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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Memórias Sentimentais de João Miramar

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 18.10.2024
1924
Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Memórias Sentimentais de João Miramar, 1924
Oswald de Andrade
Brasiliana Itaú/Acervo Banco Itaú

Marco inaugural da prosa modernista brasileira, Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade (1890-1954), é escrito entre 1916 e 1923 e lançado em 1924 pela Livraria Editora Independência, com tiragem limitada. Ao lado do romance Serafim Ponte Grande (1933), a obra compõe um dos núcleos da prosa em que Oswald formaliza as proposta...

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Marco inaugural da prosa modernista brasileira, Memórias Sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade (1890-1954), é escrito entre 1916 e 1923 e lançado em 1924 pela Livraria Editora Independência, com tiragem limitada. Ao lado do romance Serafim Ponte Grande (1933), a obra compõe um dos núcleos da prosa em que Oswald formaliza as propostas da vanguarda artística da Semana de Arte Moderna de 1922. O texto destaca-se pela invenção poética e pelo ataque à cultura bacharelesca e ao parnasianismo dos anos 1920, representados pelos poetas Olavo Bilac (1865-1918) e Coelho Neto (1864-1934). Abandonando o psicologismo e a atmosfera decadentista e católica presente em Os Condenados (1922), Memórias Sentimentais de João Miramar tem papel importante nos rumos da ficção do autor. Antecipa a redação do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” (1924) e de Serafim Ponte Grande, e inspira criações fundamentais, como o romance Macunaíma (1928), de Mário de Andrade (1893-1945).

Dividido em 163 episódios-fragmentos, Memórias Sentimentais de João Miramar é narrado pelo personagem do título, filho da burguesia paulistana, que reconstrói fatos marcantes de sua biografia. Começando a narrativa na infância, Miramar reúne suas impressões sobre o ambiente doméstico, a morte paterna, a adolescência, os primeiros amores, a boêmia e a primeira viagem à Europa, a bordo do navio Marta. De regresso a São Paulo, o herói é surpreendido pela morte da mãe. Casa-se com a prima Célia, herdeira de uma família de fazendeiros de café, com quem tem uma filha. Patriarca cafeeiro, malandro e dilapidador da fortuna alheia, Miramar segue o destino de um homem de sua classe – vive dos lucros do café e mantém um caso extraconjugal com uma atriz de cinema, Mademoiselle Rolah. Investimentos desastrosos numa produtora cinematográfica e a descoberta do adultério levam-no à ruína financeira e ao desquite. A narrativa é interrompida após o falecimento de sua ex-mulher, quando ele se apropria da fortuna deixada à filha. Ainda que obedeça ao itinerário clássico das “memórias”, a cronologia da narrativa é fragmentada, e o tratamento formal dado ao texto funde prosa e poesia, com uma linguagem concisa e inventiva. 

Da crítica produzida na época, destacam-se os comentários de Mário de Andrade. Nacionalista, Mário considera que o livro, disposto a se aproximar da vanguarda europeia, carece de elementos para a construção de uma “língua brasileira” e a formação de uma “consciência nacional”. Não deixa de salientar, entretanto, dados de uma “construção brasileira” presentes, por exemplo, em Miramar, “personagem-em-evolução”, sem caráter predeterminado e fixo – traço de mobilidade que encontra expressão máxima, anos depois, na figura de Macunaíma, “o herói sem nenhum caráter”.

Novas interpretações de Memórias... surgem entre as décadas de 1940 e 1970. O crítico literário Antonio Candido (1918) divide a prosa do escritor em três grandes núcleos, divergentes em qualidade e rendimento. Como Serafim Ponte Grande, Memórias Sentimentais de João Miramar exibe o melhor da produção ficcional de Oswald. Supera o rebuscamento liguístico, a inclinação católica e a retórica decadentista presentes nos romances da primeira fase: A Trilogia do Exílio (Os Condenados [1922], Estrela de Absinto [1927] e A Escada Vermelha [1934]). Supera, também, o veio naturalista nos dois volumes que compõem a série inacabada Marco Zero [A Revolução Melancólica (1944)  e Chão (1945)], momento em que Oswald, convertido ao marxismo, arrisca-se no romance social. Entre os traços que asseguram a superioridade de Memórias, Candido chama atenção para o humor, a demolição de convenções literárias, a descontinuidade narrativa, a sátira social e a prosa elíptica e telegráfica, de grande densidade poética. Outro aspecto-chave indicado pelo ensaísta são os relatos de viagens, metáfora para renovação e libertação da personagem das normas e convenções da vida burguesa e conformista.

Em ensaio publicado em 1964, comemorando à reedição dos quarenta anos do livro, Haroldo de Campos (1929-2003) define o romance como “obra divisora de águas” da ficção brasileira. Ao descrever as inovações da obra de Oswald, indica sua influência formal no romance Macunaíma, de Mário de Andrade, no uso da paródia e na sátira à oratória dos literatos de província. Campos demonstra ainda as afinidades entre o experimento de Oswald e a sensibilidade modernista europeia, presente no futurismo do poeta italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944) e na obra do escritor irlandês James Joyce (1882 - 1941).   

A contribuição de Memórias... para a literatura brasileira pode ser avaliada de diferentes maneiras: estilisticamente, o romance cria condições para que a ficção supere o academicismo da época, destruindo convenções e hábitos poéticos ultrapassdos pelas transformações dos novos tempos. Em diálogo com a vanguarda, toma a radicalidade como pressuposto para composição literária, sem descartaro o contexto brasileiro. Ponto de passagem para o desenvolvimento da ficção oswaldiana, Memórias Sentimentais de João Miramar cumpre papel fundamental ao sedimentar as bases poéticas de um projeto que tem repercussão sobre a ficção brasileira moderna, irradiando-se com força sobre a literatura até as décadas de 1960 e 1970.

Fontes de pesquisa 6

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  • ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. São Paulo: Círculo do Livro, s.d.
  • CAMPOS, Haroldo de Campos. Miramar na mira. In: ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. Posfácio. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
  • CAMPOS, Haroldo de. Serafim: um grande não-livro. In: ANDRADE, Oswald de. Serafim Ponte Grande. Prefácio. São Paulo: Círculo do Livro, s.d.
  • CANDIDO, Antonio. Digressão sentimental sobre Oswald de Andrade. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. p. 57-87.
  • CANDIDO, Antonio. Estouro e libertação. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. p. 33-50.
  • CANDIDO, Antonio. Oswald viajante. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970. p. 51-56.

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