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Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

O Último Carro

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 11.09.2024
30.03.1976 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro – Teatro Opinião
A peça O Último Carro é escrita por João das Neves (1934), durante os anos de 1964 e 1965. Em 1966, ganha o prêmio do Seminário de Dramaturgia Carioca, mas só pode ser encenada dez anos depois, produzida pelo Grupo Opinião. Em março de 1976 a montagem estreia no Rio de Janeiro e faz uma longa temporada na cidade. De acordo com Sábato Magaldi (19...

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Histórico
A peça O Último Carro é escrita por João das Neves (1934), durante os anos de 1964 e 1965. Em 1966, ganha o prêmio do Seminário de Dramaturgia Carioca, mas só pode ser encenada dez anos depois, produzida pelo Grupo Opinião. Em março de 1976 a montagem estreia no Rio de Janeiro e faz uma longa temporada na cidade. De acordo com Sábato Magaldi (1927), a montagem tem grande sucesso do ano de 1976. “A peça vai além da maioria dos textos sociais da época, revelando a preocupação de apelar para o simbólico e uma liberdade associativa de personagens e situações que não se contém nos limites do naturalismo”.1 A metáfora do trem desgovernado perpassada por cenas da vida cotidiana dos moradores das periferias cariocas, serve para descortinar novos caminhos estéticos e dramatúrgicos na produção teatral dos anos 1970.

O texto retrata a situação de sujeitos com vidas precárias e que cotidianamente se deslocam pela cidade utilizando o trem como meio de transporte. "O último carro é um trabalho que retoma em [19] 76 um fio perdido há algum tempo. [...] É um texto que o povo brasileiro é agente e paciente, autor e interprete de si mesmo. Seu universo é o dos subúrbios cariocas, onde vivem mais de 65% da população útil do Rio de Janeiro”.2 Ainda que diferenciados, todos os personagens são socialmente marginalizados, tais como: operários, mendigos, prostitutas, bêbados, camponeses, assaltantes, entre outros. Não existem protagonistas ou personagens centrais. O eixo estrutural da narrativa é o próprio trem desgovernado, transversal à vida e à morte dos sujeitos. "A grande personagem da peça é o trem. Que com a sua capacidade de abrangência ela cerca todos os outros. Ela vira um sujeito. Não só um sujeito ela vira uma metáfora do Brasil, não é?"3

A peça é dividida em dois atos: o primeiro narra vários episódios ocorridos na estação do trem; e o segundo o desespero dos usuários quando percebem que o trem está sem maquinista e prestes a se chocar. No primeiro ato percebem-se os conflitos pessoais dos personagens e a espera infindável pelo trem. Nesse emaranhado de cenas podemos destacar algumas que nos ajudam na compreensão da peça: o casal de jovens que discute sobre uma gravidez indesejada da garota; os operários que discutem as precárias condições do trem; o casal de mendigos que briga por dinheiro e o policial que os rouba; uma criança que brinca na urina de um bêbado; a prostituta que é estuprada em um dos vagões, etc. No segundo ato, esses e outros personagens são deslocados para o interior dos vagões e o conflito que se instaura é encontrar formas de parar o trem e sobreviver à tragédia. De acordo com João das Neves: "Do estado de semi-letargia em que se encontra, a maioria dos passageiros é jogada no torvelinho dos acontecimentos. A aparente uniformidade de comportamento começa a ser quebrada".4 Alguns operários tentam mobilizar as pessoas a irem para o último carro do trem, mas muitos preferem acreditar em um beato, que os incita a esperar a morte chegar. Ao final da peça, o trem se choca, mas os passageiros do último carro, já desvencilhado do restante, conseguem sobreviver.

Há uma grande dificuldade de se enquadrar a peça em um gênero específico, consequência de suas singularidades textuais e estéticas. No que tange a encenação, ocorre grande modificação no espaço do Teatro Opinião. Germano Blum (1932-1989) constrói o cenário de forma que o público parece estar situado dentro do trem, sentado em bancos que lembram os da Central do Brasil. Todas as ações da peça ocorrem nesses vagões, de forma simultânea, mas com uma cena principal ocupando o foco central da encenação momentaneamente. De acordo com o crítico Yan Michalski (1932-1990), a partir desta montagem, o Grupo Opinião volta ao primeiro plano da vida teatral carioca. "Numa fantástica ambientação cenográfica de Germano Blum, que dá ao espectador a exata sensação de estar viajando num trem de subúrbio, desenrola-se uma série de pequenos, mas terríveis dramas cotidianos".5

A trilha sonora é elaborada por Rufo Herrera, com sons de trens chegando e partindo, além de ruídos sonoros estruturados a partir da interpretação dos atores. Outro elemento de extrema importância para a montagem é a utilização de vídeos que compõem uma perspectiva de múltiplos ambientes. A cena final, na qual o trem se choca, é criada por meio de imagens e projeções de filmes. Os figurinos, criados pelos próprios atores, colaboram para dar um caráter realista à montagem.

Uma característica importante do elenco é a quantidade e a variedade de experiências. Foram colocadas em cena aproximadamente 40 pessoas mesclando atores com experiência e outros que nunca tinham atuado. Tal proposta tinha como objetivo dar a dimensão da multidão que se desloca cotidianamente no trem. Entre os nomes já conhecidos podemos citar os de Ivan Candido (1929), Ivan de Almeida (1938), Anselmo Vasconcellos (1953), além do próprio João das Neves que trabalhou como ator fazendo o mendigo Zé.

A peça seguiu o sucesso inaugurado por Gota D’água, de Chico Buarque (1944) e Paulo Pontes (1940-1976), no ano anterior. As duas montagens ficaram conhecidas por retomarem nos anos 1970 a discussão concreta dos problemas do povo brasileiro. "Essas duas peças, ligam-se a uma tradição fortemente abalada em 1964 e, mais ainda, em 1968, porém, jamais inteiramente soterrada: a tradição do “teatro político”.6

A peça foi considerada o maior sucesso da temporada teatral carioca, arrebatando diversos prêmios, entre eles, o Mambembe e o Molière, nas categorias de melhor texto e direção. Em 1977, a peça estreou em São Paulo convidada para participar da Bienal e repetiu o sucesso conquistado na temporada do Rio de Janeiro.

 

Notas
1 MAGALDI, Sábato. Teatro em foco. São Paulo: Perspectiva, 2008. p.132
2 NEVES, João das. O último carro. Rio de Janeiro: Grupo Opinião, 1976. p.5
3 DAS NEVES, João. João das Neves. Lagoa Santa : [s.n.], 2013. Entrevista concedida a Natália Cristina Batista.
4 NEVES, João das. A Análise do Texto Teatral. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Europa, 1997. p.57
5 MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,1985. p. 67.
6 COUTINHO, Carlos Nelson. No caminho de uma dramaturgia nacional-popular. In: O ÚLTIMO Carro, 1977. Programa do espetáculo.

Ficha Técnica

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Mídias (1)

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Rufo Herrera: a trilha sonora de O Último Carro – Ocupação João das Neves (2015)
Itaú Cultural

Fontes de pesquisa 12

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  • COUTINHO, Carlos Nelson. No caminho de uma dramaturgia nacional-popular. In: O ÚLTIMO Carro, 1977. Programa do espetáculo.
  • HENRIQUE, Marilia Gomes. O realismo-encantatório de João das Neves. Dissertação (Mestrado) - Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas - IA/Unicamp. Campinas, 2006.
  • KÜHNER, Maria Helena. Opinião. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.
  • MAGALDI, Sábato. Depois do espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2003.
  • MAGALDI, Sábato. Teatro em foco. São Paulo: Perspectiva, 2008.
  • MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
  • NEVES, João das. A Análise do texto teatral. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Europa, 1997.
  • NEVES, João das. Ciclo de palestras sobre teatro brasileiro, 5. Rio de Janeiro: INACEN, 1987.
  • NEVES, João das. João das Neves. Lagoa Santa: [s.n.], 2013. Entrevista concedida a Natália Cristina Batista.
  • NEVES, João das. O último carro. Rio de Janeiro: Grupo Opinião, 1976.
  • PARANHOS, Kátia Rodrigues. Homens e mulheres do subúrbio: uma viagem de trem com João das Neves. In: ANAIS DO SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO. 9,. 2010, Florianópolis. Fazendo Gênero 9 – Diásporas, Diversidades, Deslocamentos. Florianópolis: UFSC, 2010.
  • PARANHOS, Kátia Rodrigues. O último carro: uma viagem de trem com João das Neves. In: PARANHOS, Kátia Rodrigues (org.). Grupos de teatro, dramaturgos e espaço cênico: cenas fora da ordem. Campinas/SP: Mercado de Letras, 2012.

Como citar

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