Nitheroy: Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes
Texto
Histórico
Os jovens intelectuais Domingos José Gonçalves de Magalhães (1811-1882), Francisco Salles Torres Homem (1812-1876) e Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879) convivem com políticos e intelectuais envolvidos no processo de independência do Brasil. Também participam, ao lado do grupo monárquico moderado, de debates que caracterizam a atividade jornalística durante o Primeiro Reinado e os primeiros anos da Regência. Depois disso, viajam à Paris, onde, em 1836, editam a Nitheroy: Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes.
Na capital francesa durante os primeiros anos da Revolução de Julho (1830-1848), que encerra o absolutismo e apoia o liberalismo político e econômico, o grupo assiste à consolidação da estética romântica na Europa. Paralelamente, entra em contato com os postulados do ecletismo-espiritualista, doutrina filosófica desenvolvida pelo francês Victor Cousin (1792-1867). Tal doutrina apoia-se no liberalismo econômico, prega o conservadorismo político, a obediência às leis e o respeito às instituições do governo como lastros para o desenvolvimento das nações.
A revista apropria-se dessas referências, sem perder de vista as revoltas e os embates partidários que caracterizam a política brasileira nas primeiras décadas do século XIX. Assume como proposta editorial a publicação de textos variados que estimulam a discussão de temas polêmicos e de interesse nacional. Entre eles, utilização da mão de obra escrava, concessão de créditos públicos, comércio internacional, finanças e uso de novas tecnologias na agricultura.
Na capa das duas únicas edições do periódico, a epígrafe “Tudo pelo Brasil, e para o Brasil”, resume o posicionamento ideológico dos editores e colaboradores. Assinala o início de uma nova fase da imprensa nacional, caracterizada pelo engajamento dos homens de ciências e letras no ideário de nação.
Apontada por críticos como Antonio Candido (1918-2017) e José Roberto de Faria (1952) como responsável pela introdução dos preceitos da escola romântica no país, a Nitheroy traz textos importantes. Eles compreendem as especificidades estéticas e ideológicas que, a partir da década de 1840, influenciam a produção artística e as apreciações críticas realizadas no Brasil.
No campo das letras, destaca-se, por seu conteúdo e relevância, o artigo “Ensaio sobre a História da Literatura do Brasil – Estudo Preliminar” com grande repercussão no meio literário brasileiro.
Compreendido como um manifesto do romantismo nacional, o artigo escrito por Gonçalves de Magalhães, aponta rumos para a afirmação da nova estética. Busca justificar, por meio da história, a existência de características específicas na literatura nacional. Propõe a substituição de temas vinculados à mitologia pagã e à paisagem europeia por outros relacionados aos elementos nativos e aos preceitos do cristianismo. Enfatizando sua argumentação em favor dessa nova proposta, o autor, já consagrado pela publicação de Poesias (1832), apresenta, em 1836, o livro Suspiros Poéticos e Saudades. Sobre o livro, Torres Homem escreve e publica um comentário, no segundo número da revista, em que exalta o caráter inovador da obra, identificando-a como a primeira manifestação da “escola moderna”.
Seguindo o mesmo viés historicista, o texto “Ideias sobre a Música”, escrito por Manuel de Araújo Porto-Alegre, relaciona a atividade musical ao desenvolvimento das nações antigas. Na sequência, aponta as especificidades da música brasileira apresentando os esboços biográficos dos compositores José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) e Francisco Manuel da Silva (1795-1865), entre outros.
O texto reúne, pela primeira vez, informações sobre a atividade de músicos e intérpretes do período e representa uma fonte de pesquisa importante para estudiosos da história da música nacional.
Em relação às artes plásticas, destaca-se a análise feita por Gonçalves de Magalhães sobre os dois primeiros volumes do livro Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil, escrito e ilustrado pelo pintor e integrante da Missão Artística Francesa Jean Baptiste Debret (1768-1848). No artigo crítico, o autor ressalta a importância desse trabalho para a divulgação na Europa de informações confiáveis sobre a natureza, os habitantes e os costumes do Brasil, e elogia a veracidade histórica das ilustrações. Apresenta ainda informações sobre a instalação da Academia Imperial de Belas Artes (Aiba) e enfatiza a importância das atividades desempenhadas pelo artista em seu esforço para propagar o gosto pelas belas-artes no país.
Em outro artigo, intitulado “Belas Artes”, Porto-Alegre comenta uma pintura de Félix Émile Taunay (1795-1881) representando a família imperial em seu quarto de estudo e elogia o artista que, na época, ocupa o cargo de diretor da Academia.
De maneira geral, os conteúdos relacionados às artes e à literatura publicados nas páginas da Nitheroy assinalam a intenção de romper com as referências estéticas do neoclassicismo europeu e valorizar, na produção cultural, temas relacionados à história, à política e à cultura do Império recém-fundado.
Os dois números publicados apresentam um posicionamento absorvido por outras publicações nacionais, como as revistas Minerva Brasiliense (1843-1845) e Guanabara (1849-1855). Junta-se a elas a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1839) para fixar a estética romântica nacional, atrelando-a à exaltação da pátria e ao projeto civilizatório de políticos e intelectuais favoráveis ao poder monárquico.
Fontes de pesquisa 4
- FARIA, João Roberto de. Ideias teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2001. (Coleção Textos, 15).
- NYTHEROY: revista brasiliense de ciências, letras e artes. Paris: Dauvin et Fontaine, 1836. (edição fac-similar).
- SQUEFF, Letícia Coelho. O Brasil nas letras de um pintor: Manuel de Araújo Porto-Alegre (1806-1879). Campinas: Unicamp, 2004.
- TEIXEIRENSE, Pedro Ivo C. O jogo das tradições: a ideia de Brasil nas páginas da revista Nitheroy (1836). Dissertação (Mestrado em História) – Departamento de História da Universidade de Brasília, Brasília, 2006.
Como citar
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NITHEROY: Revista Brasiliense de Ciências, Letras e Artes.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra60611/nitheroy-revista-brasiliense-de-ciencias-letras-e-artes. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7