Capinan
Texto
Biografia
José Carlos Capinan (Esplanada BA 1941). Letrista, poeta, escritor, jornalista, publicitário, médico. Aos 15 anos começa a escrever poesias. Em 1960, muda-se para Salvador para estudar direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ao mesmo tempo matricula-se em teatro no Centro Popular de Cultura (CPC), onde conhece Caetano Veloso e Gilberto Gil. Três anos depois escreve a peça Bumba Meu Boi, musicada por Tom Zé. Muda-se para São Paulo no início dos anos 1960, trabalha como redator publicitário e é coautor, com Caetano Veloso e Torquato Neto, da peça Pois É, de 1965, apresentada por Gilberto Gil, Maria Bethânia e Vinicius de Moraes no Teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Ainda em 1965, assina, com Caetano Veloso, a trilha sonora do documentário Viramundo, de Geraldo Sarno, que inclui a letra da canção homônima, composta por Gil e gravada por Maria Bethânia.
Estreia como cancionista com Ladainha, em parceria com Gil, gravada por Nara Leão em 1966. Nesse ano, compõe Canção para Maria, musicada por Paulinho da Viola, que fica em terceiro lugar no 2º Festival de Música Popular Brasileira, da TV Record, interpretada por Jair Rodrigues. Publica o primeiro livro de poemas, Inquisitorial, retorna a Salvador e se forma em medicina. Em 1967, faz o roteiro, ao lado de Torquato Neto, do programa televisivo Vida, Paixão e Banana do Tropicalismo, apresentado por Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa, com direção de José Celso Martinez Corrêa. Vence o 3º Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, com Ponteio, parceria com Edu Lobo, com quem também assina Canto de Despedida, Cirandeiro, Corrida de Jangada, Chorinho de Mágoa e Rosinha. No mesmo ano, compõe em parceria com Gilberto Gil Água de Meninos e Aboio.
Em 1968 compõe Clarice, com Caetano Veloso, e Soy Loco por Ti, América, com Gilberto Gil, ambas gravadas por Caetano Veloso. Participa do disco Tropicália: ou Panis et Circensis com a letra de Miserere Nobis, musicada por Gilberto Gil. Concorre no 4º Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1969, com a música Gotham City, composta com Jards Macalé, com quem continua a parceria, em 1972, com Farinha do Desprezo, 78 Rotações, Meu Amor Me Agarra & Geme & Treme & Chora & Mata e Movimento dos Barcos. No ano seguinte, dirige e produz o show de Gal Costa e Jards Macalé no Teatro Oficina, em São Paulo; e também o espetáculo Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, no Teatro Tereza Rachel, no Rio de Janeiro. Entre 1973 e 1975 compõe duas canções com Fagner: Como se Fosse e Última Mentira. Assina com Paulinho da Viola as canções Coração Imprudente e Orgulho.
Com Edu Lobo, compõe Limite das Águas, Negro Negro, Repente e Considerando, em 1976. Em 1977, lança o livro de poesia Ciclo de Navegação, Bahia e Gente. Dois anos mais tarde, compõe com Mirabô Dantas Não Posso Crer, gravada por Terezinha de Jesus, e Pitanga, por Marlui Miranda. Terezinha interpreta outra canção de Capinan e Mirabô Dantas, Caso de Amor; Amelinha canta Gemedeira, de Capinan e Robertinho de Recife, em 1980. No ano seguinte, da parceria com Geraldo Azevedo resulta Moça Bonita. Paulinho da Viola musica duas letras de Capinan: Mais que a Lei da Gravidade e Prisma Luminoso, faixa que dá título ao disco de 1983.
Capinan faz parceria com João Bosco em Imã dos Ais e Papel Machê, em 1984; em 1986 eles compõem Pirata Azul. Entre 1987 e 1989, Capinan trabalha como secretário da Cultura do Estado da Bahia. Em 1988, é lançado o disco comemorativo O Viramundo - 21 Anos de Tropicalismo, uma antologia de suas parcerias com Gil, João Bosco, Gereba, Macalé, Edu Lobo, Francis Hime, Zé Ramalho, Paulinho da Viola e Geraldo Azevedo. Publica dois livros de poesia em 1989: Confissões de Narciso e Balança mas Hai Kai, e, em 1996, o livro de poemas Uma Canção de Amor às Árvores Desesperadas. Elabora, em 2000, duas obras que abordam em tom crítico o aniversário de 500 anos do Brasil: a canção Perisseia, com Tom Zé; e a ópera Rei Brasil 500 Anos, com Paulo Dourado e Fernando Cerqueira. Assina três músicas com Mirabô Dantas: Colando a Boca no Teu Rosto, Mares Potiguares e Estrela d'Alva, em 2007.
Comentário crítico
O poeta José Carlos Capinan começa a marcar seu nome na música popular brasileira em meados dos anos 1960, quando, egresso do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE) de Salvador, se destaca como letrista engajado em maior liberdade civil e justiça social no contexto conturbado da ditadura militar no Brasil. As letras de Capinan são politizadas, mas não incorrem no uso de slogans e jargões ideológicos; mostram uma meticulosa arquitetura de linguagem cuja força reside especialmente nas imagens poéticas com conteúdo metafórico. A evidente preocupação formal e a postura inquieta perante a realidade aproximam Capinan de Caetano Veloso e Gilberto Gil, principais ideólogos do movimento tropicalista. A participação nesse movimento influencia a atitude contestatória de Capinan a abranger o plano do comportamento, entendido pelos tropicalistas como principal maneira de mudança da sociedade. À parte tudo isso, Capinan envereda com sucesso por letras que privilegiam a subjetividade e o amor, dominantes em sua obra a partir da segunda metade dos anos 1970. No decorrer da carreira, estabelece parcerias com os principais artistas da MPB: Gilberto Gil, Caetano Veloso, Edu Lobo, Paulinho da Viola, Jards Macalé, João Bosco, Fagner, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Tom Zé, Moraes Moreira, Sueli Costa, Joyce.
As duas primeiras letras de Capinan, musicadas por Gilberto Gil, revelam a atitude combativa contra a ditadura militar característica dos artistas ligados ao CPC. Em Ladainha e Viramundo, os jogos poéticos dos eu-líricos sertanejos atribuem vitalidade à rebelião contra uma realidade cerceada e injusta, "morta" aos seus olhos, mesmo que à custa da própria vida. Ponteio, musicada por Edu Lobo, trabalha esse mesmo mote com base na figura de um eu-lírico violeiro, podendo ser lida como uma metáfora da resistência cultural nos anos de chumbo.
As letras politizadas, compostas na época em que se prefigura o recrudescimento do regime, alternam idealismo utópico com o desencanto proveniente da clausura no país. Para driblar a censura, a linguagem de Capinan torna-se ainda mais metafórica, quando não cifrada. Em Miserere Nobis, parceria com Gilberto Gil no disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circensis , Capinan se expressa em latim ("Miserere-re nobis / Ora, ora pro nobis") e decompõe as palavras "Brasil, fuzil e canhão" em letras e sílabas para veicular críticas ao regime. O eu-lírico mostra-se desencantado com a retórica do CPC, de crença no dia próximo da "redenção nacional" ("É no sempre será, ô, Iaiá / É no sempre, sempre serão / Já não somos como na chegada"); metaforicamente, a letra diagnostica um presente sinistro, em que a violência institucional paira sobre os dissidentes ("Derramemos vinho no linho da mesa / Molhada de vinho e manchada de sangue"). Soy Loco por Ti, América, parceria com Gilberto Gil, gravada por Caetano Veloso, é a letra mais conhecida de Capinan. Escrita logo após a morte de Che Guevara na Bolívia, trata-se de uma ode à América Latina e ao ideal do guerrilheiro argentino, em oposição às ditaduras de direita espalhadas pelo continente. Da impossibilidade de citar o nome do mártir, Capinan forja sua poesia ("El nombre del hombre muerto / Ya no se puede decirlo, quién sabe? / [...] / El nombre del hombre es pueblo"). Os jogos metafóricos em português e castelhano - língua de Che e idioma dos demais países latino-americanos - reafirmam a resistência política, pelo menos na arte, ao mesmo tempo que preveem o exílio dos dissidentes ("Um poema ainda existe / Com palmeiras, com trincheiras / Canções de guerra / Quem sabe canções do mar"); e alternam a esperança por dias melhores ("Espero o amanhã que cante / [...] / Não sejam palavras tristes / Soy loco por ti de amores") com a constatação do momento político complicado na região ("Antes que a definitiva / Noite se espalhe em Latino América").
Nos anos seguintes, com Gilberto Gil e Caetano Veloso no exílio, Capinan encontra em Jards Macalé o parceiro ideal para musicar suas letras inconformistas, que agora confessam francamente um sentimento derrotista em relação ao regime militar. Gotham City, defendida com chuva de vaias por um Macalé fantasiado de homem-morcego no Festival Internacional da Canção, da TV Globo, em 1969, vale-se de um típico procedimento contracultural para abordar o clima de caça às bruxas no país e o exílio de muitos simpatizantes da esquerda: a recorrência ao universo das histórias em quadrinhos. Movimento dos Barcos, parceria de 1972, tem clima melancólico, com versos que fazem alusão ao desamor e ao tédio de um cotidiano monótono e opressivo.
No decorrer dos anos 1970 até meados dos anos 1980, Capinan faz sucesso com letras cuja temática principal é o amor, como Coração Imprudente, parceria com Paulinho da Viola, Papel Maché, musicada por João Bosco, e Moça Bonita, com Geraldo Azevedo. Mas a verve política não o abandona. Em 2000, em consequência das comemorações dos 500 anos do Brasil, compõe com Tom Zé uma canção crítica da história brasileira. O assassinato do índio Galdino por jovens de classe média alta da capital federal, em 1997, é lembrado como metonímia do desamparo indígena - nossos primeiros descobridores - desde o início do processo civilizador no país ("Meu nome é Galdino / Meu nome é Brasil / Um gigante-menino / Um navio sem destino / No ano dois mil / Se eu pudesse atrasaria / Este relógio dois mil / Pra rezar na primeira missa / Pelo futuro do Brasil").
Obras 1
Espetáculos 2
Fontes de pesquisa 24
- 150 anos de pintura no Brasil: 1820-1970. Rio de Janeiro: Colorama, 1989. R703.0981 P818d
- ALVES, Marieta. Dicionário de Artistas e Artífices da Bahia. Salvador: Editora UFBA, 1976. 210 p. Não catalogado
- BRAGA, Theodoro. Artistas pintores no Brasil. São Paulo: São Paulo Editora, 1942. R703.0981 B813a
- BRITTO, Paulo Henriques. A temática noturna no rock pós-tropicalista. In: DUARTE, Paulo Sérgio; NAVES, Santuza Cambraia (orgs.). Do samba-canção à Tropicália. Rio de Janeiro: Relume-Dumará: Faperj, 2003, p.191-200.
- CAMPOFIORITO, Quirino. A pintura remanescente da Colônia: 1800 - 1830. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. 64 p., il. p&b color. (História da pintura brasileira no século XIX, 1). 759.981034 C198h v.1
- CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983. 759.981034 C198hi
- CAPINAN. In: Brasil de dentro. Disponível em: http://brasildedentro.blogspot.com/2011/09/capinan.html. Acesso em 01 Dezembro 2011.
- CAPINAN. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/capinan. Acesso em 01 Dezembro 2011.
- CAPINAN. In: Poesia dos Brasis - Bahia. Disponível em: http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/bahia/carpinan.html. Acesso em 05 Dezembro 2011.
- CAPINAN. In: Wikipédia: a Enciclopédia Livre. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Carlos_Capinam. Acesso em 01 Dezembro 2011.
- DICIONÁRIO brasileiro de artistas plásticos. Organização Carlos Cavalcanti e Walmir Ayala. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973-1980. 4v. (Dicionários especializados, 5). R703.0981 C376d v.1 pt. 1
- FREIRE, Laudelino. Um século de pintura: apontamentos para a história da pintura no Brasil de 1816-1916. Rio de Janeiro: Fontana, 1983. 759.981034 F866u
- LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico da pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988. R759.981 L533d
- MERQUIOR, José Guilherme. "Capinan e a nova lírica" In CAPINAN, José Carlos. Inquisitorial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1995.
- NAVES, Santuza Cambraia. Da bossa nova à tropicália. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001.
- OS PINTORES do Bonfim: Jesus rei dos homens. São Paulo: Pinacoteca do Estado, 1999. 40 p., il. color. SPpe 1999/p
- OTT, Carlos. Noções sobre a procedência d´arte de pintura na província da Bahia: manuscrito da Biblioteca Nacional. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 11, p. 197-224, 1947. Não catalogado
- QUERINO, Manoel R. Artistas bahianos (indicações biographicas). Bahia: Officinas da Empreza “A Bahia”, 1911. Não catalogado
- REIS JÚNIOR, José Maria dos. História da pintura no Brasil. Prefácio Oswaldo Teixeira. São Paulo: Leia, 1944. 759.981 R375h
- RIBEIRO, Julio Naves. Lugar nenhum ou Bora Bora?: narrativas do rock brasileiros anos 80. São Paulo: Annablume, 2009.
- RUBENS, Carlos. Pequena história das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1941. (Brasiliana. Série 5ª: biblioteca pedagógica brasileira, 198). 709.81 R895p Ed. ilust.
- VALLADARES, Clarival do Prado. Nordeste histórico e monumental - IV. Versão em inglês James Mulholland. Salvador, BA: Odebrecht, 1990. v. 4 . 709.81 V176n v. 4
- VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997.
- ZAN, José Roberto. Jards Macalé: desafinando coros em tempos sombrios. In: Rev. USP no.87 São Paulo nov. 2010. Disponível em: http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-99892010000400014&script=sci_arttext Acesso em: 14 de junho de 2012.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
CAPINAN.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa2825/capinan. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7