Luiz Paulo Vasconcellos
Texto
Biografia
Luiz Paulo da Silva Vasconcellos (Rio de Janeiro RJ 1941). Diretor, ator, professor, ensaísta e crítico. Destaca-se no meio teatral como diretor de espetáculos universitários, com relevante experiência nas áreas de cenografia, figurino, iluminação e dramaturgia. Desempenha papel fundamental para distintas gerações de artistas, graças ao vínculo com a docência superior em artes cênicas e à articulação entre teoria e prática do teatro.
Estreia como ator, no Rio de Janeiro, em montagem amadora de Pic-Nic no Front, de Fernando Arrabal, com direção de Luiz Fernando de Sá Leal, em dezembro de 1959. Na primeira metade da década de 1960, atua no grupo Teatro da BIBSA, nos espetáculos Quatro Séculos de Maus Costumes, com direção de Paulo Afonso Grisolli, e As Famosas Asturianas, dirigido por Yan Michalski.
No Conservatório Nacional de Teatro, é aluno de Barbara Heliodora, Gianni Ratto, Gustavo Dória e Henrique Oscar. Como trabalho final do curso de direção teatral, encena Mãe Coragem, de Bertolt Brecht, em 1969, espetáculo que escapa da censura imposta pelo governo militar ao teatro profissional e alcança grande receptividade no âmbito universitário. No mesmo ano é convidado a dirigir a montagem de inauguração do teatro do Centro de Arte Dramática - CAD, ligado à Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul - URGS, em Porto Alegre. A escolha do texto recai sobre A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht, em vista do grande interesse de Luiz Paulo por sua dramaturgia e seu posicionamento político. Com mais de vinte atores em cena, em um espaço de 24 metros quadrados, o espetáculo permanece em cartaz por três meses, algo inédito na cidade, com todas as sessões lotadas. Essa encenação marca época em Porto Alegre e impulsiona sua carreira profissional.
Com a cassação e a aposentadoria compulsória de dezenas de professores da Universidade, em 1969, por motivos políticos, o CAD se desarticula e Luiz Paulo passa uma temporada no Rio de Janeiro. De volta a Porto Alegre, no ano seguinte, torna-se professor efetivo do curso, colabora com sua reestruturação e se transforma no grande incentivador do teatro local: "Acredito que o único caminho de nosso teatro é a descentralização do eixo Rio-São Paulo. Porto Alegre tem todas as condições para ser a terceira força no Brasil, pelos elementos humanos que já lançou e em condições de serem lançados. Não existe, ainda, é verdade, uma consciência profissional autêntica de parte dos que fazem teatro em Porto Alegre. Mas isto virá com experiência, planificação e recursos materiais. Por que não tentar fazer aqui o terceiro centro teatral profissional do Brasil?"1
A carreira de professor coloca em suas mãos a responsabilidade pelas montagens anuais do Departamento de Arte Dramática - DAD (ex-CAD), agora vinculado ao Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - IA/UFRGS. Dessa fase, destacam-se as montagens de clássicos da dramaturgia, como Casa de Orates, de Artur Azevedo(1855 - 1908) e Aluísio Azevedo (1857 - 1913), em que aposta na farsa para expor o ridículo das personagens e criar momentos de nonsense. A crítica aos costumes do passado é transposta para os dias atuais, com referências à publicidade e à massificação ocasionadas pela televisão: "Por isso aparece em cena uma mistura de tendências teatrais, que vão desde achados bem brasileiros e gauchescos [...] até momentos que lembram teatros tradicionais e clássicos".2 Já em Agamenon, de Ésquilo, encenada no Auditório Tasso Corrêa, em 1971, o diretor inova ao abolir os limites entre palco e plateia, por meio de um cenário que integra atores e espectadores, e ao propor que o público participe do cortejo dionisíaco.
Na década de 1970, Luiz Paulo encena textos de autores gaúchos. Nessas montagens, consolida-se a parceria profissional com a atriz Sandra Dani, com quem se casa, em 1972. Em ¿Quem Roubou Meu Anabela?, de Ivo Bender, a concepção do espetáculo enfatiza o ambiente sombrio e as situações inusitadas da trama. Na peça, duas mulheres recebem a visita de um jovem demoníaco na noite em que se celebra o Dia da Libertação da Carne. Sexta-Feira das Paixões, de 1975, do mesmo autor, retoma o tema com a história de quatro mulheres presas numa casa ameaçada, durante a invasão de rebeldes a Puerto Amaro, localizado em algum ponto da América Latina. Com Boneca Teresa ou Canção de Amor e Morte de Gelsi e Valdinete, de Carlos Carvalho, encenado no mesmo ano, a direção reforça o potencial poético da mediocridade do homem comum.
A experiência de dirigir espetáculos no âmbito acadêmico se mantém nos Estados Unidos, quando realiza duas montagens no curso de mestrado na State University of New York [Universidade do Estado de Nova York]: Miss Margarida's Way (Apareceu a Margarida), de Roberto Athayde, em 1981; e The Bakkhai (As Bacantes), de Eurípides, em 1982. Em seu retorno a Porto Alegre, monta A Boa Alma de Set-Suan, de Bertolt Brecht, em 1986, com elenco do DAD, e publica no ano seguinte seu Dicionário de Teatro, com "um saudável toque de ineditismo",3 como afirma Yan Michalski, no prefácio, por se tratar da primeira obra desse gênero escrita por um autor brasileiro.
A encenação de A Tempestade, de William Shakespeare, em 1988, em comemoração dos 30 anos de fundação do curso por Ruggero Jacobbi, é feita com o objetivo de aproximá-la de Sonho de uma Noite de Verão, conforme aponta o crítico Antônio Hohlfeldt: "Sintetizando o drama, dispensando algumas personagens menores (como Íris e Ceres), alcançando plena compreensão do enredo e permitindo um espetáculo em ato único (dos cinco originais) em pouco mais de hora e meia de duração".4
A prática na adaptação de textos para suas encenações o aproxima, aos poucos, da criação dramatúrgica. Baseado em Federico García Lorca, Júlio Cortázar e na pintura de James Ensor, A Galinha Idiota é sua primeira tentativa de criação de roteiro, praticamente sem palavras, junto com a atriz Sandra Dani. A segunda experiência como dramaturgo ocorre em Como um Sol no Fundo do Poço, monólogo remotamente inspirado em Ella, de Herbert Achternbusch, em que uma professora aposentada, abandonada pelo marido, convida os ouvintes de uma emissora de rádio para irem a sua casa: "O público se torna o interlocutor dessa criatura. Ela prepara cafezinho no palco e oferece às pessoas. É a única coisa que ainda pode ser oferecida, já que suas lembranças e indignações patéticas não cativariam os visitantes. [...] Sandra Dani é perfeita na vingança. Todos se convencem da falsa generosidade daquela anfitriã e poucos têm coragem de negar uma xícara sequer. Mesmo que isso seja uma armadilha".5
A escrita dramatúrgica se consolida em Casca de Ferida ou Vamos Brincar de Gente Grande?, de 2001, em que mostra a perversidade das relações infantis: "A história de duas meninas trancadas em um quarto que conspiram contra o mundo até receber a visita de um amigo e ver que tudo pode piorar tem todos os ingredientes para parecer estranha. Primeiro, as três crianças são interpretadas por Ida Celina, Sandra Dani e Antônio Carlos Brunet, atores em torno dos 50 anos. Segundo, o conflito demora a ser estabelecido e, quando deslancha, é um soco no estômago de tão indigesto. A violência, influenciada pela família ou pela mídia, a perversidade confrontada com a ingenuidade infantil, e o desejo de proteger-se contra a ameaça alheia dão a tônica. Luiz Paulo Vasconcellos domina seus atores e faz com que as esquisitices da diferença de idade ou do texto sejam esquecidas em poucos minutos".6
Sua importante contribuição artística se faz sentir nas palavras proferidas no discurso de agradecimento por ocasião da entrega do Prêmio Qorpo Santo, concedido pela Câmara Municipal de Porto Alegre, em maio de 1992: "Eu vim para Porto Alegre há quase vinte e cinco anos. Vim dirigir teatro. Vim ensinar teatro. Aqui, encontrei um grupo de pessoas ávidas de conhecimento, querendo aprender a arte da imitação para poder representar, no palco, aquilo que a sociedade pensava e não fazia, já que se vivia, então, em pleno obscurantismo de uma ditadura, quando não se podia representar aquilo que se pensava, quando não se podia sequer pensar naquilo que não se fazia. Na sala de aula, protegido pelos muros de uma instituição tão ambígua quanto necessária, como é a Universidade, e patrocinado pela saudável cumplicidade dos alunos, eu tenho conspirado durante esses anos todos contra os segmentos da sociedade que não querem se reconhecer na impiedosa e inspirada representação dos atores. Esta tem sido a minha vida de homem de teatro, de artista, de pesquisador e de professor".7
Notas
1. VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Entrevista a Renato Gianuca, em O Riso e a Crítica Social Estão em ' Casa de Orates'. Correio do Povo, Porto Alegre, 30 jul. 1970.
2. VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Esses jovens maravilhosos e inteligentes do CAD. Zero Hora, Porto Alegre, 27 jul. 1970, p. 39.
3. VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de teatro. Porto Alegre: L&PM Editores, 1987. p. 6.
4. HOHLFELDT, Antônio. Síntese divertida do drama A Tempestade. Diário do Sul, Porto Alegre, 16 set. 1988.
5. ALVES Jr., Dirceu. Signos de uma vida perdida. Zero Hora, Porto Alegre, 9 mai. 1998. Segundo Caderno.
6. ALVES Jr., Dirceu. Perversos e ingênuos. Zero Hora, Porto Alegre, 2 jun. 2001. Caderno Cultura.
Espetáculos 93
Exposições 1
-
4/3/1997 - 16/3/1997
Fontes de pesquisa 7
- ALABARSE, Luciano. Alguns diretores e muita conversa. Porto Alegre: SMC, 2000.
- CARVALHO, Carlos & BENDER, Ivo. Entrenós. Porto Alegre: Garatuja, Instituto Estadual do Livro, 1976.
- HOHLFELDT, Antônio & VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Teatro gaúcho contemporâneo. In: Cadernos de Cultura Gaúcha. Porto Alegre: ALRG, 1976.
- KILPP, Suzana. Os Cacos do Teatro: Porto Alegre, anos 70. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1996.
- Programa do Espetáculo - Almoço na Casa do Sr. Ludwig - 2002. Não Catalogado
- VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Dicionário de Teatro. Porto Alegre: L&PM Editores, 1987.
- _____. (org.) Teatro Gaúcho: anos 90. Porto Alegre: Editor Susana Gastal, 1993.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
LUIZ Paulo Vasconcellos.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa109233/luiz-paulo-vasconcellos. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7