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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Ronaldo Correia de Brito

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 06.09.2024
02.07.1951 Brasil / Ceará / Saboeiro
Ronaldo Correia de Brito (Saboeiro, Ceará, 1951). Romancista, contista, dramaturgo, diretor de cinema, médico e psicanalista. Seus trabalhos abordam traços da cultura popular nordestina. Destacam-se em suas tramas experiências de não pertencimento de indivíduos marcados por deslocamentos geográficos e transformações históricas.

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Ronaldo Correia de Brito (Saboeiro, Ceará, 1951). Romancista, contista, dramaturgo, diretor de cinema, médico e psicanalista. Seus trabalhos abordam traços da cultura popular nordestina. Destacam-se em suas tramas experiências de não pertencimento de indivíduos marcados por deslocamentos geográficos e transformações históricas.

Ainda na infância, muda-se para Crato, Ceará. Instruído por seu pai, aprende a ler em casa, por meio da Bíblia. Além do texto religioso, o contato com as narrativas orais da região desperta seu interesse para os diferentes mitos fundadores da humanidade. 

Em 1970, ao conhecer o Movimento Armorial, que busca criar uma arte erudita com base em referências da cultura popular do Nordeste, Ronaldo encontra novas possibilidades de elaboração do repertório adquirido em sua infância sertaneja. Ao ingressar no curso de medicina da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), passa a frequentar o Departamento de Extensão Cultural (DEC) da universidade, dirigido pelo dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014). No grupo interdisciplinar, conhece artistas com quem colabora em diferentes campos de atuação, como teatro e cinema. 

Já graduado, aprofunda-se na clínica médica e ingressa na formação em psicanálise. Em paralelo, realiza em 1974 o curta-metragem Cavaleiro Reisado. Rodado na cidade do Crato, Ceará, o filme documenta a festa popular de mesmo nome. No ano seguinte, em codireção com o psiquiatra Assis Lima e o escritor Horácio Carelli, adapta para o cinema um dos seus primeiros contos literários, Lua Cambará (1970).

Lançado em 1977, o filme sintetiza transformações ocorridas no Ceará no final do período da escravidão no Brasil. Enviesada por uma perspectiva singular, a trama se desenvolve em torno de uma mulher mestiça dona de terras e escravizados. Estigmatizada por sua racialidade e condição de bastarda, a protagonista de contornos fantásticos, Lua Camará, chega a mamar o leite do peito de sua mãe negra já morta e segue uma trajetória de tirania após o falecimento do pai coronel, que havia estuprado sua mãe. Em diálogo com a estética do neorrealismo italiano e com o cinema novo brasileiro, o filme se aproxima da linguagem documental ao contar com atores não profissionais e locações reais. É o primeiro longa-metragem em Super 8 realizado no Nordeste, marcando um período de grande popularização do formato, especialmente em Pernambuco.

Na década de 1980, novamente em parceria com Assis Lima, desenvolve o projeto teatral Trilogia das Festas Brasileiras. A peça de maior destaque é O Baile do Menino Deus (1987), seguida de Bandeira de São João (1989) e Arlequim (1990). Como produtos dessas peças, são lançados discos com suas canções. O projeto conta com composições do músico Antonio Madureira (1949), instrumentista e maestro do Quinteto Armorial. 

Inicialmente destinada ao público infantil, a primeira obra da trilogia é popularizada em escolas. Desde 2004, quando dirigida por Ronaldo, consagra-se ao integrar anualmente as festas natalinas na Praça do Marco Zero, localizada no centro de Recife. As encenações podem conter centenas de profissionais, com coro adulto e infantil, bailarinos, orquestra e atores. Forma-se uma espécie de “ópera popular de rua”1, como assinala a escritora Ruth Rocha (1931)

Enquanto o início de sua carreira é marcado por um forte esforço de pesquisa e apresentação da cultura popular nordestina, suas obras mais tardias já se atêm mais aos conflitos que essa herança cultural gera em indivíduos contemporâneos. O sertão elaborado pelo autor é, em suas palavras, “complexamente urbano”2 e seus personagens “neuroticamente urbanos”3.

Somente na década de 2000, por intermédio do professor e crítico Davi Arrigucci Júnior (1943), começa a publicar regularmente por editoras de alcance nacional. O foco na experiência subjetiva dos personagens motiva algumas de suas principais estratégias formais: estruturas narrativas fragmentárias e não lineares, além da construção de uma realidade instável e modulada pela dimensão afetiva das experiências. O autor busca uma escrita marcada pelo máximo de concisão, e considera ter uma “respiração de um contista”4 até lançar o premiado Galileia (2008), seu primeiro romance. 

Galileia se passa em uma antiga fazenda no sertão dos Inhamuns, Ceará. Raimundo Caetano, o patriarca de uma família formada por portugueses, negros e indígenas, está prestes a morrer. A ocasião proporciona o encontro dos netos, que migram para a cidade, com os que se mantêm na região, além dos fantasmas lá presentes. Grande parte da crítica rejeita a tentativa apressada, porém recorrente, de vincular a obra do autor ao caráter social ou regionalista herdado da geração do romance de 305. Ronaldo reconhece, contudo, um diálogo com Vidas Secas (1938), do escritor Graciliano Ramos (1892-1953), não pela temática do sertão, mas pelo caráter existencialista dos personagens. Ambos se aproximam, também, pelo desenvolvimento de um estilo lapidar que não desafia a sintaxe convencional. 

Nos trabalhos de Ronaldo Correia de Brito, o trânsito entre a presença de relatos históricos e fantásticos, bem como entre distintos campos de referência, acontece de forma fluida e tem como eixo as modulações imprecisas e singulares da memória dos indivíduos. Assim, suas narrativas se firmam como elaborações sensíveis das drásticas transformações dos habitantes de um país que, em um período muito curto, deixa de ser rural e passa a ser predominantemente urbano e globalizado. 

 

Notas

1. ROCHA, Ruth. “Apresentação”. In: BRITO, Ronaldo Correia de; LIMA, Francisco Assis. Baile do Menino Deus. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. 

2. BRITO, Ronaldo Correia de. Obsessivo pela exatidão. [Entrevista cedida a] Rogério Pereira. Revista Rascunho, mar. 2012. 

3. Idem.

4. Ibidem.

5. O “romance de 30” é um termo genérico para se referir à produção da década de 1930 no Brasil. Destaca-se, nesse período, a predominância do romance de cunho social. O interesse pelas especificidades de diferentes partes do país culmina na notoriedade dos regionalistas. 

Espetáculos 5

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Exposições 2

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Mídias (1)

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Ronaldo Correia de Brito - Enciclopédia Itaú Cultural
A tradição oral e o movimento de não pertencimento são as bases da obra do cearense Ronaldo Correia de Brito. Amante da literatura, da música e do cinema, começa a ler muito cedo na biblioteca de sua cidade, Sertão dos Inhamuns, lapidando seu repertório mais tarde no Crato e em Recife, onde forma-se em medicina na década de 1960. Como atividade paralela, dedica-se a escrever teatro, contos, romances e crônicas, mas apenas armazena em gavetas seus escritos. “Achava que já existiam muitos livros e eu não queria contribuir para a babel do mundo”, brinca. Na década de 1970, estimulado por um amigo, adapta seu conto Lua Cambará num longa-metragem feito em Super8, depois transformado no formato Betacam e televisionado pela TV Cultura. Vinte anos se passam e o trabalho é descoberto pelos intelectuais Antônio Cândido e Davi Arrigucci Junior. Brito é convidado a publicar um livro, e sua produção não para de crescer.

Realização: Gasolina Filmes
Entrevista: Gabriel Carneiro
Captação, edição e legendagem: Sacisamba
Intérprete: Carolina Fomin (terceirizada)
Locução: Júlio de Paula (terceirizado)

Fontes de pesquisa 13

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  • BRITO, Ronaldo Correia de. Entrevista com o autor concedida a Astier Basílio. Cronópios, 24 set. 2005. Disponível em: http://www.cronopios.com.br/site/prosa.asp?id=590.
  • BRITO, Ronaldo Correia de. Entrevista com o autor concedida a Magela Lima. Diário do Nordeste, 28 mai. 2005. Disponível em: http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=251642.
  • BRITO, Ronaldo Correia de. Entrevista com o autor concedida a Rafael Rodrigues. Argumento, s.d. Disponível em: http://www.argumento.net/cenacritica/index.shtml.
  • BRITO, Ronaldo Correia de. Entrevista com o autor. O Povo, 09 mai. 2005. Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br/ecarvalho2.html.
  • BRITO, Ronaldo Correia de. Obsessivo pela exatidão. [Entrevista cedida a] Rogério Pereira. Revista Rascunho, mar. 2012. Disponível em: http://rascunho.com.br/obsessivo-pela-exatidao/. Acesso em: 12 abr. 2020.
  • BRITO, Ronaldo Correia de; LIMA, Francisco Assis. Baile do Menino Deus. Apresentação de Ruth Rocha. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003.
  • CLARK, Natália Perry. Faca-face de um feminino sertanejo: impressões do regionalismo contemporâneo em Ronaldo Correia de Brito. 2011. 208 f. Dissertação (Mestrado em Literatura e outras áreas do conhecimento) – Universidade de Brasília, Brasília, 2011.
  • FONSECA, Homero. A original ficção de Ronaldo Correia de Brito. In: PREA - Revista de Cultura do Rio Grande do Norte (Ano III, nº 12). Natal: Fundação José Augusto, 2005.
  • FONSECA, Homero. A original ficção de Ronaldo Correia de Brito. In: PREA - Revista de Cultura do Rio Grande do Norte, (Ano III, nº 12. Natal: Fundação José Augusto, 2005.
  • LEONEL, Maria Célia; SEGATTO, José Antônio. O sertão literário na contemporaneidade: Guimarães Rosa e Ronaldo Correia de Brito. Estudos Linguísticos, São Paulo, n. 39, p. 1035-1044, mai.-ago. 2010.
  • PIEIRO, Jorge. O sertão existencialista de Ronaldo Correia de Brito. Germina Revista de Literatura & Arte, jul. 2010. Seção colunas. Disponível em: https://www.germinaliteratura.com.br/2010/colunapanaplo_jorgepieiro_jun10.html. Acesso em: 15 abr. 2020.
  • SPENCER, Fernando. Público vai conhecer hoje “Lua Cambará”. Diário de Pernambuco, 5 jul. 1977. Caderno B, p. 8.
  • SPENCER, Fernando. “Lua Cambará”: primeiro longo na bitola Super 8. Diário de Pernambuco, 3 mai. 1977. Caderno B, p. 8.

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