Teatro de Arena (Tapa)
Texto
O Teatro de Arena de Porto Alegre tem sua trajetória marcada pelo posicionamento engajado na oposição à censura, o que o leva a encenar peças de autores como Plínio Marcos, Oduvaldo Vianna Filho, Consuelo de Castro, Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri. Seus principais modelos são o Grupo Opinião, o Teatro Oficina ou mesmo o Teatro de Arena de São Paulo, que muitas vezes cede cenários e figurinos às montagens do grupo gaúcho.
No início de 1967, cansados de disputar datas nos raros espaços da cidade, os integrantes do Grupo de Teatro Independente - GTI planejam construir a própria sede. Ante o ceticismo dos colegas, Jairo de Andrade escolhe o subsolo abandonado de um edifício na subida do viaduto Otávio Rocha, no centro da cidade. No espaço disponível só seria possível construir um pequeno teatro em forma de arena e, ainda assim, seria necessário pelo menos mais 1,5 metro de profundidade. Nos meses seguintes, os próprios atores cavam o subsolo e "expropriam" tijolos e materiais de construção de outras obras da cidade.
O novo teatro, com capacidade para 120 lugares, é inaugurado em outubro de 1967, com O Santo Inquérito, de Dias Gomes, já apontando o perfil do grupo, que enfatiza a dramaturgia nacional e a discussão da realidade brasileira. O grupo passa a se chamar Teatro de Arena de Porto Alegre - Tapa, e, em poucos meses de atuação, torna-se alvo da repressão oficial e clandestina. Em outubro de 1968, os atores do grupo Oficina que apresentavam a peça Roda Viva, de Chico Buarque (1944), são espancados na saída do Teatro Leopoldina. Logo depois, o Teatro de Arena recebe uma carta assinada pelo Comando de Caça aos Comunistas - CCC, ameaçando: "Estamos preparados para liquidar o Teatro de Arena no tempo exato de 1 minuto e 35 segundos".
Poucas semanas depois, um batalhão do Exército invade o teatro em busca de armas que supostamente seriam usadas na luta armada. Na verdade, são carcaças de fuzis do início do século emprestadas pela Brigada Militar para a montagem de Os Fuzis da Senhora Carrar. Mesmo assim, Jairo de Andrade é espancado e as "armas" são apreendidas. Nessa noite, com o teatro lotado, os atores empunham vassouras em lugar das espingardas e a apresentação transforma-se em manifestação contra a ditadura.
Embora muitas vezes criticado pela simplicidade cênica de suas montagens, o Teatro de Arena contribui decisivamente para a qualificação do teatro gaúcho, ao contratar diretores do outras cidades do país para diversas montagens. O jovem amazonense Wagner Mello, que depois integra os Dzi Croquettes, permanece dois anos em Porto Alegre para dirigir Álbum de Família, de Nelson Rodrigues; Os Fuzis da Senhora Carrar, de Brecht; Entre Quatro Paredes, de Jean-Paul Sartre, todas em 1968; e, no ano seguinte, Cordélia Brasil, de Antônio Bivar, cuja encenação é proibida após três apresentações. A carioca Ana Maria Taborda dirige Um, Dois, Três de Oliveira Quatro, de Lafayette Galvão, e coordena o Teatro Jornal, baseado em estudos de Augusto Boal, censurado em sua primeira edição, ambos em 1971. Depois deles, o Arena chama Luiz Carlos Arutin, que dirige Arena Conta Tiradentes, de Boal e Gianfrancesco Guarnieri; João das Neves para encenar Jornada de um Imbecil até o Entendimento, de Plínio Marcos; José Rubens Siqueira, que monta À Flor da Pele, de Consuelo de Castro; Aderbal Freire-Filho para realizar Corpo a Corpo, de Oduvaldo Vianna Filho; e Mario Masetti, que apresenta Caminho de Volta, de Consuelo de Castro.
A maior contribuição do Arena é a montagem de Mockinpott, de Peter Weiss, nascida de um convênio com o Instituto Cultural Brasil-Alemanha, em 1975. Para dirigir o espetáculo, chega a Porto Alegre o espanhol José Luiz Gómez, que vence o prêmio de melhor ator do Festival de Cannes desse ano, pelo filme Pascal Duarte. Ele revoluciona tudo o que os gaúchos pensam sobre teatro. O texto escrito em versos mostra a conscientização de um sujeito pacato e alienado que, por uma sucessão de acontecimentos, torna-se vítima do sistema. E o diretor escolhe o picadeiro de um circo como cenário para contar a história, valorizada pelos figurinos da artista plástica argentina Renata Shussheime e a música do compositor gaúcho Flávio Oliveira, que mistura melodias conventuais da Idade Média com terno-de-reis do folclore gaúcho.
Os ensaios duram até 15 horas consecutivas. Por vezes, o diretor obriga o ator a repetir determinada fala por três horas até que encontre o significado exato. "Mockinpott era um fio de violino, que ele esticou os atores na capacidade máxima e tirou o inacreditável de todo mundo, mas era resultado de muita exigência, de muita disciplina", testemunha Paulo Albuquerque, assistente de direção do espetáculo.1
O crítico Luiz Carlos Lisboa faz a mesma avaliação sobre o papel de Gómez: "Ele trabalhou ator por ator, despersonalizou cada um e tornou-os maravilhosos marionetes que soube colocar no contexto da peça".2
O rigor do espanhol provoca dois adiamentos da estréia de Mockinpott, até que se desse por satisfeito. Depois de estrear em Porto Alegre, a peça percorre diversas capitais. No Rio de Janeiro, é recomendada com entusiasmo pela Associação Carioca de Críticos Teatrais - ACCT, presidida por Yan Michalski. Mas, em São Paulo, é proibida duas horas antes da estréia, motivando uma ampla campanha nacional contra a censura. Uma comissão integrada por artistas como Raul Cortez, Elis Regina e Ruth Escobar vai a Brasília e consegue sua liberação pelo Ministério da Justiça.
O Tapa também sedia reuniões políticas de estudantes e sindicalistas, especialmente durante a campanha pela anistia. Numa fase aguda de dificuldades financeiras, Jairo de Andrade e Marlise Saueressig são obrigados a morar no teatro. Depois, graças ao sucesso de À Flor da Pele, de 1974, conseguem recursos para comprar a sede. Na peça, Marlise estréia como atriz e ganha todos os prêmios do ano. Dois anos mais tarde, ao interpretar a líder messiânica Jacobina Maurer no filme Os Mucker, de Wolf Gauer e Jorge Bodansky, ela conquista o Kikito de melhor atriz do Festival de Cinema de Gramado.
O Teatro de Arena sobrevive com dificuldades pela ação da censura e por sofrer discriminação na distribuição das verbas oficiais, que revertem, em geral, para peças de sucesso com menos ingredientes políticos. Para viabilizar as montagens, recorre às entidades estudantis, que compram ingressos para distribuição entre os calouros. Os figurinos e cenários são feitos com roupas usadas e materiais doados.
A situação se agrava nos últimos anos da década de 1970, até que se torna insuportável. O Teatro de Arena fecha as portas em 1980. No período seguinte, o prédio se deteriora e sofre a ameaça de ser transformado em estacionamento. Somente oito anos depois, graças à mobilização da classe artística, é desapropriado pelo governo do Estado e reabre como espaço público. Atualmente, mantém uma programação teatral e abriga o Centro de Desenvolvimento, Pesquisa e Documentação de Artes Cênicas Sônia Duro, onde podem ser encontrados textos censurados pela Polícia Federal.
Além de se constituir no principal espaço de resistência cultural da cidade, o Tapa, antes de seu fechamento, abre espaço para uma nova geração de diretores e artistas, ao criar o Grêmio Dramático Açores, do qual emergem artistas do teatro gaúcho que tem destacada atuação nas décadas seguintes.
Notas
1. GUIMARAENS, Rafael. Teatro de Arena - palco de resistência. Porto Alegre: Libretos, 2007.
2. LISBOA, Luiz Carlos, Zero Hora, 2 jun. 1975.
Espetáculos 24
Fontes de pesquisa 3
- GUIMARAENS, Rafael. Teatro de Arena - palco de resistência. Porto Alegre: Libretos, 2007.
- KILPP, Suzana. Os Cacos do Teatro: Porto Alegre, anos 70. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1996.
- TEATRO EM REVISTA. Porto Alegre, 1968. n. 1, 2, 3 e 4.
Como citar
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TEATRO de Arena (Tapa).
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo387819/teatro-de-arena-tapa. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7