Joaquim Antonio Callado
Texto
Biografia
Joaquim Antônio da Silva Callado Jr. (Rio de Janeiro RJ 1848 - idem 1880). Compositor, flautista. Desde muito cedo convive com a música, já que o pai é professor de música, pistonista e mestre de banda na Sociedade dos Artistas e na Sociedade Carnavalesca dos Zuavos. Além disso, a família frequenta os clubes e festejos carnavalescos de meados do século XIX. Mestiço e de família pobre, é educado em casa e tem as primeiras noções de música, piano e flauta com o pai.
Instrumentista promissor, em 1866 inicia aula de regência, harmonia e composição com o maestro Henrique Alves de Mesquita, que exerce forte influência em sua formação musical. No ano seguinte, casa-se com Feliciana Adelaide Callado, com quem tem três filhas e um filho. Com família para sustentar, inicia vida de músico profissional, tocando flauta em concertos - por exemplo, como segundo flautista no Teatro Ginásio Dramático diante da família imperial -, bandas e conjuntos, em salões privados e clubes populares. Nesse mesmo ano compõe a quadrilha Carnaval de 1867, que alcança relativo êxito. Em 1869, publica a polca Querida por Todos, dedicada à amiga Chiquinha Gonzaga, com quem frequenta rodas de música. As relações com a maestrina se mantêm, eles começam a tocar juntos e realizam diversas atividades profissionais.
Simultaneamente às atividades profissionais, Callado participa e organiza rodas informais de músicos nas quais se escuta e se toca todo tipo de música. Com base na vivência nesses círculos populares de música, organiza, em 1870, seu próprio conjunto, o Choro Carioca ou o Choro do Callado. Rapidamente ele se torna uma referência para a época e para a história do choro. Desse modo, aparece como um dos principais protagonistas na construção desse gênero popular e na forma de tocá-lo. Na década de 1870, torna-se músico reconhecido pela sociedade carioca, embora muitas vezes seja criticado como compositor. Isso ocorre, por exemplo, em 1873, com a composição Lundu Característico, que consegue relativo sucesso. Apesar disso, durante a década, sua carreira permanece em ascensão como compositor, quando edita as polcas Linguagens do Coração (1872), Ímã (1873) e Cruzes, Minha Prima (1875), entre tantas outras peças. Ao mesmo tempo torna-se célebre entre os músicos cariocas, que o consideram o grande flautista da cidade.
Todo esse prestígio se evidencia com sua nomeação, em 1871, para a cadeira de professor de flauta do Conservatório de Música do Rio de Janeiro e ao receber a condecoração de Comendador da Ordem da Rosa, em 1879. Contudo, sua carreira é bruscamente interrompida aos 31 anos, quando adoece (contrai meningite) e falece logo em seguida. Para homenageá-lo, Catulo da Paixão Cearense imediatamente compõe letra para a polca Flor Amorosa (1880), consagrando-a no cancioneiro nacional.
A cidade do Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX é a capital política, econômica e cultural do Brasil. Nesse período, a vida cultural na capital federal sofre mudanças importantes marcadas pelo crescimento e pela ebulição da vida urbana. Nela convergem e convivem os elementos citadinos modernizadores e as estruturas condicionadas por tradições rurais e escravistas. A cultura produzida nesse processo cria e sintetiza novas experiências, e nelas a música ocupa lugar destacado. Assim, os gêneros europeus, sobretudo as polcas, mas também quadrilhas, schottisches e valsas, convivem no dia a dia com os ritmos afro-americanos e algumas formas "abrasileiradas". As trocas culturais são as mais variadas. Os gêneros e suas múltiplas fusões ocorrem em festas públicas populares, salões, teatros de revista, cafés-concertos e cantantes e, já no início do século XX, na indústria fonográfica e no Carnaval.
Nesse efervescente universo de diálogos culturais e musicais despontam as rodas informais e comunitárias de chorões. De certo modo, essas rodas cumprem alguns papéis importantes na formação e prática dos gêneros musicais populares entre o fim do século XIX e início do XX. Elas funcionam inicialmente como escolas informais de música, educando e cultivando instrumentistas na lógica artesanal da troca de experiências. Mas, a partir de certo momento, também se tornam formadoras de profissionais para a extensa rede de difusão musical, como as bandas de música, o teatro de revista e a indústria fonográfica. Nesses encontros informais os instrumentistas tocam todo tipo de repertório, do europeu em voga na época aos ritmos já "abrasileirados". A escuta e a prática abertas permitem o estabelecimento de um dialogismo, transformando as polcas em tangos e maxixes, os schottisches em chótis (ou xótis e xotes) e as valsas em valsinhas. A forma especial de tocar esses gêneros (a formação dos conjuntos instrumentais, a performance no violão, o desempenho da flauta, a marcação rítmica) é fundamental para construir uma nova maneira de apresentar as músicas, apontando para a formação do choro. Por fim, nessas rodas os compositores apresentam também suas criações e experiências, que acabam por revelar grande miscigenação cultural.
É nesse quadro cultural e musical que aparece Joaquim Antônio Callado. Assim como diversos compositores de sua época, ele constrói sua escuta e a retorna à sociedade na forma de polca, valsinha, quadrilha e choro. Apresentadas de maneira inovadora, suas composições revelam intercâmbios entre as culturas populares e a erudita (toca, por exemplo, com o flautista belga Mathieu André Reichert e com o pianista norte-americano Louis Moreau Gottschalk), e as europeias e as afro-brasileiras. É por isso que a musicóloga Mariza Lira afirma que ele consegue "transformar o feitio europeu na melodia e apresentá-la lindamente brasileira". Dessa maneira, Callado é antes de tudo um verdadeiro intermediário cultural que sintetiza de modo criativo aspectos da moderna música urbana em formação no Brasil. Apesar de viver apenas 32 anos, ele constrói um rico repertório composto de gêneros europeus, mas dando-lhes características próprias. Até o momento, identificam-se como certas 66 composições. Algumas dezenas de polcas, como A Desejada (1880), A Sedutora (s.d.), Cruzes, Minha Prima (1875), Puladora (s.d.), Conceição (s.d.) e a mais conhecida delas, Flor Amorosa. Essa peça ganha postumamente, em 1880, letra de Catulo da Paixão Cearense e se consagra no repertório dos chorões tanto na forma de canção (gravada em 1914) quanto instrumental (gravada em 1902). Callado compõe também dezenas de quadrilhas, como Adelaide (s.d.), Aurora (s.d.) e Suíte Manuelita (s.d.) entre outras. Além delas, produz uma valsa, Hermenêutica (s.d.), a polca Suíte Pagodeira (s.d.) e dois lundus, um com o sugestivo nome de Às Clarinhas e às Moreninhas e outro mais conhecido, o Lundu Característico (1873). De modo geral, os editores da época não apreciam suas composições, pois consideram muito difíceis e, consequentemente, sem apelo de venda. Assim, Callado é obrigado a publicá-las financiando a edição. Esse fato implica a divulgação mais limitada de suas peças e faz com que sejam copiadas para que sejam tocadas, função exercida por alguns de seus alunos.
Além de compositor, Joaquim Callado é considerado exímio flautista, tanto por seus contemporâneos como pelos instrumentistas que o seguem. Sua sólida formação musical, associada às experiências nas rodas de choro, o leva à prática virtuosa, repleta de caminhos inovadores. Os saltos oitavados que utiliza corriqueiramente são de difícil execução e produzem a impressão de duas flautas tocadas simultaneamente. Com o tempo, essa prática torna-se comum e consagra-se entre os chorões. Como solista, pratica a improvisação com grande capacidade, sempre jogando com o acompanhamento, obrigando os demais instrumentistas a desenvolver talento para o improviso. Toda essa prática instrumental incorpora-se à atuação dos chorões e é possível identificá-la, por exemplo, em flautistas como Patápio Silva, Pixinguinha, Benedito Lacerda e Altamiro Carrilho.
Para desenvolver essa prática solista e de improvisação, ele cria em 1870 seu quarteto, o conjunto Choro Carioca, constituído por um instrumento solista (a flauta), dois violões (um para a harmonia e outro para o "baixo") e um cavaquinho. Essa formação acaba por se tornar a ideal para as rodas de choro, frequentadas por Chiquinha Gonzaga, Viriato Figueira da Silva e Irineu de Almeida, entre outros, e se consagra como "conjunto de choro". Assim, Joaquim Antônio Callado é protagonista importante na constituição do repertório do choro, na sua prática (conjunto, improviso) e na técnica instrumental (flauta).
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 9
- CAZES, Henrique. Choro: do quintal ao municipal. 3ª edição.São Paulo: Editora 34, 2005.
- DINIZ, André. Joaquim Callado: O pai do choro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 2008.
- LIRA, Marisa, A característica brasileira nas interpretações de Callado, In Revista brasileira de música, Vol. VII, RJ, 1940-41.
- MARCONDES, Marcos Antônio. (Ed.). Enciclopédia da Música Popular Brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo: Art Editora,1977. 2 v.
- PINTO, Alexandre Gonçalves, O Choro - Reminiscências dos chorões antigos, RJ, 2ª Ed. Funarte, 1978.
- SIQUEIRA, Baptista, Três vultos históricos da música brasileira: Mesquita, Callado e Anacleto, RJ, MEC, 1972.
- TINHORÃO, José Ramos. Os sons que vêm da rua. 2 ed. São Paulo: Editora 34, 2005.
- TINHORÃO, José Ramos. Pequena história da música brasileira. São Paulo: Círculo do Livro, s/d.
- VASCONCELOS, Ary. Panorama da Música Popular Brasileira na Belle Époque. Rio de Janeiro: Livraria Sant'Anna, 1977.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
JOAQUIM Antonio Callado.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa560988/joaquim-antonio-callado. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7