rodolfo disfarçado evoca o personagem de Zorro, tornado célebre com A Marca de Zorro (1940), de Rouben Mamoulian (1897-1987).

Sinhá Moça é um dos filmes de maior êxito da companhia. Alguns de seus aspectos são  bem recebidos pela crítica da época, que elogia a atuação dos atores negros e o tratamento dado ao tema histórico. Luiz Carlos Bresser Pereira (1934), em O Tempo, considera-o a melhor realização da Vera Cruz por apresentar uma história dramática com solidez, embora acredite que o Brasil ainda não tenha atingido o cinema artístico. Na revista Anhembi, a crítica ressalta o “assombroso” progresso técnico que salta aos olhos e as virtudes técnicas e artísticas. Contudo, condena os lugares comuns do roteiro. As ressalvas variam conforme o crítico. Por vezes, o alvo é a direção de Payne. Em outros casos, a qualidade do livro adaptado.

Entre os autores contrários à obra, destacamos Pedro Lima (1902-1987), que considera o roteiro inconsistente e arrastado, além de criticar o final da trama, que lembra a apoteose dos filmes americanos. Já para os críticos favoráveis ao longa, como Salvyano Cavalcanti de Paiva (1923-2011) e Flávio Tambellini (1925-1976), Sinhá “merece ser visto” porque as virtudes são maiores que os defeitos, tônica comum nas críticas dos defensores do cinema brasileiro. Tambellini ressalta o desequilíbrio entre fio condutor, cenário, realização e diálogos, mas frisa as “estupendas sequências dramáticas de calor humano”. Acredita que para o país ter um bom cinema é preciso mostrar o heroísmo de homens como Fulgêncio, sem a preocupação de um final feliz. No mesmo ano, George Sadoul (1904-1967) lembra que apesar do caráter melodramático, o filme de Payne mostra algo que Hollywood de E o Vento Levou não retrata: os negros acorrentados e chicoteados até a morte. Em 1954, o filme ganha dois prêmios internacionais, o Leão de Bronze no Festival de Veneza e o Urso de Prata no de Berlim.

Fontes de pesquisa 9

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  • ANHEMBI. Sinhá Moça. Anhembi, São Paulo, jul. 1953.
  • GALVÃO, Maria Rita. Companhia Cinematográfica Vera Cruz: a fábrica de sonhos: um estudo sobre a produção cinematográfica industrial paulista. Tese (doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de Sâo Paulo, São Paulo, 1975. p. 771.
  • LIMA, Pedro. Sinhá Moça. O Jornal, Rio de Janeiro, 11 jun. 1953.
  • PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Sinhá Moça. Manchete, Rio de Janeiro, 4 jul. 1953.
  • PEREIRA, Luiz Carlos. Equilíbrio de Sinhá Moça. O Tempo, Belo Horizonte, 19 mai. 1953.
  • PEREIRA, Luiz Carlos. Situando Sinhá Moça. O Tempo, Belo Horizonte, 18 mai. 1953.
  • RODRIGUES, João Carlos. O negro brasileiro e o cinema. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.
  • SADOUL, George. Neorrealismo no Festival de Veneza. In: SADOUL, George. Lettres Françaises (artigo arquivado como Sinhá Moça vista por George Sadoul na pasta de recortes de jornais de época sobre Sinhá Moça da Cinemateca Brasileira).
  • TAMBELLINI, Flavio. Sinhá Moça. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 25 jan. 1953.

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