Marcio Aurelio
Texto
Marcio Aurelio Pires de Almeida (Piraju, São Paulo, 1948). Diretor, cenógrafo e figurinista. Prestigiado encenador que transita tanto pelos clássicos quanto pelas experiências inovadoras, imprimindo delicado e rigoroso acabamento à cena.
Enquanto cursa biblioteconomia, atividade que nunca exerceu, Marcio Aurelio freqüenta um curso livre de Eugênio Kusnet, no início dos anos 1970. Inicia, em 1974, uma carreira de encenador e cenógrafo com A Perseguição ou O Longo Caminho que Vai de Zero a Ene, peça que tangencia o absurdo, de Timochenco Wehbi. Em 1976, dirige A Bruxa Colorida, um infantil de Manoel Carlos Karam e, em 1977, as peças Flicts, de Ziraldo, e A Farsa da Noiva Bombardeada, texto de Alcides Nogueira.
A colaboração iniciada entre o encenador e o dramaturgo abre um diálogo artístico que determina novas características na criação de ambos. Criam Tide Moreira e Sua Banda de Najas, em 1978, sobre o desbunde e a contracultura; Tietê, Tietê... ou Toda Rotina Se Manteve Não Obstante o que Aconteceu, sobre a recepção da Semana de Arte Moderna, em 1979; O Filho do Carcará, sobre a geração pós-1968, 1980; Lua de Cetim, que enfoca a difícil situação familiar de um ex-guerrilheiro, em 1981. Juntam-se novamente em 1988, com Ópera Joyce, rebuscado trabalho sobre as cartas de James Joyce, interpretado por Vera Holtz. A parceria gera também Traças da Paixão, de 1994; Gertrude Stein, Alice B. Touklas, Pablo Picasso, montada em 1996; e Pólvora e Poesia, premiado espetáculo sobre o romance poético de Paul Verlaine e Arthur Rimbaud, em 2001.
Outra vertente à qual Marcio está ligado diz respeito aos princípios cênicos estabelecidos por Bertolt Brecht. Essa influência aparece com clareza nas montagens de A Canção do Esforço Humano, sobre poemas do dramaturgo, em 1978; Baal, em 1982; A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi, texto de Márcio Souza sobre o político amazonense, em 1982; no longo debruçamento sobre a obra de Heiner Müller, com as montagens de Hamletmachine, solo com Marilena Ansaldi em 1987; Eras, peças curtas do dramaturgo, em 1988; A Missão, em 1990; Mauser, em 1991; Peça Coração, em 1993, e Baal, O Malígno Associal, entrelaçamento de Bertolt Brecht com Heiner Müller realizado em 1998.
Recorre, com freqüência, à montagem de clássicos, integrais ou adaptados, recuperando experiências ligadas aos procedimentos dramatúrgicos e aos aspectos estilísticos, na busca de uma nova forma de expressão. Nesta linha de pesquisa encena Diário de um Louco, de Nikolai Gogol, em 1980; Trágico à Força, de Anton Tchekhov, em 1982; Édipo Rei, de Sófocles, em 1983; Hamlet, de William Shakespeare, em 1984; A Comédia dos Erros, em 1991, e Ricardo II, em 1992, também de William Shakespeare com o Razões Inversas, grupo que funda com jovens atores; além de A Bilha Quebrada, de Kleist, em duas encenações, em 1993 e 1995; e Torquato Tasso, de Goethe, encenado na Alemanha em 1995.
Sua imaginação poética e sensível, assim como rigorosa e precisa, manifesta-se em diversas criações independentes, como Quase 84, texto de Fauzi Arap, em 1983; Inimigos de Classe, de Nigel Williams, em 1985; Pássaro do Poente, de Carlos Alberto Soffredini, realização baseada em lendas japonesas, cheia de delicadeza oriental desenvolvida com o grupo Ponkã; e Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, versão radical que abole os três planos da obra e insere um discurso pontuado pela luz, ambas em 1987; Esta Valsa É Minha, de William Luce, em 1989; O Beijo, adaptação do precioso texto de Marcel Proust, em 1995; e Senhorita Else, de Arthur Schnitzler, um dos principais trabalhos do Razões Inversas, destacando o trabalho da atriz Débora Duboc.
Ao longo dos anos 1990 o diretor inicia uma carreira internacional, sobretudo na Alemanha, onde dirige seminários e cria alguns espetáculos. Para o Deutsches National Theater, de Weimar, monta Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, em versão alemã, em 1997, e cria Mephisto, libreto de sua autoria inspirado em Goethe e, para o Theaterhaus de Stuttgard, Tristão e Isolda, inspirado na ópera de Richard Wagner, ambas em 1999, protagonizadas pelo bailarino brasileiro Ismael Ivo, diretor da companhia.
Marcio Aurelio assina, frequentemente, a cenografia e figurinos de suas direções. Paralelamente à carreira de encenador, é professor de Interpretação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e é um dos poucos artistas que possui livre docência no país. Como tradutor, assina as traduções de Baal, de Bertolt Brecht, em 1983, e Filoctetes, de Heiner Müller, em parceria com Willi Bolle, em 1986.
Refletindo sobre a trajetória artística de Marcio Aurelio, o dramaturgo Alcides Nogueira declara: "A parceria com Marcio Aurelio inicia-se praticamente com nossas carreiras, na passagem dos anos 70 para os 80. Sua influência em minha dramaturgia foi decisiva, por meio de seu profundo conhecimento de Bertolt Brecht, e dos ensinamentos adquiridos com Eugênio Kusnet. O que faz de Marcio Aurelio um dos mais respeitados diretores brasileiros é a conjunção do trabalho em profundidade com os atores e a estética refinadíssima de suas encenações. O aparente despojamento destas conduz, na verdade, a um sofisticado jogo de cena, onde texto e atores são privilegiados. Sempre em sintonia com o que acontece na cena mundial, ao mesmo tempo em que repensa constantemente o imaginário brasileiro, Marcio Aurelio consegue ser sempre instigante, com olhos abertos ao novo, sem abdicar da melhor tradição do real fazedor de teatro".1
Nota
1. NOGUEIRA, Alcides. Depoimento prestado à Enciclopédia de Teatro Itaú Cultural.
Espetáculos 141
Fontes de pesquisa 9
- ALBUQUERQUE, Johana. Marcio Aurelio (ficha curricular) In: ___________. ENCICLOPÉDIA do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material elaborado em projeto de pesquisa para a Fundação VITAE. São Paulo, 2000.
- ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996.
- AURELIO, Marcio. Curriculum vitae. Cronologia das atividades realizadas ao longo da carreira profissional . São Paulo, 2000.
- AURELIO, Marcio. Escrever sobre Brecht significa para mim tirar de um amontoado de lembranças de alguma coisa. Vintém, São Paulo, n. 1, fev./abr. 1998.
- CENTRO CULTURAL SÃO PAULO. Divisão de Pesquisas. Cronologia das artes em São Paulo 1975-1995: Artes cênicas - Teatro. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. (Cronologia das artes em São Paulo, 3).
- GUERINI, Elaine. Nicette Bruno & Paulo Goulart: tudo em família. São Paulo: Cultura - Fundação Padre Anchieta: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. 256 p. (Aplauso Perfil).
- Programa do Espetáculo - A Javanesa - 2007.
- Programa do Espetáculo - A Úlitma Encarnação do Fausto -.
- Programa do espetáculo - Espírito da Terra, 2000.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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MARCIO Aurelio.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa207445/marcio-aurelio. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7