Dick Farney

Dick Farney, 1948
Texto
Biografia
Farnésio Dutra e Silva (Rio de Janeiro, RJ, 1921 – São Paulo, SP, 1987). Cantor, compositor e pianista. Inicia os estudos de piano com seu pai e de canto com sua mãe. Aos 14 anos, estreia no programa Picolino, de Barbosa Júnior, na Rádio Mayrink Veiga, tocando ao piano "Dança Ritual de Fogo", de Manuel de Falla. Torna-se pianista do conjunto Swing Maníacos. Por intermédio do radialista César Ladeira, lança o programa Dick Farney, sua Voz e seu Piano, na Rádio Mayrink Veiga. Participa como pianista de vários trios e quartetos de jazz que atuam em casas noturnas, palcos e estúdios. Apresenta-se na boate Flag's, em São Paulo e no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
Entre 1941 e 1944, apresenta-se como crooner no Cassino da Urca e, dois anos mais tarde, interpreta o samba-canção "Copacabana", de Braguinha (1907-2006) e Alberto Ribeiro. É convidado para cantar em Nova York, em 1946, e faz shows com Nat King Cole (1919-1965), Bill Evans (1929-1980) e David Brubeck (1920-2012). Retorna ao Brasil e grava o samba-canção “Marina” (1947), de Dorival Caymmi. Em 1948, grava a toada “A Saudade Mata a Gente”, de João de Barro e Antônio Almeida.
Apresenta-se no Copacabana Palace, na boate Vogue e em várias casas noturnas do Rio de Janeiro. Em 1949, excursiona pela Argentina e o Uruguai. Sua interpretação do samba-canção “Alguém como Tu”, de José Maria de Abreu e Jair Amorim, é incluída no filme Carnaval Atlântida (1952), de José Carlos Burle (1907-1983) e Carlos Manga (1928-1915). Em 1953, organiza Dick Farney e seu Quinteto. Com a dupla Tom Jobim e Billy Blanco (1924-2011), participa do disco Sinfonia do Rio de Janeiro (1954) e grava em dueto com Lúcio Alves, o samba Teresa da Praia. No LP Dick Farney Trio (1956) interpreta Valsa de uma Cidade, de Ismael Netto e Antônio Maria; Farney´s Blues, de sua autoria; e Com Você meu Bem, parceria com Laura Maria. Em 1957, grava Meia Noite em Copacabana, que é relançada em 1964 com a participação especial de Norma Benguel. Apresenta-se no Waldorf Astoria Hotel, em Nova York e excursiona por Cuba, República Dominicana e Porto Rico. No final de 1958, retorna ao Brasil e grava o samba-canção Se É por Falta de Adeus (1959), de Tom Jobim e Dolores Duran. Em São Paulo, a TV Record exibe Dick Farney Show, apresenta-se no Hotel Claridge, em Buenos Aires, e inaugura a boate Farney's, na Praça Roosevelt. Em 1962, grava Dick Farney Jazz com três composições de sua autoria: RGE Blues, Improviso nº1 e nº2.
Em 1964, apresenta com Betty Faria o programa semanal Dick e Betty 17, sob direção de Luiz Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli (TV Globo, 1965). Grava o LP Dick Farney, Piano e Orquestra Gaya (1966), com composições de Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Paulo Sérgio e Marcos Valle. Em 1971, grava depoimento para o Museu da Imagem e do Som (MIS/RJ). No ano seguinte, é entrevistado pelo Programa MPB Especial da TV Cultura de São Paulo. Lança o LP Concerto de Jazz ao Vivo - Dick Farney Trio (1973). Em 1976, grava com Claudette Soares os LPs Tudo isso É Amor, vol. 1 e vol. 2. Em 1978, participa do show 20 Anos de Bossa Nova, em São Paulo. Lança os LPs Dick Farney – Noite (1981) e Dick Farney ao Vivo (1986).
Análise
Dick Farney é considerado perfeccionista do grave e da dissonância. Tem uma trajetória singular ao se destacar como cantor romântico, músico reconhecido nos Estados Unidos, atuante consolidador do samba-canção no Brasil, pianista criativo e improvisador com grande versatilidade jazzística, intérprete moderno e uma das principais influências para os músicos modernos, como os jovens que apreciam a bossa nova. O próprio Dick afirma que em toda a sua carreira canta e a toca como em 1946, da mesma forma e com o mesmo estilo. Além disso, se mantém fiel às canções que grava e o que tornaram famoso no Brasil e no exterior.
Tem grande afinidade com o repertório norte-americano. Apreciador e influenciado pelo jazz, registra canções americanas em suas primeiras gravações. Tem como ídolos o cantor Bing Crosby e os pianistas Errol Garner e Dave Brubeck. Destaca-se como crooner do Cassino da Urca, acompanhando a orquestra de Carlos Machado. Essa experiência é fundamental em sua carreira, pois Farney torna-se conhecido dentro e fora do Brasil, atuando no mais importante palco do Rio de Janeiro, então capital federal. A vivência cultural das boates também contribui para sua formação, tornando-se um dos principais cantores da noite no eixo Rio-São Paulo.
Dick é fã e amigo de Braguinha (João de Barro), então diretor artístico da gravadora Continental, que o convence a gravar em português. Em 1946, interpreta o samba-canção Copacabana, parceria de Braguinha e Antônio Almeida. Essa gravação contribui para projetar nacionalmente o bairro litorâneo carioca: “Existem praias tão lindas/ Cheias de luz/ Nenhuma tem o encanto/ Que tu possuis/ Tuas areias/ Teu céu tão lindo/ Tuas sereias/ Sempre sorrindo/ Copacabana, princesinha do mar/ Pelas manhãs tu és a vida a cantar/ E à tardinha, ao sol poente/ Deixas sempre uma saudade na gente/ Copacabana, o mar eterno cantor/ Ao te beijar, ficou perdido de amor/ E hoje vive a murmurar/ Só a ti Copacabana eu hei de amar”. O acompanhamento é de uma orquestra composta de oito violinos, duas violas, violoncelo, oboé, piano, violão, contrabaixo e bateria. Os arranjos são de Radamés Gnattali e a regência de Eduardo Patané. Essa gravação, na época, causa incômodo entre muitos ouvintes e alguns críticos, mas devido à modernidade do arranjo e à concepção harmônica do orquestrador, é posteriormente considerada como marco da modernização da música brasileira. Este é seu primeiro sucesso como intérprete, e se mantém nas paradas de sucesso entre 1946 e 1947. A canção dá segurança a Farney cantar em português e o motiva a gravar outras composições. Em 1948, ele registra outra parceria de Braguinha e Antônio Almeida, a toada A Saudade Mata a Gente. O cantor explora as notas graves do estribilho, em contraste com a outra parte, contribuindo para tornar esse registro uma das suas principais gravações.
Devido ao sucesso no Rio de Janeiro, é convidado para se apresentar na Rádio NBC, que acaba por contratá-lo. Faz shows em Nova York, Los Angeles, Chicago e São Francisco. Durante suas temporadas nos Estados Unidos, convive, toca e torna-se admirador de Tommy Dorsey, Jimmy Dorsey, Count Basie, Buddy Ritchie, Art Tatum, Billy Taylor, Errol Garner, George Shearing, Dave Brubeck, Nat King Cole e Bill Evans. Essa experiência aprofunda seu interesse por música norte-americana, especialmente na incorporação do jazz em harmonias e estilo que o tornam um dos responsáveis pela renovação da música popular brasileira. O cantor e compositor influencia Tito Madi e vários jovens ligados à bossa nova, que o consideram uma referência moderna a ser seguida.
Em 1947, Dorival Caymmi compõem o samba-canção Marina, que Farney grava. A música se enquadra entre as composições urbanas de inspiração carioca de Caymmi, com melodia e letra elaboradas. A interpretação de Farney é uma de suas melhores versões e se torna um clássico.
No final da década de 1940, a popularidade do cantor é enorme, o que motiva alguns jovens moradores da Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, criarem o Sinatra-Farney Fan Club, em 1948. As reuniões são frequentadas por futuros artistas, como João Donato e Nora Ney, além do próprio cantor que comparece eventualmente.
Farney aprecia a obra de José Maria de Abreu e Jair Amorim e grava, em 1949, o samba-canção Ponto Final. Essa é uma das poucas músicas brasileiras que apresenta um recitativo que precede a primeira parte, composto no modo menor, abrindo para a relativa maior no estribilho. O samba-canção Alguém como Tu, dos mesmos compositores, é criado para Farney, que o grava em 1952, tornando-se um de seus principais sucessos. Luiz Bonfá e Hervê Cordovil estão entre os compositores que ele também aprecia.
Tom Jobim e Billy Blanco compõem o samba Teresa da Praia (1954), que é gravado por Dick Farney e Lucio Alves, considerados cantores rivais no período. A interpretação evidencia a letra, um diálogo/disputa por uma garota a qual os dois estão interessados. O registro em disco é acompanhado por Tom Jobim e seu conjunto. No mesmo ano, grava a pré bossa nova Outra Vez, de Jobim. Farney torna-se seu amigo e fã e posteriormente o convida para o programa Dick Farney Show. Nessa ocasião, grava o samba Este seu Olhar, composto pelo maestro, em 1959. Farney registra várias de suas composições, como Inútil Paisagem e Fotografia. Esta última é gravada em dueto com Claudette Soares no LP que fazem juntos.
Fontes de pesquisa 8
- CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
- CAYMMI, Stella. Dorival Caymmi: o mar e o tempo. São Paulo: Editora 34, 2001.
- DICIONÁRIO Cravo Albin. http://www.dicionariompb.com.br/dickfarney. Acesso em 1 nov. 2011.
- Dicionário Cravo Albin. Disponível em: . Acesso em: 14 nov. 2011. Não catalogada
- FARNEY, Dick. In: BOTEZELLI, J. C. Pelão; PEREIRA, Arley (Org.). A música brasileira deste século por seus autores e intérpretes. Vol. 4. São Paulo: Sesc Serviço Social do Comércio, 2001.
- LENHARO, Alcir. Os cantores do rádio: a trajetória de Nora Ney e Jorge Goulart e o meio artístico de seu tempo. Campinas: Unicamp, 1995.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
Como citar
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DICK Farney.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12861/dick-farney. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7