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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Antônio Bragança

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 23.07.2024
13.05.1904 Brasil / Pernambuco
21.12.1967 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Antônio Pedro Bragança (Pernambuco, 1904 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1967). Pintor, chargista, desenhista. Interno de hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, produz telas a óleo durante suas internações, que têm duração desconhecida. Suas obras, pelo menos as poucas restantes, representam paisagens, naturezas mortas, cenas do hospital p...

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Antônio Pedro Bragança (Pernambuco, 1904 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1967). Pintor, chargista, desenhista. Interno de hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, produz telas a óleo durante suas internações, que têm duração desconhecida. Suas obras, pelo menos as poucas restantes, representam paisagens, naturezas mortas, cenas do hospital psiquiátrico em que fica internado por maior período e figuras humanas em conflito. 

Nasce em Pernambuco, em cidade ignorada, e muda-se para o Rio de Janeiro, onde trabalha em diversas ocupações, como as de pintor de paredes e carpinteiro. Como pintor de parede, retrata temas religiosos e realiza murais para bares e restaurantes. Alcoólatra, dorme muitas vezes em bancos de praça. É preso e internado no Hospício da Praia Vermelha, depois de brigar com o guarda do Abrigo Cristo Redentor, local para pessoas em situação de rua em que estava alojado. Posteriormente, é transferido para o Hospital Pedro II e, mais tarde, em 18 de outubro de 1949, para a Colônia Juliano Moreira, onde permanece até seu falecimento, em 21 de dezembro de 1967.  

Por volta dos anos 1950, os hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, então capital federal, passam a se valer da praxiterapia, isto é, tratamentos por meio de ocupações terapêuticas (como costura e pintura) para assistir pacientes psiquiátricos. A Colônia Juliano Moreira oferece esse tratamento, possibilitando que Bragança tenha acesso à pintura a óleo. Ele foi um dos primeiros internos a ingressar na oficina de pintura chamada Colmeia de Pintores, criada em 1946. Não se sabe se ele já sabia pintar anteriormente.

Ainda que pinte regularmente durante as internações, há apenas cerca de vinte telas do artista reunidas na Colônia, posteriormente chamada de Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira. A maioria de suas obras estão no Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea, ao lado das de artistas como Arthur Bispo do Rosario (1909-1989), Fernando Diniz (1918-1999), Raphael Domingues Filho (1912-1979) e Carlos Pertuis (1910-1977).

Matéria de periódico carioca da época descreve Antônio Bragança como “um artista maravilhoso que impressiona, sobretudo, pela firmeza do traço. Bragança, no entanto, é um enfermo como todos os demais [internos da Colônia]”1.

Para a pesquisadora Luisa Futoransky (1939), as pinturas do artista podem ser associadas ao Modernismo de 1922, que propôs a incorporação de elementos estrangeiros e da cultura indígena à produção cultural brasileira. Bragança, porém, realizaria uma abordagem menos intelectualizada do que modernistas como Oswald de Andrade (1890-1954) e Tarsila do Amaral (1886-1973). Segundo Futoransky, “as pinturas de Bragança [...] são associadas formal e tematicamente com o modernismo, movimento que, nos anos 1920, estabeleceu a identidade cultural do país em termos de mistura e fusão, de ‘antropofagia’. A aproximação intuitiva de Bragança a esse problema era diferente, é claro, da maneira intelectual que foi o caso do escritor Oswald de Andrade e da pintora Tarsila do Amaral”2.

Uma pintura sem título de Bragança de 1952 apresenta a cabeça de um homem louro com olhos azuis. De perfil, ainda que visto de costas, o homem é representado de boca aberta e com língua se movendo. No interior de seu crânio, dois corpos nus estão abraçados. Essa obra denota conflitos internos, perturbação e agitação. Se a face do homem pode indicar perversão, os dois homens dentro da cabeça indicam calma e afetuosidade.

Uma pintura sem título de 1960 retrata uma cena da Colônia Juliano Moreira com pacientes e funcionários. O Morro Dois Irmãos pode ser visto ao fundo, o que reforça que a cena seja naquele hospital psiquiátrico. Os funcionários vestem bege, e os pacientes, azul. A cena é violenta: um funcionário empunhando pedra se dirige a uma paciente. Ninguém esboça, porém, ação para conter a violência.

Negro, o artista é descrito em catálogo de exposição de 1967 como “revoltado contra a sociedade e principalmente contra os preconceitos raciais”3. Segundo relato médico da Colônia, o artista bebia desde os 10 anos de idade e “apesar disso, e da cor, seu nível cultural é apreciável”, sendo que, como pintor “tem vivo espírito de observação fora dos seus episódios etílicos”. Além disso, sua obra, crítica, faz de sua “pintura uma arma para professar a sua revolta”. Ainda segundo esse relato, seus temas são principalmente sociais, salientando o caráter ridículo “dos preconceitos, dos costumes e as diferenças de classe e de cor”4. Para o médico autor do relatório, o recurso à charge por Bragança é importante para apaziguar seu senso de revanche social e evitar que, em seus termos, o paciente vagabundeie.

Bragança participa de exposições individuais e coletivas, no Brasil e no exterior. Expõe desde 1950, quando sua tela Ballet é premiada na Exposição de Arte Psicopatológica, realizada durante o 1º Congresso Internacional de Psiquiatria, em Paris. Nessa ocasião, em que o artista também expõe Proliferação chinesa, o Brasil envia 395 obras provenientes do Hospício do Juquery, do Centro Psiquiátrico Nacional e da Colônia Juliano Moreira. Nos últimos anos, obras de Bragança têm sido apresentadas em exposições que contemplam um arco amplo de artistas, isto é, não apenas artistas internos de hospitais psiquiátricos.

A produção artística de Antônio Bragança é significativa na medida em que, além de romper com a ideia de que pacientes psiquiátricos não são capazes de produzir arte, explora temas como preconceito social, conflitos internos e violência.

Notas

1. ARTISTA laureado o alienado mental. A Noite, Rio de Janeiro, 19 maio 1955.

2. FUTORANSKY, Luisa. Bispo do Rosario en el Jeu De Paume de Paris; “Misión cumplida”. Everba, [s.d.]. Disponível em: http://www.proa.org/exhibiciones/pasadas/-inconsciente/critica.html. Acesso em: 19 jul. 2022.

3. ARAÚJO, João Henrique Queiroz de. Entre preservar e reformar: práticas e saberes psis no museu da Colônia Juliano Moreira. 2016. 110f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. p. 75.

4. ANDRIOLO, Arley. Traços primitivos: histórias do outro lado da arte no século XX. 2004. 238 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004. p. 115-116.

Exposições 8

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Fontes de pesquisa 13

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  • ANDRIOLO, Arley. Traços primitivos: histórias do outro lado da arte no século XX. 2004. 238 f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
  • ARAÚJO, João Henrique Queiroz de. Entre preservar e reformar: práticas e saberes psis no museu da Colônia Juliano Moreira. 2016. 110f. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
  • ARAÚJO, João Henrique Queiroz de; FERNANDES; Raquel Fernandes. O Museu Bispo do Rosario e a transformação da Colônia Juliano Moreira: a trajetória de um espaço de arte e saúde mental. In: MELO, Walter; ARAÚJO, João Henrique Queiroz de; NUNES, Amanda de Fátima da Silva (Orgs.). Imaginário em exposição, manicômios em desconstrução. Divinópolis: Mosaico Design Gráfico, 2021, p. 72-84.
  • ARAÚJO, João Henrique Queiroz de; JACÓ-VILELA, Ana Maria. A experiência com arte na Colônia Juliano Moreira na década de 1950. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 2, p. 321-334, abr.-jun. 2018.
  • ARTISTA laureado o alienado mental. A noite, Rio de Janeiro, 19 maio 1955.
  • BRAGANÇA: notável pintor brasileiro. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 out. 1950, p. 5. Recuperado de http://memoria.bn.br/DocReader/030015_07/6501. Acesso em: 19 jul. 2022.
  • CABAÑAS, Kaira Marie. A contemporaneidade de Bispo. ARS, São Paulo, v. 16, n. 32, p. 47-80, abr. 2018.
  • CRUZ JÚNIOR, Eurípedes Gomes da. Do asilo ao museu: ciência e arte nas coleções da loucura. 2015. 385 f. Tese (Doutorado em Museologia e Patrimônio) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.
  • FUTORANSKY, Luisa. Bispo Do Rosario en el Jeu De Paume de Paris; “Misión cumplida”. Disponível em: http://www.proa.org/exhibiciones/pasadas/-inconsciente/critica.html. Acesso em: 19 jul. 2022.
  • GULLAR, Ferreira. Arte na cura: percepção e revelação do inconsciente. São Paulo: Antonio Bellini, [2000].
  • HIDALGO, Luciana. Arthur Bispo do Rosário: o senhor do labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 204 p., il. color.
  • MORAIS, Frederico. Antônio Bragança. Manuscrito. s.d.
  • ZACHARIAS, Anna Carolina Vicentini. Stella do Patrocínio: da internação involuntária à poesia brasileira. 364f. 2020. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem, 2020. Disponível em: DOI: https://doi.org/10.47749/T/UNICAMP.2020.1149050.

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