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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Absolutamente Certo!

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 06.09.2023
1957
Primeiro trabalho de Anselmo Duarte (1957) como diretor, na época reconhecido intérprete do cinema brasileiro com expressiva participação em dramas e comédias. Com Absolutamente Certo!, de 1957, Duarte não quer contrariar o público conquistado. O filme apresenta comicidade e números musicais, como as chanchadas brasileiras do momento, e segue os...

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Primeiro trabalho de Anselmo Duarte (1957) como diretor, na época reconhecido intérprete do cinema brasileiro com expressiva participação em dramas e comédias. Com Absolutamente Certo!, de 1957, Duarte não quer contrariar o público conquistado. O filme apresenta comicidade e números musicais, como as chanchadas brasileiras do momento, e segue os padrões do cinema norte-americano clássico, com vilão, mulher fatal, mocinha e mocinho, suspense, cenas românticas e de ação, visando claramente atingir um grande público.

A originalidade da trama também contribui para o sucesso desejado e consiste no cruzamento de três núcleos, tendo como eixo um programa de televisão. O principal deles reproduz os bastidores da emissora de TV, talvez o primeiro reconhecimento do cinema brasileiro ao novo meio de comunicação, inaugurado no Brasil em 1950. É curioso observar que, ao término dos letreiros de apresentação, a câmera de TV se aproxima diretamente da câmera cinematográfica que a filma, como se um veículo olhasse para o outro, colocando-se em igualdade de posição. Nesse núcleo, é reproduzido um programa de perguntas e respostas, baseado no maior sucesso televisivo da época, O Céu É o Limite, no qual se testa o conhecimento do participante acerca de um determinado tema. A cada resposta certa, J. Silvestri, apresentador do programa, após um hiato de silêncio estratégico, grita: "Absolutamente certo!".

No segundo núcleo, representa-se o mundo do crime, em que Raul (Aurélio Teixeira 1926-1973) é dono de uma academia de boxe, empreendimento que serve de fachada para negócios desonestos, entre os quais a corrupção de atletas para forjar os resultados das lutas e ganhar apostas milionárias. No terceiro, o cotidiano de pessoas comuns, representadas pela classe baixa, em que convivem o revisor tipográfico Zé do Lino (o próprio Anselmo Duarte), seu pai, de saúde frágil (José Policena), e a namorada, Gina (Maria Dilnah), sua vizinha, cuja família, encabeçada pela desbocada dona Bela (Dercy Gonçalves 1907-2008), critica sem trégua o prolongado noivado.Como Zé do Lino memoriza a lista telefônica impressa na tipografia em que trabalha, Raul percebe no talento do rapaz a possibilidade de altos ganhos com o programa de perguntas e respostas. O salário baixo com uma vaga promessa de aumento e a consequente falta de recursos financeiros que impede o casamento ou a compra de uma cadeira de rodas para o pai são motivos suficientes para que Zé do Lino aceite a proposta de Raul e se inscreva para concorrer ao prêmio oferecido pelo programa.

O sucesso obtido o aproxima cada vez mais da grande rodada final, o que lhe rende generosos empréstimos por parte de Raul e o progressivo afastamento das dificuldades e dos valores do seu meio de origem. O dinheiro serve para comprar um automóvel e a cadeira de rodas, e o amor romântico de Gina acaba substituído pelo apelo sedutor de Odete (Odete Lara), amante de Raul e garota-propaganda da TV. Por intermédio dela, Raul explicita o "negócio": uma grande aposta no prognóstico de que o linotipista não acerta a última pergunta e, para tanto, exige dele o erro fatal. Zé do Lino percebe a oportunidade para resgatar os valores dos quais se distancia e recusa trair a confiança do pai, dos vizinhos e de todos os telespectadores. No entanto, Raul o ameaça, sequestrando o pai e a noiva do rapaz.O momento culminante se dá nos estúdios da televisão em que Raul e seus capangas reforçam a cobrança. Zé do Lino, cujos amigos asseguram a libertação de seu pai e de Gina, responde corretamente a todas as perguntas, ganha o prêmio máximo e provoca uma grande confusão ao enfrentar os bandidos diante das câmeras do programa. Um beijo final reafirma seu compromisso com Gina.

Essa sequência final, na pré-estreia do filme, provoca a reação da plateia: "Na sala de projeção do Cine Ipiranga destacava-se o que São Paulo possui de elegante e fino em sua sociedade e esta mesma sociedade empolgada (...) aplaudiu, de pé, reverente, consagrando [a película]".1 Ao ser lançado, em mais de 40 cinemas da capital paulista, alcança sucesso de público e o amplo apoio da imprensa local e do Rio de Janeiro.

A revista Cinelândia, que se dedica primordialmente à divulgação do cinema norte-americano, reserva três páginas para o filme, incluindo ampla sinopse e inúmeras fotografias, e o destaca como principal lançamento na quinzena carioca. Pedro Lima inclui Absolutamente Certo! na lista dos melhores filmes do ano e cabe a Francisco Luiz de Almeida Salles resumir o pensamento recorrente da crítica especializada. Para ele, trata-se de uma "fita honesta, limpa, agradável, simpática, com todos os ingredientes do divertimento popular cinematográfico e realizada num plano alto de exigências materiais e artísticas".2

A qualidade material alcançada se deve ao rigoroso cumprimento dos altos padrões técnicos propiciados pelos estúdios e pelos principais nomes da equipe oriundos da extinta Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Por outro lado, uma espécie de "aperfeiçoamento" da chanchada permite cumprir as exigências artísticas, ou seja, Absolutamente Certo! não é mais uma das criticadas fitas cômicas e carnavalescas que a indústria cinematográfica nacional apresenta no ano, mas "uma comédia musical, com toques de drama sentimental e sátira de costumes", embora ainda esteja longe de "alçar-se à comédia de 'humour' superior".3

Os demais críticos, à mercê das conjunturas, não fogem desse mesmo raciocínio. Elogiam sempre a habilidade formal e um deles, em artigo sem autoria identificada, chega a preconizar que o filme de Anselmo Duarte "fará os produtores abandonarem (...) as chanchadas", principalmente "as do tipo carioca",4 que são em maior número e, portanto, as confeccionadas em série. Impressiona na obra a fluência narrativa, os números musicais não interrompem a ação dramática, mas dela emergem, ao contrário das chanchadas corriqueiras pelas quais a crítica tem absoluta aversão. Como exemplo desse procedimento, pode ser citado o esquete musical que prenuncia a crise de consciência e a perda de identidade de Zé do Lino, no qual o cantor pergunta: "Onde estou?". Os diálogos também têm naturalidade e hoje é bastante notável o uso eficaz do aparelho de televisão como elo entre uma cena e outra e entre os palcos de ação, o que permite a manutenção do ritmo.

Anos mais tarde, já em meados da década de 1960, A. Carvalhaes, redator e organizador de um curso do Foto Cine Clube Bandeirante, apresenta um ponto de vista que insere o filme em um circuito cultural mais amplo. Duarte não visa apenas ao público que busca o entretenimento ou ao cinema benfeito com as características da Vera Cruz, também revela a franca influência dos filmes neorrealistas mais populares, que deixam marcas visíveis no cinema nacional dos anos 1950 e 1960.4 Glauber Rocha (1939-1981), em 1963, considera Absolutamente Certo! "um passo positivo na evolução da chanchada para filmusical carnavalesco". Destaca "o senso de humor, a espontaneidade narrativa e o detalhe opinativo, heranças do 'realismo carioca'".

Com efeito, cronologicamente situado entre Rio 40 Graus e O Grande Momento, Absolutamente Certo! trabalha a possibilidade de fusão da mais amadurecida chanchada brasileira com o neorrealismo italiano de feição menos complexa e mais sentimental, que se demonstra pela terna representação dos personagens de origem humilde ou a ênfase na união e na ação coletiva - uma constante do neorrealismo. Bem como a preocupação em evitar um excessivo maniqueísmo que anteponha o bem ao mal. A garota-propaganda, por exemplo, embora pertença ao mundo da modernidade cujos valores se aproximam perigosamente do gangsterismo, respeita as firmes convicções éticas de Zé do Lino, enquanto a posição renitente de dona Bela em prol dos valores mais tradicionais tende a aproximá-la da intolerância.

Jean-Claude Bernardet (1936) observa na obra que a televisão não é demonizada, fugindo da crítica negativa que o cinema brasileiro faz nas décadas posteriores (incentivo ao consumo capitalista, corrupção, degeneração moral).5 É possível que Anselmo Duarte não compartilhe da nostalgia de perda da tradição e muito menos propagandeie com euforia a transformação das relações humanas no Brasil, e vislumbre na TV o símbolo da intersecção de dois mundos que se confrontam na sociedade brasileira da época. Em outros termos, a sociedade que se moderniza pode assegurar tanto a permanência dos bons valores do passado (ilustrados pela exemplaridade de Zé do Lino) como incrementar valores contrários às mais elementares normas de convivência.

Notas
1 Cine-repórter, 16 nov. 1957, p.8.
2 SALLES, Francisco Luiz de Almeida, O Estado de S.Paulo, 15 nov. 1957.
3 Absolutamente Certo, Shopping News, 17 nov. 1957.
4 CARVALHAES,  A. Absolutamente Certo!. São Paulo : Foto-Cine Clube Bandeirante, 1966.
5 BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia Clássica do Cinema Brasileiro, p. 184. 

Fontes de pesquisa 12

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  • Absolutamente Certo. Cine-Repórter, São Paulo, v.24, n.1139, 16 nov. 1957, p. 1, 3, 7-9.
  • Absolutamente Certo. Cinelândia, Rio de Janeiro, v.6, n. 121, nov. 1957, p. 51-53.
  • Absolutamente Certo. Shopping News, São Paulo, 17 nov. 1957.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Historiografia clássica do cinema brasileiro. São Paulo : Annablume, 1995. p. 198-200.
  • CARVALHAES, A. Absolutamente Certo!. São Paulo : Foto-Cine Clube Bandeirante, 1966.
  • DUARTE, B. J. Absolutamente Certo. Folha de S.Paulo, 13 nov. 1957.
  • DUARTE, B. J. O Circo Chegou à Cidade. Anhembi, São Paulo, n.86, jan.1958, p.433-434.
  • Dossiê Filme Cultura : Anselmo 4 ½. Filme Cultura, Rio de Janeiro, v.3, n.14, abr.-maio 1970, p. 6-19.
  • LIMA, Pedro. Melhores do Ano. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, v.31, n.15, jan. 1959, p.38.
  • MARTINS JUNIOR. Absolutamente Certo. A Gazeta, São Paulo. [Sem data, possivelmente nov. 1957, recorte P. 16/35, do acervo da Cinemateca Brasileira].
  • MERTEN, Luiz Carlos. Anselmo Duarte: O homem da Palma de Ouro. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. p.89-103.
  • SALLES, Francisco. de A. Transcendência da revolta.In: Suplemento Literário do Estado de S.Paulo. São Paulo, 26 março de 1966.

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