A Tábua de Esmeralda
Texto
O título do disco A Tábua de Esmeralda é inspirado no texto homônimo considerado um dos mais antigos relacionados à alquimia, de cerca de 650 d.C. A prática combina elementos de química, astrologia, filosofia, matemática, para alcançar objetivos como a transformação de metais em ouro. Jorge Ben Jor (1942) passa a se interessar por alquimia, além de filosofia e teologia (especialmente a obra do santo Tomás de Aquino, citada em várias de suas músicas), depois de permanecer dois anos estudando num seminário. O artista tem contato com a alquimia ainda jovem, na época em que trabalha como despachante no Rio de Janeiro. Participa de um grupo formado por adeptos da América do Sul e passa a frequentar casas de ourives para ver como se faz ouro.
Temas envolvendo a alquimia aparecem em diversas músicas do disco A Tábua de Esmeralda, lançado em formato LP em 1974, com produção de Paulinho Tapajós (1945 - 2013), e em Solta o Pavão, que sai no ano seguinte. A experiência de transformar metal em ouro, inclusive, é relatada na música Luz Polarizada, de Solta o Pavão: “Coloque o seu grisol [frasco de vidro inquebrável] sobre a luz polarizada”.
A faixa de abertura de A Tábua de Esmeralda chama-se "Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas". Diz a letra: “Executam, segundo as regras herméticas / desde a trituração, a fixação / A destilação e a coagulação / Trazem consigo cadinhos / Vasos de vidro / Potes de louça”. Em "Hermes Trismegisto e Sua Celeste Tábua de Esmeralda", Ben Jor canta: “O que está embaixo é como o que está no alto / O que está no alto é como o que está embaixo”. Trata-se do trecho de um texto sobre os princípios da alquimia.
Dois alquimistas, Nicolas Flamel e Paracelso, são personagens de canções de A Tábua de Esmeralda. Flamel, francês que vive nos séculos XIV e XV e cuja figura estampa a capa do álbum de Ben Jor, é definido pelo músico como o “muso do artista”. É ele o protagonista da faixa "O Namorado da Viúva". A canção fala sobre uma mulher rica que é viúva três vezes e tem “um dote físico e financeiro invejável”. Paracelso, por sua vez, é o personagem retratado na canção O Homem da Gravata Florida.
Eu Vou Torcer cita “agricultura celeste” e “Santo Tomás de Aquino”. "Magnólia", por sua vez, diz: “Já consultei os astros / Ela chega na primavera / Ela já se encontra a caminho / Voando numa nave maternal dourada / Linda e veloz feita de um metal miraculoso”. O lado místico de Ben Jor aparece em "Errare Humanum Est", na qual é utilizada uma câmara de eco para criar um efeito espacial: “Tem uns dias / Que eu acordo / Pensando e querendo saber / De onde vem / O nosso impulso / De sondar o espaço?”.
Em A Tábua de Esmeralda, Ben Jor cria harmonias nada óbvias ao violão, acompanhado de baixo e percussão. Seu instrumento tem uma afinação diferente da tradicional (de acordo com Ben Jor, “mais próxima da viola caipira”) e a batida percussiva e cheia de suingue inventada por ele na década anterior – e revolucionária desde o seu primeiro álbum, Samba Esquema Novo (1963) – marca presença no álbum de 1974.
A sonoridade do disco exerce uma forte influência sobre a obra de diversos músicos brasileiros nos anos 1970 e ajuda a impulsionar o cenário do samba-rock e do samba-soul na época.
Além das harmonias, em A Tábua de Esmeralda a interpretação oferece uma nova cadência, com direito a uma atmosfera descompromissada, de improvisação, tornando-se o formato ideal para letras que beiram o surreal. Um exemplo disso é a letra da música "O Homem da Gravata Florida": “É um jardim suspenso / Dependurado no pescoço / De um homem simpático e feliz”. No álbum, o músico ainda evoca a tradição gospel (Brother), exalta suas raízes africanas (Zumbi) e oferece um olhar particular sobre as mulheres ("Menina Mulher da Pele Preta").
Antes do seu lançamento, no entanto, a ideia de fazer um disco temático sobre alquimia era considerada loucura pela gravadora Phonogram. Mas André Midani (1932), um alto executivo da empresa na época, autoriza a gravação.
O elixir musical criado por Ben Jor continua influenciando artistas brasileiros. Em 1992, Thobias (1962) da escola de samba Vai Vai grava "O Namorado da Viúva" em seu disco Thobias e a Turma do Chopp. "Errare Humanum Est" é regravada por Zé Ramalho (1949), em Eu Sou Todos Nós (1998). Em 2012, a banda Los Sebosos Postizos, formada por integrantes da Nação Zumbi (Jorge Du Peixe, Lucio Maia, Pupillo e Dengue), para homenagear o músico lança um álbum que inclui, entre outras canções, três faixas de "A Tábua de Esmeralda: Cinco Minutos", "O Homem da Gravata Florida" e "Os Alquimistas Estão Chegando os Alquimistas". Duas cantoras também gravam canções de A Tábua de Esmeralda: Marisa Monte (1967) interpreta "Cinco Minutos", que integra o repertório do disco Memórias, Crônicas e Declarações de Amor (2000), Fernanda Abreu faz uma versão de "Eu Vou Torcer" em seu álbum Na Paz (2004). "Minha Teimosia, Uma Arma pra Te Conquistar" é gravada por Pedro Luiz (1960) e a Parede para a trilha sonora do filme Zuzu Angel, de 2006.
Fontes de pesquisa 8
- ALEXANDRE SANCHES, Pedro. O homem patropi. Trip, número 183, nov. 2009.
- ALL MUSIC. A Tábua de Esmeralda. Disponível em: www.allmusic.com/album/a-t%C3%A1bua-de-esmeralda-mw0000755418. Acesso em: 18 jan. 2013.
- DICIONÁRIO CRAVO ALBIN da Música Popular Brasileira. A Tábua de Esmeralda. Disponível em: www.dicionariompb.com.br. Acesso em: 17 jan. 2013.
- INSTITUTO MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA – Discografia. Disponível em: www.memoriamusical.com.br/discografia.asp. Acesso em: 17 jan. 2013.
- PRETO, Marcus.Jorge Ben Jor: eterna redescoberta. Rolling Stone Brasil, São Paulo, jun. 2007.
- SOUZA, Tárik de. Humanum Est. Veja, São Paulo, 29 maio 1974.
- ZWETSCH, Ramiro. A Tábua de Esmeralda. In: Os 100 maiores discos da música brasileira. Rolling Stone, número 13, out. 2007.
- ZWETSCH, Ramiro. Entrevista com Jorge Ben feita em julho de 2004.
Como citar
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A Tábua de Esmeralda.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra71064/a-tabua-de-esmeralda. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7