Roberto Pires
Texto
Biografia
Roberto de Castro Pires (Salvador, Bahia, 1934 - Idem, 2001). Produtor, montador e diretor cinematográfico. Entre as décadas de 1940 e 1950, cultiva o gosto pelo cinema, ao frequentar os chamados pulgueiros, cinemas de segunda classe populares em Salvador. Filho de comerciantes, passa boa parte da juventude ajudando o pai na Casa Mozart, onde se torna técnico em ótica. Com o salário, compra equipamentos e películas reversíveis para realização dos curtas-metragens O sonho e O Calcanhar de Aquiles, ambos de 1955.
Com o conhecimento adquirido sobre ótica, o diretor desenvolve a Igluscope, um tipo de lente anamórfica que lhe permite filmar em Cinemascope1, e realiza o documentário Bahia em Visão Natural (1958). Com a repercussão positiva de seus primeiros trabalhos, funda a produtora Iglu Filmes e consegue apoio de alguns empresários locais. Adquire uma câmera 35 mm, adapta sua Igluscope, e inicia as filmagens de Redenção (1958), que inaugura a produção de longas-metragens na Bahia.
A Iglu Filmes passa a produzir dois cinejornais semanais: Bahia na Tela e Brasil-Norte, reforçando sua presença no circuito cinematográfico baiano. Ainda na década de 1960, Pires torna-se amigo de Glauber Rocha (1939-1981) e aceita a produção de Barravento (1961), feito com recursos obtidos pela Iglu com a produção dos cinejornais e investimentos do empresário Rex Schindler (1922). Em 1961, dirige A Grande Feira, que marca a profissionalização da produtora. Em seguida, realiza Tocaia no Asfalto (1962), premiado em dois festivais nacionais.
Muda-se para o Rio de Janeiro, onde filma o drama policial Crime no Sacopã (1963); e pela Mapa Filmes, produtora fundada por diretores do Cinema Novo, realiza o thriller Máscara da Traição (1969) e a comédia erótica Em busca do Su$exo (1970). Atua ainda como montador cinematográfico em trabalhos de diretores amigos.
Após dez anos sem filmar, retorna à Bahia e produz Abrigo Nuclear (1981), sobre os perigos da energia atômica, que resulta numa intimação do Serviço Nacional de Informação (SNI). Dirige o episódio “A volta de Chico Candango”, do longa-metragem Brasília, a Última Utopia: o Sonho no Sonho (1989).
Na década de 1990, volta ao tema da energia nuclear com Césio 137, o Pesadelo de Goiânia (1990), premiado em festivais nacionais, e produz uma série para televisão, Contos Fantásticos da Meia-noite. Falece em 2001, na cidade de Salvador.
Análise da Trajetória
Até meados da década de 1950, a cena cinematográfica baiana limita-se aos trabalhos realizados pelo documentarista Alexandre Robatto Filho (1908-1981); aos comerciais e cinejornais de Leão Rosemberg; e à agitação cultural impulsionada pelo Clube de Cinema, liderado pelo jornalista Walter da Silveira (1915-1970). Neste período, Roberto Pires não mantém relação direta com nenhum desses núcleos. Seu referencial estético e de linguagem provém, sobretudo, dos filmes policiais estrangeiros exibidos nos cinemas de Salvador dos quais é frequentador. Sua formação técnica ocorre de forma autodidata, aprimorada por experimentos amadores.
Redenção, primeiro longa-metragem baiano, nasce da potência criativa e capacidade de mobilização do diretor. Com elementos do gênero policial e do melodrama, o filme conta a história de um jovem, em liberdade condicional, que se envolve em um incidente com um estuprador, para poder salvar a namorada do amigo. O lançamento da película no Cine Guarany ocorre sob grandes expectativas por parte da imprensa local e da crítica especializada. As opiniões se dividem entre a importância de seu pioneirismo e as deficiências técnicas e estéticas.
Nesse clima de euforia em torno de Redenção, Roberto Pires aproxima-se de Glauber Rocha e Rex Schindler, que passam a integrar o grupo responsável pelo despertar do ciclo baiano de cinema (1958-1962). Este, por sua vez, criará condições favoráveis ao surgimento do cinema novo.
A Grande Feira, de 1961, aparece como uma das principais obras desse período. A crônica sobre a cidade de Salvador afirma as habilidades técnicas do diretor como artesão da imagem, e marca o surgimento de uma indústria cinematográfica baiana. O drama da Feira de Água dos Meninos, ameaçada de destruição pela onda modernizadora, traz problemas universais que tornam o filme socialmente polêmico, como observa o crítico Jean-Claude Bernardet (1936) ao analisar o marginalismo presente na obra.
Após a finalização de A Grande Feira, a Iglu Filmes lança Tocaia no Asfalto, com produção de Glauber Rocha. Roberto Pires volta ao gênero policial para tratar questões como corrupção e banditismo. O cineasta Orlando Senna (1940) assinala que o filme corta fundo a carne liberal do período Kubitschek.
Com o esvaziamento do ciclo baiano, na primeira metade da década de 1960, Pires muda-se para o Rio de Janeiro, onde realiza três filmes de pretensões comerciais, mas sem sucesso de público ou de crítica. Walter da Silveira analisa com severidade essa mudança do diretor, apontando a mediocridade, algo que considera imperdoável tendo em vista a trajetória construída desde Redenção.
As dificuldades enfrentadas no Rio de Janeiro afastam Pires da realização cinematográfica por dez anos. Na década de 1980, o diretor volta a viver na Bahia, produz e dirige a ficção científica Abrigo Nuclear, e, anos mais tarde, o docudrama Césio 137, o pesadelo de Goiânia, ambos com propostas ambiciosas de linguagem e temática, mas que passam despercebidos ao grande público.
Lembrado como cineasta inventor, Roberto Pires assina uma pequena, mas significativa filmografia. Seu trabalho permanece como exemplo de que para fazer cinema na periferia do capitalismo, audácia, criatividade e insistência são elementos fundamentais.
Nota
¹ Cinemascope é uma tecnologia de filmagem comum entre 1953 e 1967, na qual se utiliza lentes anamórficas, que comprimem a imagem, que é descomprimida na mesma proporção na tela de exibição. Esta tecnologia marcou o início do método moderno de filmagem e exibição, conhecido como widescreen
Obras 1
Fontes de pesquisa 11
- A. Roberto Pires: um pioneiro no cinema baiano. Jornal da jornada, p. 14-15.
- BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
- CINEMATECA Brasileira (Org). Coleção de recortes de jornais e revistas sobre Roberto Pires, 1962-1979.
- CORREIA, Hamilton. Roberto Pires um cineasta autodidata. Jornal da jornada, p. 13, set. 2001.
- GÓIS, Aléxis. Roberto Pires: inventor de cinema. Salvador: Assembleia Legislativa, 2009.
- MONTEIRO, José Carlos. Ele fez o cinema baiano nascer. Filme Cultura, Rio de Janeiro, v. 3, n. 17, p. 50-5, nov./dez. 1970.
- PIRES, Roberto. A grande feira. Argumento de Rex Schindler; apresentação de Walter da Silveira; comentários de Paulo Emilio Salles Gomes, Alex Viany e Orlando Senna; depoimento de Glauber Rocha. Salvador: Associação dos Críticos Cinematográficos da Bahia, 196-. 130 p. il. (Documentos, 1).
- PIRES, Roberto. Depoimento – Programa de História Oral. Brasília: Arquivo Público do Distrito Federal, 1992.
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000. R791.430981 E56 ex. 2
- SETARO, André. Escritos sobre cinema: trilogia de um tempo crítico: cinema baiano. Salvador: Edufba: Azougue Editorial, 2010.
- SILVEIRA, Walter da. De Jorge Amado a Roberto Pires. Jornal da jornada, p. 13, set. 2001.
Como citar
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ROBERTO Pires.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa442091/roberto-pires. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7