Mário Peixoto
Texto
Mário Breves Peixoto (Bruxelas, Bélgica, 1908 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992). Escritor, diretor e roteirista de cinema. Oriundo de família rica e tradicional, passa a infância no Rio de Janeiro e na fazenda Santa Cecília, em Volta Redonda. Entre 1917 e 1926, estuda no Colégio Santo Antônio Maria Zaccaria. Em 1927, cursa a Hopedene School, na Inglaterra. No mesmo ano, retorna à capital carioca. Tenta a carreira de ator, com Brutus Pedreira (1898-1964), do Teatro de Brinquedo, e os irmãos Raul e Eva Schnoor (1900-1992). Ela apresenta Mário a figuras ligadas à revista Cinearte, como Adhemar Gonzaga (1901-1978), Pedro Lima, Humberto Mauro (1897-1983), e à produtora Cinédia. Descobre afinidades estéticas com Plínio Sussekind Rocha e Octavio de Faria (1908-1980), membros do Chaplin Club, fundado em 1928. O apoio técnico e intelectual desses grupos fundamenta a realização do único filme Limite do cineasta. A filmagem é iniciada em outubro de 1929, e a película, apresentada em duas sessões: uma no cineclube, em 1931, e outra, no ano seguinte, para a alta sociedade carioca. Nenhum exibidor interessa-se pelo filme.
Em 1931, começa a filmar Onde a Terra Acaba, mas desavenças com a atriz Carmen Santos (1904-1952) interrompem o projeto. Em 1936, planeja Maré Baixa, com produção de Pedro Lima. Em 1938, desenvolve Três Contra o Mundo, com Adhemar Gonzaga. Em 1939, escreve outro roteiro para Carmen Santos, Tiradentes, mas o filme não é concluído. Em 1946, tenta realizar, sem sucesso, a produção de Onde a Terra Acaba e Uma Janela aberta... e as estrelas, adaptação do livro ABC de Castro Alves, de Jorge Amado (1912-2001). Em 1947, fracassa a produção de outra versão de Maré Baixa.
Em 1950, oferece A Alma, Segundo Salustre, reformulação do roteiro Sargaço, de 1936, para Alberto Cavalcanti (1897-1982), responsável artístico da Companhia Cinematográfica Vera Cruz, em São Paulo. Tentativas posteriores de realizar o filme, em 1965 e na década de 1980, não se concretizam, e o texto é publicado em 1983, em forma de roteiro romanceado.
Com exceção de Limite, restaurado em 1971 e descoberto pelo público cinéfilo, inúmeros outros roteiros do diretor não são filmados: Onze Almas (1947), A Cidade na Lama ou Cidade da Lama (1948), Outono/O Jardim Petrificado (1964) e Um Pássaro Triste (1983).
Mário Peixoto dedica-se também à produção literária. Em 1931, escreve uma peça de teatro e publica o livro de poemas Mundéu. Em 1984, reedita O Inútil de Cada Um, romance de 1933, ao qual são acrescentados mais cinco volumes. Poemas de Permeio com o Mar (2002) e Seis Contos e Duas Peças Curtas (2004) são obras póstumas.
Dilapidada a herança familiar, morre aos 84 anos, amparado financeiramente pelo diretor Walter Salles (1956), que respalda a criação do Arquivo Mário Peixoto. Três documentários dedicam-se à vida e à obra do diretor: O Homem e o Limite (1975), O Homem do Morcego (1980) e Onde a Terra Acaba (2001).
À semelhança de Limite, único filme finalizado, a figura Mário Peixoto, por cinquenta anos, permanece envolta em aura de mistério, não totalmente desprovida de premeditação. Embora procure inserir-se, até o início da década de 1950, no sistema produtivo do cinema nacional, o diretor caminha à margem dessa indústria. Isso se deve a dois motivos: a incapacidade de o mercado absorver uma expressão artística que não faz concessões e ao isolamento do cineasta no sítio do Morcego, em Mangaratiba, próximo a Angra dos Reis, entre 1936 e 1975, onde cogita criar um museu dedicado ao homem fluminense.
As duas únicas sessões de Limite nos anos de 1930, a exibição especial para o estadunidense Orson Welles (1915-1985), em 1942, e outra no 1o Festival Internacional de Cinema do Brasil, em São Paulo, em 1954, alimentam o culto em torno do filme. As projeções privadas na Faculdade Nacional de Filosofia, promovidas por Plínio Sussekind Rocha entre os anos de 1940 e 1950, e o empenho de Saulo Pereira de Mello para conservação da única cópia remanescente da película preservam a obra até o fim da década de 1970, quando é restaurada e retorna para o devido reconhecimento histórico.
O cineasta Glauber Rocha (1939-1981), ao escrever a revisão crítica do cinema brasileiro, confessa jamais ter assistido Limite, mas dedica a ele e a Mário Peixoto um capítulo inteiro. No texto, o diretor do cinema novo traça o perfil de Mário – um intelectual burguês decadente – e determina que o filme não representa a tradição que o cinema autenticamente nacional deve escolher como modelo: “Não vi Limite, mas posso adiantar que Mário Peixoto está para o cinema como Lúcio Cardoso (1912-1968) e Octavio de Faria para nossa literatura: é o que se chama um intimista, um místico talvez, um homem voltado para o seu mundo interior, inteiramente afastado da realidade e da história”.
Encontra-se aqui, em um primeiro nível, um Mário Peixoto de personalidade fina e de educação esmerada, rotulado como um aristocrata perfeccionista e obsessivo, que se deixa permear por uma romântica visão de mundo de artista europeu do século XIX. Nesse sentido, Limite não deixa de ser o extravasamento cinematográfico de um “eu lírico”, que, por meio de imagens simbólicas, influenciadas pelas vanguardas francesa, soviética e alemã, exprime a solidão e o estado finito do homem, o constante desejo de fuga da realidade e o encontro com a natureza, esta sim, de ordem eterna em sua contínua transformação.
Mas se pode dizer que o cineasta procura, com Limite, uma resposta à sedução pela qual é tomado ao entrar em contato com a exuberante paisagem brasileira e seus tipos humanos, que reencontra em Mangaratiba. Talvez seja esta a forma descoberta para adequar-se a uma terra que, pela condição social, pela formação cultural e pelo estado de espírito do artista, parece-lhe estranha e inatingível.
O inconcluso Onde a Terra Acaba parece explicitar o que Limite intui: o choque entre uma “mulher da cidade” e um “bom selvagem”, civilização versus natureza, no qual a recíproca curiosidade e o acordo de aprendizagem mútua encontram o limite no medo da autodestruição.
No nunca filmado A Alma, segundo Salustre, o “eu lírico” do cineasta-poeta, ao deparar com a natureza bruta, sedutora e perene, dilui-se no absoluto que nela existe, para tentar sobreviver ao efeito impiedoso do tempo. Uma “desesperada tentativa de fazer a poesia virar vida”, como afirma Arnaldo Jabor (1940) no prefácio do roteiro publicado. Ou, conforme as palavras de André Soares Vieira, para “a criação de uma nova realidade que somente se torna possível e vivenciável através das inúmeras e às vezes inexploradas possibilidades da linguagem poética”.
Embora esses outros projetos cinematográficos não se realizem, a convicção expressiva de Mário Peixoto prolonga-se para fora do cinema, em peças de caráter literário. Glauber Rocha apresenta o cineasta na mesma sintonia espiritual de Lúcio Cardoso e Octavio de Faria, aos quais se pode acrescentar Jorge de Lima (1893-1953), Augusto Frederico Schmidt (1906-1965) e Murilo Mendes (1901-1975), ícones da literatura antagônica ao regionalismo nacionalista que se desenha a partir dos anos de 1930.
O Inútil de Cada Um, editado em 1934 e reelaborado posteriormente para seis volumes, é um caudaloso romance autobiográfico, no qual dois narradores em tempos diferentes rememoram histórias que se cruzam. Um deles descreve a vida patriarcal nas fazendas de café e a vida social carioca dos anos 1930 e 1940; o outro, navegador solitário, testemunha os encontros com o primeiro e as impressões que compõem um sensível retrato da decadência de uma família burguesa.
Também ecoam nos contos e peças de Mário Peixoto os temas de Limite: a solidão humana, o mal-estar no mundo, o embate entre pensamento e ação, que produz aguda percepção das facetas contraditórias do homem. Mundéu, primeiro livro de poemas, evoca as velhas fazendas e suas tradições, a natureza e a cultura, numa poesia de água, barro, terra, suor e batuque de negros1. Segundo o poeta Francisco Alvim (1938), na introdução do livro Poemas de Permeio com o Mar, os versos de Mário Peixoto, escritos entre 1930 e 1987, possuem uma contínua “pulsão criadora que retira da natureza os elementos de imagem e ritmo constitutivos de sua linguagem”.
No conjunto da obra, conhecida plenamente a partir dos anos de 1980, Mário Peixoto move-se com liberdade entre cinema e literatura, não como cineasta que se torna poeta por frustração, mas um poeta que procura, no cinema, formas complementares de expansão artística.
Notas:
1. Conforme exprime na época Manuel Bandeira, citado por Castro, Emil de, Jogos de armar, p. 116.
Obras 1
Exposições 4
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26/10/2001 - 14/1/2000
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30/11/2003 - 2/3/2002
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25/10/2004 - 18/1/2003
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6/3/2012 - 29/4/2012
Fontes de pesquisa 9
- AVELLAR, José Carlos. Limite/Limit. In: ELENA, Alberto; DIÁZ LÓPEZ, Marina. The cinema of Latin America. London; New York: Wallflower, 2006. p. 15-23.
- CINECLUBE, Rio de Janeiro, v.1, n.1, primavera 1960, p. 3-18. [Textos de Vinicius de Moraes e Octavio de Faria, Paulo Emilio Salles Gomes entrevista Plínio Sussekind Rocha].
- DIEGUES, Carlos. Cinema brasileiro: idéias e imagens. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 1988. p. 88-92.
- KORFMANN, Michael (Ed.). Ten contemporary views on Mário Peixoto’s Limite. Münster: MV Wissenschaft, 2006.
- PEIXOTO, Mário. Mário Peixoto: escritos sobre cinema. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
- PEIXOTO, Mário. O Inútil de cada um : Itamar. Rio de Janeiro: Record, 1984.
- PEIXOTO, Mário. Seis contos e duas peças curtas. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004.
- PEIXOTO, Mário; MELLO, Saulo Pereira de. Outono/O jardim petrificado. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.
- ROCHA, Glauber. Limite. Folha de S.Paulo, 3 jun. 1978. Ilustrada, p. 30.
Como citar
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MÁRIO Peixoto.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa274150/mario-peixoto. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7