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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Panis et Circenses

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.05.2024
1968
A canção "Panis et Circenses", composta por Caetano Veloso (1942 e Gilberto Gil (1942), é lançada em 1968 nos discos Tropicália ou Panis et Circenses (Polygram/Phillips) e Os Mutantes (Polydor), neste com uma introdução de metais diferente da anterior. A interpretação da música é do grupo Os Mutantes, formado pela cantora e compositora Rita Lee ...

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A canção "Panis et Circenses", composta por Caetano Veloso (1942 e Gilberto Gil (1942), é lançada em 1968 nos discos Tropicália ou Panis et Circenses (Polygram/Phillips) e Os Mutantes (Polydor), neste com uma introdução de metais diferente da anterior. A interpretação da música é do grupo Os Mutantes, formado pela cantora e compositora Rita Lee (1947) e pelos irmãos compositores e instrumentistas Arnaldo Dias Baptista (1948) e Sérgio Dias Baptista (1951).

"Panis et Circenses" é arranjada pelo maestro Rogério Duprat (1932-2006), que colabora com o grupo tropicalista – Caetano, Gil, Gal Costa, Torquato Neto (1944-1972), José Carlos Capinan (1941), Tom Zé (1936) e Nara Leão (1942-1989) – na produção do LP Tropicália ou Panis et Circenses, considerado um marco na história da música popular brasileira e o primeiro álbum conceitual, em forma de manifesto, comparado inúmeras vezes ao Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band, de 1967, do grupo britânico The Beatles. Representa uma ruptura da sonoridade da canção popular brasileira da época, acostumada com violão e canções de protesto. Panis et Circenses, tanto o álbum quanto a canção, misturam ritmos brasileiros, como baião, samba e marchinha, a uma roupagem moderna de guitarras e teclados, dialogando com o universo pop. São temas tropicalistas o questionamento do comportamento burguês, as tradições e a família. Eles propõem uma canção que se assemelhasse à linguagem visual utilizada em cinema, com construções imagéticas, a exemplo de Domingo no Parque (1967), de Gilberto Gil, e Alegria, Alegria (1967), de Caetano. A canção "Panis et Circenses" é composta no contexto político de um governo militar e uma classe média conservadora.

A instrumentação da música é feita por teclado Hammond, bateria, guitarra, baixo, trompete, flauta e pandeiro e principalmente com a abertura de vozes do trio paulista. O arranjo oscila entre a rebeldia do rock e a linha de virtuosismo no trompete. No meio da canção acontece um happening sonoro, característica do arranjador Rogério Duprat em suas colaborações com os tropicalistas, na qual é simulado com sons uma mesa de jantar com pessoas conversando e barulhos de talheres, enfatizando a construção de uma paisagem sonora.

"Panis et Circenses" é a única música de performance solo interpretada pelos Mutantes no álbum, suas outras participações são com Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, como coro.

A música representa uma parábola sobre a limitação dos desejos, em que há um conflito entre uma sede de mudança e a tradição existente. Sua letra trabalha com metáforas, nas quais são colocadas várias cenas que a princípio parecem não ter relação entre si, mas todas se encaixam em um ponto em comum, que é uma vontade reprimida de transformação. No entanto, todas as tentativas de rompimento da ordem cotidiana são abafadas, fazendo com que a transformação seja apenas algo realizado idealmente. Segundo o estudioso da tropicália Celso Favaretto, “a música contrapõe o desejo de libertação ao ritual da sala de jantar”,1 no qual imagens surreais, como matar alguém em pleno centro da cidade, ou soltar tigres e leões no quintal, ligadas ao sonho, opõem-se à monotonia de “nascer e morrer”.

São observados três elementos na letra: a vontade de mudança, a ação do sujeito e a cena imagética na qual esse sujeito se encontra. O componente fantástico e irreal da cena contribui para seu fracasso, como se ela só pudesse acontecer no ambiente da fantasia. Como por exemplo na primeira estrofe da canção, a vontade de mudança: “Eu quis cantar / Minha canção iluminada de sol”, a ação do sujeito: “Soltei”, representada pela cena onírica: “Panos sobre os mastros no ar”, “Tigres e os leões nos quintais”. Esse procedimento ocorre novamente em: “Mandei fazer / De puro aço luminoso punhal” – vontade – “para matar o meu amor e matei” – ação do sujeito – “a cinco horas na avenida central” – cena onírica.

"Panis et Circenses" é em forma de canção uma ideia de fricção entre potencialidade de transformação e fracasso, energia motora do tropicalismo. Como José Miguel Wisnik (1948), pesquisador e compositor, aponta que “o movimento tropicalista fez da canção de massa o lugar em que a ferida se expõe e se reflete com todo o poder explosivo do que ela guarda recalcado, de irresolvido e também do potencialmente afirmativo”.2 É dessa relação de coexistência que se estabelece não só uma nova estética, mas uma representação artística de identidade nacional, que figura o Brasil como algo em construção e ruína ao mesmo tempo. Em Panis et Circenses, a urgência de ruptura desse cerco familiar burguês, da rotina do cotidiano entra  em conflito com a liberdade individual que tenta quebrar modelos preestabelecidos. O tom de fantasia das cenas propostas só confirma que as mudanças ficam na promessa, retornando ao estado inicial de vontade de transformação.

Segundo o crítico Roberto Schwarz (1938), a irreverência imagética tropicalista é a representação do absurdo em forma de aberração, referindo-se à melancolia e ao humor desse estilo. Para ele, “o tropicalismo trabalha com a conjunção esdrúxula de arcaico e moderno”3 em uma tentativa destinada ao fracasso de uma modernização nacional. A modernização seria feita sempre através do atraso social “que se reproduz em lugar de se extinguir”, levando inevitavelmente ao ponto inicial, fracasso para o qual sempre se retorna.

A canção é regravada posteriormente pelo grupo Boca Livre, no LP Boca Livre (1983), e por Marisa Monte (1967) no disco Barulhinho Bom (1996). Essa versão apresenta a canção a um público mais jovem e foi um grande sucesso comercial. Ela é revisitada também por Gilberto Gil no disco Concerto de Cordas & Máquinas de Ritmo (2012).

Notas

1. FAVARETTO, C. Tropicália: alegoria, alegria. 3ª ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2000.
2. WISNIK, J.M.S. A gaia ciência: literatura e música popular no Brasil. In:_____. Sem receita: ensaios e canções. Prefácio Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2004. p.212-239.
3. SCHWARZ, R. Cultura e política: 1964-1969. In: _____. Cultura e política. São Paulo: Paz e Terra, 2001. (Coleção leitura).

Fontes de pesquisa 3

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  • FAVARETTO, Celso. Tropicália, alegoria, alegria. 3.ed. São Paulo: Ateliê, 2000.
  • SCHWARZ, Roberto. Cultura e política: 1964-1969. In: _____. Cultura e política. São Paulo: Paz e Terra, 2001. (Coleção leitura).
  • WISNIK, J.M.S. A gaia ciência: literatura e música popular no Brasil. In:_____. Sem receita: ensaios e canções. Prefácio Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Publifolha, 2004. p. 212-239.

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