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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Carlos Manga

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 29.06.2024
06.01.1928 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
17.09.2015 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
José Carlos Aranha Manga (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1928 - idem 2015). Diretor de cinema e produtor de cinema e televisão. Entre 1949 e 1950, funda o Sinatra/Farney Fan Club e, fascinado pelos musicais da Metro, encena espetáculos musicais amadores no Fluminense FC, no Theatro Municipal e na Associação dos Funcionários do Banco do Brasil. ...

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José Carlos Aranha Manga (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1928 - idem 2015). Diretor de cinema e produtor de cinema e televisão. Entre 1949 e 1950, funda o Sinatra/Farney Fan Club e, fascinado pelos musicais da Metro, encena espetáculos musicais amadores no Fluminense FC, no Theatro Municipal e na Associação dos Funcionários do Banco do Brasil. Abandona o curso de direito e os empregos na Companhia Aérea Cruzeiro do Sul e no Banco Boavista para se dedicar ao cinema. Com indicação de Cyll Farney (1925-2003), é acolhido na Atlântida Cinematográfica, em 1952, onde exerce as funções de ajudante de carpintaria e almoxarifado, contra-regra, assistente de montagem de Waldemar Noya (19?-1986) e assistente de direção de Watson Macedo (1919-1981), José Carlos Burle (1910-1983), Paulo Wanderley (1903-1973) e Jorge Ileli (1925-2003).  

Finaliza Carnaval Atlântida (1952), para o qual dirige dois números musicais e o anúncio publicitário inserido no cinejornal Atualidades Atlântida. Trabalha como assistente de Carlos Machado (1908-1992), em 1953, na produção de espetáculos musicais e teatrais. Contratado como diretor pela Atlântida, realiza uma série de comédias, boa parte delas com o ator Oscarito (1906-1970), tais como Dupla do Barulho (1953); Nem Sansão nem Dalila (1954); Matar ou Correr (1954); Guerra ao Samba (1955); O Golpe (1955); Vamos com Calma (1956); Colégio de Brotos (1956); Papai Fanfarrão (1956); Garotas e Samba (1957); De Vento em Popa (1957); É a Maior (1958); Esse Milhão é Meu! (1958); O Homem do Sputnik (1959), megassucesso de 15 milhões de espectadores, com o qual perde uma bolsa de estudos para os Estados Unidos pela caricatura dos agentes norte-americanos; O Cupim (1959), Pintando o sete (1959), O Palhaço o que é? (1959), Cacareco vem aí, ou, Duas Histórias (1960), Os Dois Ladrões (1960), Quanto mais samba melhor (1961), As Sete Evas (1962) e Entre Mulheres e Espiões (1962).

O processo de modernização do país, a fixação de novos costumes e o impulso da produção televisiva levam ao esgotamento do ciclo produtivo da chanchada. A maior parte de seus talentos migra para a televisão, incluindo Carlos Manga que produz e dirige programas musicais, de entrevistas e humorísticos, até o final da década de 1960, para a TV Rio: O Riso é o limite, Noites Cariocas; TV Excelsior: Times Square, My Fair Show, Chico Anysio Show, no qual introduz o videoteipe na televisão brasileira; e TV Record: Quem tem medo da verdade, Show do dia 7 e Troféu Roquette-Pinto. Volta ao cinema com O Marginal (1974) e o documentário Assim era a Atlântida (1975). Dirige filmes de publicidade, dois deles premiados em 1981 com o Clio Awards. Seu último trabalho para o cinema é Os Trapalhões e o rei do futebol (1986). Contratado pela Rede Globo (1980 - 2012), redimensiona a dramaturgia televisiva na direção de telenovelas e minisséries: Memorial de Maria Moura (1994), Incidente em Antares (1994), Engraçadinha (1995), Torre de Babel (1998), Um só coração (2004), entre outros. Sonha com a realização de um filme sobre Carmen Miranda (1909-1955), com roteiro de Lauro César Muniz (1938).

Análise
Sem grande consideração na crônica cinematográfica da década de 1950, Carlos Manga ressurge, no processo de reavaliação crítica das chanchadas que se desenvolve a partir dos anos de 1970, como uma de suas mais notáveis figuras, ao lado de José Carlos Burle e Watson Macedo. Novas interpretações percebem, nesses populares filmes cômicos e musicais, dimensões políticas e ideológicas que os valorizam.

Assim Era a Atlântida (1975), coletânea de chanchadas dirigida pelo próprio Carlos Manga, com coordenação e pesquisa do escritor Silvio de Abreu (1942), serve de motor a esses estudos, ao render sua homenagem à Atlântida Cinematográfica, empresa carioca bem sucedida na produção desse tipo de filmes, e ao star system que ela sustentou por mais de uma década, representado pela extraordinária comicidade de Oscarito, Grande Otelo (1915-1993) e Zezé Macedo (1916-1999), e pelos galãs e mocinhas como Anselmo Duarte (1920-2009), Cyll Farney e Eliana Macedo (1926-1990).

Carlos Manga, em 21 filmes que dirige para a Atlântida, confere à chanchada novas configurações cênicas e dramatúrgicas: iluminação mais moderna, maior número de locações externas, composição mais realista dos personagens e tramas mais complexas. O cineasta se propõe a fazer chanchada sem números musicais ou, em havendo por necessidade comercial, que estejam integrados à própria narrativa, a ser construída pelo domínio pleno da linguagem do cinema clássico, dentro de uma formulação cinematográfica norte-americana, da qual Manga é por princípio fiel aprendiz.

Matar ou Correr (1954), por exemplo, procura respeitar a integridade do filme Matar ou Morrer  (High Noon, 1952) e tenta reproduzir o mais fielmente possível o western americano e o tipo de cinema que Carlos Manga considera de qualidade, a ponto de ostentar o orgulho de o ter conseguido em alguns momentos. Entretanto, o humor baseado na paródia predomina e a seriedade do duelo final do modelo de origem dá lugar na sua cópia para o antagonismo entre um atrapalhado xerife, de identificação bastante brasileira, com o bem composto vilão, esse sim de atitudes mais condizentes ao modo como a cultura americana articula seu passado.

Vários títulos da filmografia de Carlos Manga exibem igual tratamento. A trama principal se ampara em gêneros tradicionais "nobres" (filme romântico, filme policial, filme de suspense, filme histórico), que acabam desvirtuados e superados pelos personagens cômicos de feição popular: o barbeiro, o faxineiro, o palhaço, o ladrão boa-praça, as pensionistas, a cantora lírica desafinada, as esposas megeras, o funcionário público, e uma ampla gama de caricaturas do mundanismo high society. Esses personagens propiciam o brilhantismo de seus atores em momentos antológicos - a paródia do cantor Elvis Presley (1935-1977) em De Vento em Popa (1957),  a dança do flamenco em Esse Milhão é Meu! (1958), o falso espelho de Oscarito com Eva Todor (1922) em Os Dois Ladrões (1960) -, e permitem a abordagem crítica de extratos sociais brasileiros, sem prejuízo do efeito cômico e do êxito de bilheteria.

Essas formas de representação, em que na maior parte os personagens trocam de personalidade (e viram artista plástico moderno, cientista, Sansão, grã-fina, cantor de rock), deixam extravasar o embate entre a realidade concreta de uma identidade brasileira que existe dentro das condições materiais oferecidas, e o desejo de ser o outro (o rico, o desenvolvido, o poderoso) que se realiza plenamente. A chanchada de Carlos Manga assume com consciência que, para ter existência, é necessário degradar, através do deboche, do avacalho ou da paródia, o produto original opressor e fascinante. Nos créditos de Esse Milhão é Meu!  (1958), um caminhão da Atlântida exibe uma faixa onde se lê: "Fazemo o que sabemo e sabemo o que fazemo". Essa afirmação não é apenas de ordem cômica, seu teor, além de comercial de fazer graça e expõe o direito de emitir opinião sobre o pensamento, a política e a sociedade brasileira da época.

Nem Sansão Nem Dalila (1954), além da paródia ao filme bíblico de Cecil B. de Mille (1881-1959), esquematiza os mecanismos da vida política nacional por inserir o processo que concretiza a aliança da elite com o populismo e seus compromissos demagógicos (numa explícita alusão a Getúlio Vargas), e depois provoca a reação militar e golpista contra essa aliança. O Homem do Sputnik (1959) une a chanchada à discussão política e ideológica que começa a surgir na década de 1950 e se prolonga pelos anos 1960; a sátira política, que gira em torno de um casal simplório que acredita ter a posse do satélite russo, expõe a condição do subdesenvolvimento nacional (o papel subalterno da elite, a disfunção do governo, a imprensa sensacionalista) e as corruptas formas de imperialismo do mundo desenvolvido:  o universo consumista norte-americano, o autoritarismo soviético e o poder francês da elegante e sedutora modernidade.

O longo intervalo entre suas últimas comédias e o retorno ao universo da ficção cinematográfica não abala os fundamentos do cineasta. O Marginal (1974) absorve a estrutura do filme policial americano, desenha um personagem que procura escapar do universo marginal da Boca do Lixo de São Paulo para adentrar o mundo da alta sociedade, e elabora um eficiente melodrama psicológico, plenamente compatível com o cinema de mercado com qualidade que se quer então produzir, reduzindo o Brasil do "milagre econômico" do início da década de 1970 a três planos coexistentes: a especulação financeira, a mídia a serviço do mercado de consumo e o desejo de ascensão social da classe média.

Edgar Moura descreve com precisão o processo de criação de Carlos Manga naquilo que o destaca: o personagem "entra, fuma, se vira, aponta, senta, levanta, gira a cabeça, amarra o sapato, olha pela janela, isso tudo enquanto fala. E a câmera só filma esses momentos. Se parou, cortou. Parece que não é nada [...] mas é exatamente essa a diferença entre um filme e um bando de bonecos falantes, entre gente de verdade projetada na tela e filmes mal dirigidos".¹

Nota
1 MOURA, Edgar. 50 anos luz câmera e ação, p. 436

Espetáculos 1

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Exposições 2

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Fontes de pesquisa 15

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  • ABREU, Silvio de. Sobre meu mestre Carlos Manga. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 abr. 2004, Caderno 2, p. 6.
  • ALPENDRE, Sérgio. A carreira e as palavras de Carlos Manga. Programadora Brasil, São Paulo, n.4, out. 2010, p. 10-15.
  • AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro : a chanchada de Getulio a JK. São Paulo : Companhia das Letras; Cinemateca Brasileira, 1989, p. 119-120, 131-135, 153-161.
  • BERNARDET, Jean-Claude. A volta de Carlos Manga. Opinião, São Paulo, 10 jan. 1975.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Cantando o sol. Movimento, São Paulo,10 jan. 1975.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Piranha no mar de rosas. São Paulo : Nobel, 1982. p. 18-19.
  • CARLOS Manga, o jovem audacioso faz 30 anos de cinema. Jornal da Tela, Rio de Janeiro, n.7, mar. 1983, p.4-.
  • CENTRO CULTURAL BANCO DO BRASIL. Diretores brasileiros : Carlos Manga. São Paulo, 2004.
  • DIRETOR de TV e cinema Carlos Manga morre aos 87 anos. Disponível em: http://televisao.uol.com.br/noticias/redacao/2015/09/17/diretor-de-tv-e-cinema-carlos-manga-morre-aos-87-anos.htm. Acesso em: 18 set. 2015. Não catalogado
  • LUZES CÂMERA. Entrevista com Carlos Manga. São Paulo : TV Cultura, 197-. [Documento D 159/32 do acervo da Cinemateca Brasileira].
  • MANGA, Carlos. E agora? Filme Cultura, Rio de Janeiro, n.50, abr. 2010, p. 69-70.
  • MARINHO, Carlos. Oscarito : o riso e o siso. Rio de Janeiro : Record, 2007. p. 247-285.
  • MOURA, Edgar. 50 anos luz câmera e ação. 4. ed. São Paulo : Editora Senac, 1999. p. 436.
  • Memória Globo. Perfis - Carlos Manga. http://memoriaglobo.globo.com/Memoriaglobo/0,27723,GYP0-5271-245032,00.html. Acesso em: 12/03/2013.
  • VIEIRA, João Luiz. Este é meu, é seu, é nosso: introdução à paródia no cinema brasileiro. Filme Cultura, ano XVI, n.41/42, maio 1983, p. 22-30.

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