Choro
Texto
A palavra choro é inicialmente utilizada para designar grupos instrumentais sem formação fixa que animam, com música dançante, os bailes populares domésticos do Rio de Janeiro nas últimas décadas do século XIX, conhecidos como pagode, forrobodó ou chinfrim. Por extensão, o termo choro designa o próprio baile, frequentado por funcionários de órgãos públicos, empregados de firmas particulares de serviços urbanos e trabalhadores do comércio.
Os significados da palavra choro, em música, são amplos como os debates acerca de sua etimologia. O historiador Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) e o musicólogo Renato Almeida (1895-1981) defendem que o termo deriva da palavra xolo, baile praticado por negros escravizados nas fazendas coloniais. Para o musicólogo Ary Vasconcelos (1926-2003), trata-se de uma abreviação de choromeleiro (ou charameleiro), corporação de músicos especializados em instrumentos de sopro (entre eles, a charamela)1 que animam festas públicas das vilas mineiras coloniais. Transferindo-se para o Rio de Janeiro a partir de 1830, são responsáveis pelo acompanhamento de serenatas e serestas, e depois denominados simplesmente de “choros”. Outros autores afirmam que o som plangente do violão acompanhante, ou da própria melodia principal, executada de maneira chorosa, dá origem ao vocábulo.
No repertório executado pelos primeiros choros figuram danças em voga entre as elites – como valsa, schottisch, mazurca, quadrilha e, principalmente, polca –, que chegam ao Brasil nos anos 1840, logo após virar moda nas capitais europeias, com exceção da valsa, que é praticada no Rio de Janeiro desde a vinda da família real portuguesa. Inicialmente cultivadas em teatros fechados e salões aristocráticos, elas se espalham nas décadas seguintes, ouvidas e dançadas nas salas de visita das famílias de classe média ou ainda no espaço público das ruas e das festas populares.
Se nos salões da corte tais gêneros são tocados à europeia, respeitando-se a quadratura métrica do compasso, nos espaços populares seu ritmo é subvertido pelos chorões – instrumentistas que integram os grupos de choro. Em geral autodidatas, eles incorporam o balanço sincopado dos batuques e lundus praticados pela população negra do Rio de Janeiro. O termo choro passa a designar um modo característico de tocar as danças europeias, abrasileirando-as pelo ritmo2.
Com o tempo, as transformações introduzidas pelos músicos brasileiros nas danças europeias dão origem a um gênero com características próprias. Um dos responsáveis por sua fixação é o flautista e compositor Joaquim Antonio da Silva Callado (1848-1880). Sua polca “Flor Amorosa”, editada em 1877, é considerada uma das primeiras criações no gênero, que tem por características o compasso binário, a divisão em três partes, organizadas na forma de rondó3 e certa malícia rítmica – imperceptível na escrita em partitura, mas indispensável numa boa execução. Callado é também líder do conjunto Choro do Callado, com formação conhecida como “pau-e-corda”4. Entre esses, torna-se comum a prática da improvisação (com variações sobre uma mesma melodia) e da competição (pela aceleração do andamento, da passagem veloz do registro grave ao agudo ou da execução de trechos melódicos complexos, a fim de exibir destreza e “derrubar” o instrumentista oponente). Isso faz com que, pouco a pouco, o choro perca o caráter dançante e se torne música para ouvir, diferenciando-se das danças europeias que lhe dão origem ou de outros gêneros afro-brasileiros, como o maxixe. Além de Callado, contribuem com o processo de sedimentação do choro músicos como Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e Ernesto Nazareth (1863-1934).
As primeiras gravações de choro datam de 1902, realizadas pela Banda do Corpo de Bombeiros e pela Banda da Casa Edison, no Rio de Janeiro. Tais discos, contudo, ainda trazem em seus selos indicações de gêneros europeus como a polca, a valsa e a mazurca. É somente na década de 1910 que a palavra choro aparece na indústria fonográfica como designativa de um gênero, em composições como “Massada” (1911), de Lulu Cavaquinho, ou “Flamengo” (1913), de Bonfiglio de Oliveira (1891-1940). Mas é com o compositor Pixinguinha (1897-1973) que o choro atinge o ápice de seu desenvolvimento, do ponto de vista da complexidade melódica e rítmica, como se pode notar em composições como “Um a Zero” (1946) ou “Urubu Malandro” (1923). Pixinguinha também introduz mudanças formais, como a redução de três partes para duas, em composições como “Carinhoso” e “Lamentos”, ambas de 1928.
A geração seguinte – à qual pertencem nomes como o bandolinista Jacob do Bandolim (1918-1969), o cavaquinista Waldir Azevedo (1923-1980) e o clarinetista Abel Ferreira (1915-1980) – enfatiza o tecnicismo do choro, que fixa seu idioma5 próprio. Nos anos 1950, o flautista Altamiro Carrilho (1924-2012) destaca-se como um dos maiores intérpretes de choro do Brasil, adaptando diferentes gêneros e estilos ao idioma chorístico.
Após alguns anos sendo cultivado apenas pela velha guarda, o gênero renasce na década de 1970 como parte do projeto de valorização do nacional-popular. Com o nome de “chorinho”, o ritmo é divulgado por jovens músicos como Maurício Carrilho (1957) e os irmãos Rafael (1962-1995) e Luciana Rabello (1961).
O choro é o encontro de ritmos de origem africana com as danças de salão europeias, um representante de nossa cultura nacional, por suas ressignificações. No século XXI, mesmo sem apelo comercial, o choro permanece vivo, praticado por grupos e solistas de diversas regiões do país.
Notas:
1. Charamela: instrumento de sopro com palheta, de som estridente, considerado o antecessor do oboé.
2. O que dá origem, na virada para o século XX, a gêneros como polca-choro, valsa-choro ou choro-mazurca, que não eram senão as danças de salão tocadas à moda dos chorões.
3. Forma musical caracterizada pela alternância entre uma parte fixa, que se repete, e outras variadas. No caso do choro, a primeira parte (A) é fixa, enquanto as duas outras (B e C) são variáveis, o que configura a forma A-B-A-C-A.
4. Composto de flauta, violão e cavaquinho, consolida-se como a base instrumental típica dos grupos de choro, em geral constituídos por um acompanhamento rítmico-harmônico e um ou mais instrumentos solistas.
5. Uma tentativa de sistematização desse idioma é feita por Mário Sève em Vocabulário do Choro. Estudos e Composições.
Fontes de pesquisa 7
- ANDRADE, Mario de. Choro. In: Dicionário musical brasileiro. Coordenação de Oneyda Alvarenga e Flavia Camargo Toni. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, 1989. p. 136-138.
- BESSA, Virginia de Almeida. A escuta singular de Pixinguinha. História e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930. São Paulo: Alameda, 2010.
- CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao Municipal. São Paulo: Editora 34, 1998. Coleção Ouvido Musical.
- DINIZ, André. Joaquim Callado: O pai do choro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2008.
- MACHADO, Cacá. O enigma do homem célebre: ambição e vocação em Ernesto Nazareth. São Paulo: Instituto Moreira Sales, 2007.
- SÈVE, Mário. Vocabulário do choro. Estudos e composições. Rio de Janeiro: Lumiar, 1999.
- TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Editora 34, 1999.
Como citar
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CHORO.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo14277/choro. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7