Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams)
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Os Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams) são eventos que reúnem arquitetos modernos proeminentes das décadas de 1930 a 1960, como o suíço Le Corbusier (1887-1965) e o alemão Walter Gropius (1883-1969). Essas reuniões estabelecem diretrizes e influenciam os projetos das cidades ao redor do mundo, como Brasília, projetada em 1957 pelos arquitetos Oscar Niemeyer (1907-2012) e Lúcio Costa (1902-1998).
A primeira edição dos Ciams acontece em 1928, na Suíça. No total, são realizados dez congressos, o último, em 1959, na Iugoslávia. Os temas abordam as diferentes escalas da cidade com um caráter dogmático e social, como a necessidade de definição do projeto da unidade mínima de habitação (2º Ciam, Frankfurt) e o planejamento de cidades inteiras (4º Ciam, Grécia).
O estabelecimento dos Ciams é consequência direta do momento com que o mundo se depara após a Revolução Industrial e a Primeira Guerra Mundial, quando paradigmas do modo de vida são rompidos. O aumento da produção e do consumo, decorrentes da Revolução Industrial, no final do século XIX, impulsiona o crescimento acelerado dos centros urbanos. A guerra, por sua vez, destrói cidades inteiras e afeta a economia mundial.
O déficit habitacional europeu dessa época atinge uma escala que demanda maior intervenção do Estado. Sua interferência torna-se fundamental para garantir às classes mais baixas o acesso à moradia, seja na concessão de créditos, seja no financiamento integral da construção de alojamentos. Maior participação estatal na concepção das cidades amplia o escopo de atuação dos arquitetos, que começam a se envolver em projetos de conjuntos habitacionais, de legislação urbanística e no desenho dos centros urbanos.
É nesse cenário que os arquitetos modernos se reúnem no 1º Ciam, com o intuito de articular ideias e, também, de se posicionarem politicamente como categoria. A criação dos Ciams constitui um marco do amadurecimento do modernismo como movimento. Divergências entre membros do grupo sobre a atuação do Estado não permitem a elaboração de princípios rígidos, mas sim a conclamação de um código de conceitos que deve ser seguido em prol de cidades mais salubres.
Princípios como a funcionalidade, a aplicação de inovações tecnológicas, a flexibilidade e a padronização de materiais para otimizar os recursos são defendidos. A cidade modernista deve funcionar igualmente para todos os seus habitantes, que podem assim usufruir de seus avanços técnicos. Desse modo, é possível replicar incansavelmente esse modelo, pois alcança o propósito ideal de cidade.
No Brasil, a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São Paulo, é um marco da influência da vanguarda modernista europeia. Na arquitetura, identifica-se inicialmente certa dificuldade para aplicar projetos modernistas devido ao alto custo, à falta de mão de obra especializada e à legislação urbanística. Ainda assim, Le Corbusier e o racionalismo modernista influenciam desde cedo a arquitetura brasileira. O arquiteto visita o Brasil em 1929, período que coincide com o Estado Novo de Getúlio Vargas e com a realização do 2º Ciam. Elabora ensaios de projetos para as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, apresentados em sua obra Precisões (2004), e participa efetivamente de projetos como o do Ministério da Educação e Saúde (MES), no Rio de Janeiro (1936-1943). A verticalização do edifício do MES, o terraço-jardim e seus brises-soleil[1] são qualidades defendidas por Le Corbusier.
A primeira casa modernista brasileira (São Paulo, 1928), do arquiteto russo Gregori Warchavchik (1896-1972), e a Vila Operária da Gamboa (Rio de Janeiro, 1930) projetada por Warchavchik e Lúcio Costa, também são projetos característicos do movimento e pioneiros no cenário nacional.
Em 1933, é realizado o quarto Ciam, a bordo de um navio que parte de Marselha e dirige-se a Atenas. Desse encontro surge a Carta de Atenas (1941), que se configura como importante documento de metodologia de projeto para as cidades modernistas e elenca fórmulas a serem aplicadas ao redor do mundo. Defende pontos como o zoneamento funcional e os conjuntos habitacionais com eficiente equipamento coletivo e discute sobre a higiene das unidades habitacionais, que devem ter um mínimo de insolação. As cidades devem se apoiar em quatro funções: habitar, trabalhar, recrear (nas horas livres) e circular. O projeto de Brasília, com o modelo das superquadras e o planejamento do uso do solo setorizado, é considerado “a mais completa aplicação dos princípios contidos na Carta de Atenas”[2].
Na década de 1960, já se vê um movimento crítico aos padrões definidos pelos Ciams, como em relação à monotonia das paisagens urbanas geradas pela racionalização dos projetos. Essa agitação é denominada posteriormente de crítica pós-moderna. A demolição do reverenciado conjunto habitacional modernista de Pruitt-Igoe, em St. Louis, nos Estados Unidos, em 1972, é comumente associada ao marco do fim da apologia ao conceito modernista de habitação social.
A dissolução dos Ciams origina o Team 10, organização que congrega arquitetos de uma geração mais jovem e realiza uma revisão crítica dos conceitos abordados nos Ciams. Origina-se com o grupo o novo brutalismo e o estruturalismo, dois movimentos arquitetônicos distintos da metade do século XX.
Os Ciams geram a mobilização de uma geração inteira de arquitetos e influenciam movimentos posteriores da arquitetura mundial. Seus ideais ainda reverberam na sociedade atual e podem ser vistos em muitos projetos de arquitetura contemporâneos.
Notas
1. Elemento da fachada de um edifício que protege a parte interna da incidência da luz solar e reduz o calor.
2. LE CORBUSIER. A Carta de Atenas. Versão de Le Corbusier. Tradução Rebeca Scherer. São Paulo: Hucitec: Edusp, 1993.
Fontes de pesquisa 10
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- LE CORBUSIER. Precisões. Sobre um estado presente da arquitetura e do urbanismo. Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura; posfácio Carlos A. Ferreira Martins. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
- MACIEL, Carlos Alberto. Villa Savoye: arquitetura e manifesto. Arquitextos. Vitruvius, São Paulo, 2 maio 2002. Disponível em: https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.024/785. Acesso em: 7. mar. 2020.
- NESBITT, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura: antologia teórica (1965-1995). Tradução Vera Pereira. 2. ed. rev. São Paulo: Cosac Naify, 2013. 672 p., 16 ils.
- RUBIN, Graziela Rossatto. Movimento Moderno e habitação social no Brasil. Geografia Ensino & Pesquisa, Santa Maria, maio/ago 2013. UFSM. v. 17.
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CONGRESSOS Internacionais de Arquitetura Moderna (Ciams).
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
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Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7