Ismail Xavier
Texto
Ismail Norberto Xavier (Curitiba, Paraná, 1947). Pesquisador, crítico e professor de cinema. É um dos mais destacados teóricos do cinema brasileiro. Em sua produção intelectual, toma como base a análise imanente dos filmes, com a qual depreende as implicações socioeconômicas, ideológicas e históricas da produção cinematográfica.
Em 1965, ingressa no curso de engenharia mecânica, na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP). Durante a vivência acadêmica, entra em contato com o cinema, participando de cineclubes universitários e frequentando a Cinemateca Brasileira, importante espaço de difusão de filmes.
Em 1967, um ano depois da criação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, ingressa no curso de cinema. Tem como professores Rudá de Andrade (1930-2009) e Jean-Claude Bernardet (1936), Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977), Maurice Capovilla (1936-2021) e Roberto Santos (1928-1987). Embora se incline desde cedo para a reflexão, a crítica e a docência, participa como montador dos curtas-metragens A Morte da Strip-Teaser (1969) e Museu da Imagem e do Som (1971), ambos de Eduardo Leone, e Cacilda (1970), de João Candido Martins Galvão de Barros, além de Acaba de Chegar ao Brasil o Bello Poeta Francez Blaise Cendrars (1972), de Carlos Augusto Calil (1951). É também um dos responsáveis por argumento e roteiro de De Revolutionibus (1975), de Marcello G. Tassara. Essa experiência prática define seu olhar de crítico e teórico que, se por um lado, se constrói na vivência acadêmica na USP, por outro, se baseia na percepção da montagem, momento de estruturação e construção do tempo do filme.
Graduado em Comunicação Social com habilitação em Cinema, passa a cursar, em 1971, pós-graduação em Teoria Literária, quando assiste aos cursos de Antonio Candido (1918-2017) e a aulas dos departamentos de História e Filosofia. Em 1975, tendo Paulo Emilio como orientador, apresenta à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP a dissertação de mestrado À Procura da Essência do Cinema: O Caminho da Avant-garde e as Iniciações Brasileiras. O trabalho trata da análise da história da crítica, na França e no Brasil, nos anos 1920, que resulta no livro Sétima Arte: Um Culto Moderno (1978).
Em 1975, logo depois de terminar o mestrado, obtém bolsa Fulbright e inicia o doutorado em Cinema Studies na New York University. Escreve então O Discurso Cinematográfico: A Opacidade e a Transparência, obra que permanece como referência fundamental para os estudos de cinema em língua portuguesa. Propõe a transparência (o “efeito-janela” da tela de cinema, que leva o espectador a imergir no mundo ali apresentado) e a opacidade (efeito da tela como superfície, composição visual) como categorias de análise do discurso cinematográfico, tomando como fonte a vasta produção teórica sobre o cinema ao longo do século XX, que consegue sintetizar e com a qual dialoga criticamente.
A vivência na FFLCH e a interlocução com Paulo Emilio e Antonio Candido marcam o pensamento de Ismail Xavier: ambos trabalham a forma ensaística. Esta explora uma problemática construída por meio de um jogo de interrogações, podendo passar por conceitos fundamentais, mas fugindo sempre da ostentação ou ornamentação erudita. Sua forma de pensar a arte, a literatura e o cinema privilegia a análise imanente, o contato com o objeto, a interação direta que desafia as grandes sistematizações teóricas, não para descartar a teoria, mas para colocá-la em movimento.
Depois de concluir o doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada, orientado por Antonio Candido, Ismail apresenta em 1980 a tese A Narração Contraditória: Glauber Rocha (1962-1964). À NYU, em 1982, apresenta a tese de doutorado Allegories of underdevelopment: from the aesthetics of hunger to the aesthetics of garbage, que mais tarde, em 1993, será desdobrada e publicada como Alegorias do Subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. Nesse trabalho aparece um aspecto importante da obra do teórico: a convivência entre as noções do tempo teleológico profético, de origem cristã, e o tempo catastrófico do drama barroco, matriz da construção do conceito de alegoria feita pelo filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940).
Sertão Mar: Glauber Rocha e a Estética da Fome, de 1983, torna mais complexa a análise sobre a obra do cineasta, mostrando como a noção de luta de classes e outras referências marxistas, prisma principal adotado pela crítica, coexiste, por exemplo, com a leitura da Bíblia. Aponta para a originalidade da articulação de imagem e som com que o cineasta faz convergirem e se tensionarem mutuamente a cultura popular e erudita, o teatro moderno e a tradição literária, em sintonia com o cinema de autor europeu contemporâneo e o western dos anos 1950.
Dentre as distinções recebidas ao longo de sua carreira, destacam-se o prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (2009) e a Ordem do Mérito Cultural do Ministério da Cultura (2012). O Dictionnaire de la pensée du cinéma, organizado por Antoine de Baecque e Philippe Chevalier, dedica-lhe um verbete. Em 2017, é agraciado com título de professor emérito da ECA.
Por meio da análise fílmica e por sua capacidade de mobilizar uma vasta produção intelectual e colocá-la a serviço da compreensão histórica e ideológica da produção cinematográfica, Ismail Xavier contribui de forma definitiva para a crítica e a teoria do cinema.
Fontes de pesquisa 8
- CINEMATECA Brasileira - Filmografia: base de dados. Disponível em: http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p. Acesso em: 16 set. 2019
- GATTI, José. “Arte é Desafio, Provocação: Uma Entrevista com Ismail Xavier”. Rebeca – Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, ano 3, n. 6, jul.-dez. 2014.
- KORNIS, Mônica Almeida; MORETTIN, Eduardo. “Entrevista com Ismail Xavier”. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 26, n. 51, jan.-jun. 2013.
- MENDES, Adilson (org.). Ismail Xavier: Encontros. Rio de janeiro: Azougue Editorial, 2009.
- MOTA, Sergio. Resenha de XAVIER, Ismail. O Olhar e a Cena: Melodrama, Hollywood, Cinema Novo, Nelson Rodrigues. São Paulo, Cosac & Naify, 2003. Tempo Social, v.16, n.1, São Paulo, 2004.
- MOURA, Mariluce; MARCOLIN, Neldson. “Ismail Xavier: Visões em Cena”. Revista Pesquisa Fapesp, n. 94, pp. 84-89, dez. 2003.
- XAVIER, Ismail. Entrevista concedida a Miguel de Almeida no programa Sala de Cinema. Sesc TV, São Paulo, 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Zk9AON3og6c. Acesso em: 16 set. 2019
- XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: A Opacidade e a Transparência. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
ISMAIL Xavier.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa11705/ismail-xavier. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7