Theodoro Braga
Texto
Theodoro José da Silva Braga (Belém, Pará, 1872 – São Paulo, São Paulo, 1953). Pintor, decorador, professor, caricaturista, historiador, crítico de arte. Extrapola o campo artístico, abrangendo a história e o folclore, que complementam seu interesse pela cultura amazônica. Tem papel relevante na formulação da identidade nacional brasileira, na passagem do século XIX para o século XX.
Forma-se pela Faculdade de Direito do Recife, em 1893. Ao mesmo tempo, inicia estudos em arte com o pintor paisagista Telles Júnior (1851-1914) e produz caricaturas para a imprensa da região. Em 1894, transfere-se para o Rio de Janeiro e faz caricaturas para o Jornal do Commercio e a revista Vera Cruz. Matricula-se na Escola Nacional de Belas Artes (Enba) e tem como professores Belmiro de Almeida (1858-1935) e Zeferino da Costa (1840-1915). Recebe o prêmio de viagem ao exterior, em 1899. Estuda na Academia Julian, em Paris, entre 1900 e 1905, com os pintores franceses Jean-Joseph Benjamin-Constant (1845-1902) e Jean-Paul Laurens (1838-1921).
O contato com Laurens é essencial à obra de Braga. Para o pintor francês, é fundamental dominar a pesquisa histórica para se produzir uma tela com essa temática. Essa é uma característica da obra de Braga, que, após a estadia na França, volta-se para a pintura histórica e as artes decorativas. O contato com o art nouveau, movimento em voga na época, dá ao artista as bases para uma compreensão mais ampla do papel da arte decorativa. Tal como o pintor italiano Eliseu Visconti (1866-1944), volta sua atenção à produção do francês Eugène Grasset (1845-1917) e passa a utilizar formas mais geometrizadas em obras decorativas.
Regressa ao Rio de Janeiro, em 1905, e realiza sua primeira exposição individual, exibida, a seguir, em Recife e Belém. De volta ao Pará, cultiva o interesse por história e ciências naturais. Dedica-se ao estudo de motivos decorativos indígenas e da flora e fauna locais. Compõe um rico repertório de ornamentos intitulado A planta brasileira (copiada do natural) applicada à ornamentação (1905), com aquarelas de elementos da flora e fauna e de motivos marajoaras, seguidos de suas estilizações em composições decorativas. Segundo o historiador Aldrin Moura de Figueiredo1, Braga é um dos criadores do movimento artístico amazônico denominado “neomarajoara”2. Em seus escritos sobre a história do Pará, o artista enfatiza o papel do indígena na constituição da cultura local.
Por encomenda do município de Belém, pinta A fundação da cidade de Nossa Senhora de Belém (1908), considerada sua obra-prima. Em busca de fontes para a produção desse trabalho, viaja a Portugal, onde reside por dois anos, realizando extensa pesquisa histórica, apresentada na nota explicativa da pintura. A tela apresenta a chegada da frota de Castelo Branco (1566-1619) à cidade e é caracterizada por um “ufanismo republicano”, nas palavras de Elisa Ferreira Rocha Campos3. A produção desse quadro coincide com um momento de reconfiguração da historiografia da região amazônica, que busca reconhecimento territorial e inserção na história nacional. Com atenção a cada personagem, à natureza e à cor, a obra representa o marco fundador de uma identidade amazônica.
Em 1925, inicia-se uma nova fase na vida do artista. Muda-se para São Paulo, onde fixa residência e constrói para si uma casa com motivos marajoaras. Torna-se professor do Instituto de Engenharia Mackenzie e diretor da Escola de Belas Artes. No mesmo ano, realiza sua primeira exposição individual em São Paulo. Além de suas grandes obras, chamam a atenção da crítica as ilustrações de personagens do folclore brasileiro. Essa produção é celebrada como uma forma de abandonar as histórias de príncipes encantados estrangeiras e construir um repertório de histórias infantis com personagens nacionais. A exposição, de acordo com os jornais da época, é um sucesso.
Afastando-se do regionalismo amazônico dos anos anteriores, o artista passa a produzir obras com a temática bandeirante. Seu primeiro trabalho com essa temática é o tríptico4 Périplo máximo de Antonio Raposo Tavares (1928). A tela é exposta no Salão Oficial de Belas Artes do Rio de Janeiro e ganha a medalha de ouro. A crítica ressalta o primoroso trabalho de pesquisa histórica realizado pelo artista. Além disso, a obra tem grande impacto numa época de construção do mito bandeirante, que fundamenta a busca do estado de São Paulo por emancipação.
Outro trabalho importante nessa temática é O anhanguera (1930). Na tela, é reproduzida uma cena de tensão entre bandeirantes e indígenas. Destaca-se no quadro a figura do bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva (1672-1740), que parece ameaçar os indígenas. Esses, por sua vez, trazem semblantes assustados e esboçam posições dinâmicas, que podem ser interpretadas como movimentos de fuga. De acordo com Campos, a composição nesse quadro remete à tradição clássica do desenho de Braga. Em contraste com o fundo da floresta, os personagens, pintados em paleta monocromática, formam um triângulo no meio do quadro, cujo foco está na fogueira que ilumina os rostos de bandeirantes e indígenas. A produção de Braga subsequente à de temática bandeirante dos anos 1920 e 1930 recebe pouca atenção.
É inquestionável a importância de Theodoro Braga para a arte brasileira. Seus múltiplos talentos bem como seu engajamento no debate sobre arte e cultura nacional são fundamentais nos esforços realizados pelo Brasil para se libertar das influências estrangeiras e construir uma identidade nacional. É um dos grandes nomes da pintura histórica brasileira e um artista de múltiplas habilidades de sua época.
Notas
1. FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. O museu como patrimônio, a República como memória: arte e colecionismo em Belém do Pará (1890-1940). Revista Antíteses, Londrina, v. 7, n. 14, p. 20-42, 2014.
2. Na busca por uma arte genuinamente nacional, alguns artistas se voltaram para as peças produzidas pela civilização marajoara, que habitou a região da atual Ilha de Marajó, no Pará, durante o período pré-histórico. Essas peças foram descobertas por estudos arqueológicos e divulgadas entre o final do século XIX e o início do século XX.
3. CAMPOS, Elisa Ferreira Rocha. O Anhanguera, de Theodoro Braga: dissonâncias de uma imagem controversa do bandeirantismo paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 30, p. 1-25, 2022. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/190591. Acesso em: 23 out. 2023.
4. De acordo com o Dicionário Aulete Digital (2023), tríptico é a “obra de pintura, desenho ou escultura constituída por três painéis: um central e fixo, e dois laterais dobráveis que podem se fechar cobrindo completamente o painel central”. Disponível em: https://www.aulete.com.br/tr%C3%ADptico. Acesso em: 23 out. 2023.
Exposições 53
Fontes de pesquisa 35
- 150 anos de pintura no Brasil: 1820-1970. Rio de Janeiro: Colorama, 1989. R703.0981 P818d
- ARTE no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
- ARTE no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 709.81 A163ar v.1
- ARTE no Brasil. São Paulo: Abril Cultural, 1979. 709.81 A163ar v.2
- AYALA, Walmir. Dicionário de pintores brasileiros. Organização André Seffrin. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: Ed. UFPR, 1997.
- AYALA, Walmir. Dicionário de pintores brasileiros. Organização André Seffrin. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: Ed. UFPR, 1997. R750.81 A973d 2.ed.
- BRAGA, Theodoro. A arte no Pará, 1888-1918: retrospecto histórico dos últimos trinta annos. RIHGP. Belém 7: 149-159, 1934. Não Cadastrado
- BRAGA, Theodoro. Artistas pintores no Brasil. São Paulo: São Paulo Editora, 1942. R703.0981 B813a
- CAMPOFIORITO, Quirino. A República e a decadência da disciplina neoclássica: 1890-1918. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. (História da pintura brasileira no século XIX, 5).
- CAMPOFIORITO, Quirino. A República e a decadência da disciplina neoclássica: 1890-1918. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. (História da pintura brasileira no século XIX, 5). 759.981034 C198h v.5
- CAMPOS, Elisa Ferreira Rocha. O Anhanguera, de Theodoro Braga: dissonâncias de uma imagem controversa do bandeirantismo paulista. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 30, p. 1-25, 2022. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/190591. Acesso em: 23 out. 2023.
- Caminho das águas. Belém, 1995. 4p. il., color. PAfumbel 1995/c
- Caminho das águas. Belém: Fundação Cultural do Município de Belém, 1995. 4p. il., color.
- DEZENOVEVINTE: uma virada no século. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1986.
- DEZENOVEVINTE: uma virada no século. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1986. 709.81034 P645d
- DICIONÁRIO brasileiro de artistas plásticos. Organização Carlos Cavalcanti e Walmir Ayala. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973-1980. 4v. (Dicionários especializados, 5).
- DICIONÁRIO brasileiro de artistas plásticos. Organização Carlos Cavalcanti e Walmir Ayala. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973-1980. 4v. (Dicionários especializados, 5). R703.0981 C376d v.1 pt. 2
- DUTZMANN, Maria Olimpia Mendes (coord.). Acervo artístico-cultural do Palácio do Governo do Estado de São Paulo. Curadoria Radhá Abramo; texto Marta Rossetti Batista, Ruth Sprung Tarasantchi, Wolfgang Pfeiffer et al. São Paulo, 1989. 152p. SPpg 1989/a
- DUTZMANN, Maria Olimpia Mendes (coord.). Acervo artístico-cultural do Palácio do Governo do Estado de São Paulo. Curadoria Radhá Abramo; texto Marta Rossetti Batista, Ruth Sprung Tarasantchi, Wolfgang Pfeiffer, Cleide Santos Costa Biancardi, Serafina Borges do Amaral, Stella Teixeira de Barros. São Paulo, 1989. 152p. il. color, p.b.
- FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. A fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará, de Theodoro Braga. Nossa História, Rio de Janeiro, v. 1, n. 12, p. 22-26, 2004. Não Cadastrado
- FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. O museu como patrimônio, a República como memória: arte e colecionismo em Belém do Pará (1890-1940). Revista Antíteses, Londrina, v. 7, n. 14, p. 20-42, 2014.
- FIGUEIREDO, Aldrin Moura de. Theodoro Braga e a história da arte na Amazônia In: ARRAES, Rosa (org.) A fundação da cidade de Belém. Belém: Museu de Arte de Belém, 2004. p. 31-87. PAmabe [2004]
- FREIRE, Laudelino. Um século de pintura: apontamentos para a história da pintura no Brasil de 1816-1916. Rio de Janeiro: Fontana, 1983.
- FREIRE, Laudelino. Um século de pintura: apontamentos para a história da pintura no Brasil de 1816-1916. Rio de Janeiro: Fontana, 1983. 759.981034 F866u
- LIMA SOBRINHO, Barbosa. Cenas da vida brasileira: 1930/1954. 10 pinturas e 100 litografias de João Câmara Filho. Recife: Prefeitura, 1980.
- LIMA SOBRINHO, Barbosa. Cenas da vida brasileira: 1930/1954. 10 pinturas e 100 litografias de João Câmara Filho. Recife: Prefeitura, 1980. 759.98106 Cj172mo
- REGO, Clóvis de Morais. Theodoro Braga: historiador e artista. Belém: CEC, 1974. Não Cadastrado
- REIS JÚNIOR, José Maria dos. História da pintura no Brasil. Prefácio Oswaldo Teixeira. São Paulo: Leia, 1944.
- REIS JÚNIOR, José Maria dos. História da pintura no Brasil. Prefácio Oswaldo Teixeira. São Paulo: Leia, 1944. 759.981 R375h
- RUBENS, Carlos. Pequena história das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1941. (Brasiliana. Série 5ª: biblioteca pedagógica brasileira, 198).
- RUBENS, Carlos. Pequena história das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1941. (Brasiliana. Série 5ª: biblioteca pedagógica brasileira, 198). NÃO DISPONÍVEL PARA CONSULTA 709.81 R895p Ed. ilust.
- TEMPO passado/tempo presente: acervo do Museu de Arte de Belém. Belém: MABE, 1997. 100 p., il. color. PAmabe 1997/t
- ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Fundação Djalma Guimarães: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. v. 1.
- ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Fundação Djalma Guimarães: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. v. 1. 709.81 H673 v.1
- ZANINI, Walter (org.). História geral da arte no Brasil. São Paulo: Fundação Djalma Guimarães: Instituto Walther Moreira Salles, 1983. v. 1. 709.81 H673 v.2
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
THEODORO Braga.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa10853/theodoro-braga. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7