Juçara Marçal
Texto
Juçara Marçal Nunes (Duque de Caxias, Rio de Janeiro, 1962). Cantora, pesquisadora musical, compositora e professora. Aos 10 anos, muda-se com a família para São Paulo. Estuda jornalismo e letras na Universidade de São Paulo (USP) antes de se dedicar à música. Depois de cantar em diversos corais amadores, como o Coralusp Meio Dia, Coral da Faap e Som a Pino, integra, profissionalmente, o coro cênico da Companhia Coral, dirigido por Samuel Kerr(1935) e Willian Pereira (1962). Em 1991, ingressa no quinteto vocal feminino Vésper, voltado para a interpretação de música brasileira a capela. Ao longo de mais de 20 anos, o grupo grava discos como: Flor d’Elis (1998), com o repertório de Elis Regina (1945-1982), 180 Anos de Samba – Cantando Adoniran e Noel (2002) e Ser tão Paulista (2004).
Em 1998, integra o grupo A Barca, que pesquisa a cultura popular brasileira com base nas ideias de Mário de Andrade (1893-1945), produzindo os discos Turista Aprendiz (2000) e Baião de Princesas (2002). Entre 2004 e 2005, o grupo viaja por nove estados brasileiros, com estudos reunidos nas coletâneas audiovisuais Trilha, Toada e Trupe (2006) e Coleção Turista Aprendiz (2007).
Nos anos 2000, explora a cultura afro-brasileira com o compositor e guitarrista Kiko Dinucci (1977). Juntos, gravam o disco Padê (2007) e, aliados ao saxofonista Thiago França (1980), formam o Metá Metá.1 Com o trio, realiza turnês na Europa e grava Metá Metá (2011), Metal Metal (2012) e MM3 (2016).
Em 2014, lança o primeiro disco solo, Encarnado, disponibilizado para download gratuito na internet. Eleito um dos 10 melhores discos de 2014 pelo jornal O Globo, o álbum vence o Prêmio Multishow na categoria Música Compartilhada.
Em 2015, grava com Cadu Tenório o álbum Anganga, baseado nos vissungos2 recolhidos nos anos 1920 pelo filólogo e pesquisador Aires da Mata Machado Filho (1909-1985) em São João da Chapada. Trata-se de uma comunidade afrodescendente localizada em Diamantina, Minas Gerais. O disco, cujo título remete à entidade suprema do povo banto (“Anganga Nzambi”), traz também congados mineiros e composições inéditas de Tenório.
Marçal participa de coletâneas como Afrobrasilidades 78RPM e Capiba – Elas e Outras Canções e álbuns de outros músicos. Entre eles, Sem Destino (2010) com Luiz Tatit (1951), Bahia Fantástica (2012) com Rodrigo Campos (1977), Eslavosamba (2013) com Cacá Machado (1972), O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013) com Emicida (1986) e Convoque seu Buda (2014) com Criolo (1975).
Além de cantora, Juçara Marçal é mestre em Letras pela Universidade de São Paulo, com pesquisa sobre as memórias de Pedro Nava, tendo atuado como professora universitária de português e canto até 2015.
Análise
Juçara Marçal faz parte de um grupo de músicos paulistanos que, desde os anos 2000, vem atualizando a cena musical independente, iniciada com a chamada Vanguarda Paulista nos anos 1980. Dele fazem parte nomes como Kiko Dinucci (o parceiro mais constante da cantora), Rodrigo Campos, Romulo Fróes (1971), Tulipa Ruiz (1978), Cacá Machado e Marcelo Jeneci (1982), que trabalham de forma colaborativa. Divulgam suas obras por meio da internet, sem apoio da imprensa ou das majors, não ligam para a celebridade nem se preocupam em criar hits ou canções facilmente memorizáveis. Produzem shows e álbuns de cunho autoral.
A despreocupação com o mercado já aparece nos primeiros trabalhos de Juçara Marçal, com o Vésper, que resgata clássicos da MPB com arranjos pouco usuais, e com A Barca, voltada para a pesquisa da música tradicional. Com Kiko Dinucci a cantora explora de modo mais intenso a música “não convencional”, unindo a ancestralidade das batidas de candomblé à sofisticação de arranjos que integram voz, violão e percussão.
Com o Metá Metá, canta de forma mais agressiva, sobretudo no segundo álbum, Metal Metal, em que o grupo explora sonoridades da música africana, do free jazz, punk rock e da música experimental. Já em MM3, o grupo flerta com a música do Marrocos, Etiópia, Níger e Mali, explorando a improvisação e buscando o transe característico da música de raízes africanas.
O experimentalismo do trio influencia a produção de Encarnado, o mais visceral dos discos de Juçara. Contando apenas com voz e cordas, sem baixo nem percussão, todas as faixas do álbum permanecem no registro médio/agudo, o que cria uma atmosfera agressiva, reforçada por arranjos repletos de ruídos e experimentações sonoras. Canções como “Velho Amarelo”, de Rodrigo Campos, “Ciranda do Aborto”, de Kiko Dinucci, e “A Velha da Capa Preta”, de Siba (1969), trazem à tona diversas facetas da morte. O “encarnado” do título remete à corporificação da alma, a visceralidade do corpo e efemeridade da vida.
Buscando “arrancar a beleza da sujeira”, como define seu trabalho de intérprete, Juçara Marçal não restringe o canto à perfeição melódica ou ao rigor técnico. Expressa os conteúdos poéticos das letras, atentando para cada palavra e sua relação com a melodia, numa clara influência dos músicos paulistas, especialmente Itamar Assumpção (1949-2003) e Luiz Tatit. Às vezes, beira o canto falado, como se ouve em “A Velha da Capa Preta”. É uma das intérpretes mais expressivas da cena musical brasileira contemporânea.
Notas
1. Termo iorubá que remete a três elementos sintetizados em um.
2. Cantos de trabalho em dialeto banto.
Espetáculos 4
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20/4/2002 - 6/2002
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8/2/2019 - 17/2/2019
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Exposições 1
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24/2/2021 - 18/7/2021
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 5
- COMPANHIA TEATRAL AS GRAÇAS. Site oficial do grupo. Disponivel em: http://www.asgracas.com.br/. Acessado em: 19 maio 2011. Espetáculo: Tem Mas Acabou .
- JUÇARA MARÇAL. Site oficial da artista. Disponível em: www.jucaramarcal.com. Acesso em: 5 jul. 2016.
- LUZ, Silvio. Entrevista – Juçara Marçal. MARÇAL, Juçara. Entrete[discer]nimento, São Paulo, 25 set. 2009. Disponível em: http://entretediscernimento.blogspot.com.br/2009/09/entrevista-jucara-marcal.html. Acesso em: 5 jul. 2016.
- Programa da Jornada Sesc de Teatro - o teatro musical - 1994 - espetáculo: Hagoromo - o manto de Plumas.
- SINEWAVE. Juçara Marçal & Cadu Tenório – Anganga (2015). Sinewave, 6. out. 2015. Disponível em: http://sinewave.com.br/en/2015/10/jucara-marcal-cadu-tenorio-anganga-2015. Acesso em: 5 jul. 2016.
Como citar
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JUÇARA Marçal.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa211628/jucara-marcal. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7