Rua sem Sol
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Rua sem Sol é o segundo longa-metragem de Alex Viany (1918-1992) e o primeiro filme da produtora de Oswaldo Massaini (1919-1994), a Cinedistri, em coprodução com Brasil Vita Film e Unida. Com vasto repertório cinematográfico formado em anos de exercício como crítico, o diretor opõe-se o cinema comercial e dedica sua obra a dramas sociais e personagens populares. Esse esforço para adensar o realismo cinematográfico brasileiro é partilhado com diretores como Nelson Pereira dos Santos (1928) e Roberto Santos (1928-1987).
Em Rua sem Sol, Marta [Glauce Rocha (1930-1971)] é acusada de assassinato. Detida, ela decide contar sua história. Relata a adoção na infância, as dificuldades financeiras com a morte do pai adotivo, que lhe deixa dívidas, e a responsabilidade de cuidar de Maria [Dóris Monteiro (1934)], a irmã cega. Sem recursos, a duas moram na casa de Brito [Modesto de Souza (1894-1967)], amigo do pai. Marta encontra emprego em uma joalheria, e a vida parece se estabilizar. No entanto, Maria adoece e precisa submeter-se a uma cirurgia. Sem recursos para custear a operação, Marta rouba um broche em seu trabalho, mas, ao tentar vendê-lo, descobre que se trata de uma joia falsa. Chantageada por Ruiz [Gilberto Martinho (1927-2001)], um vigarista que descobre o roubo, Marta tem de ceder às investidas do rapaz. Depois de jantarem, vão a um dancing, onde Marta descobre a profissão de dançarina de aluguel. Frustrada com o resultado do roubo e com o assédio de Luís, ela decide trabalhar na casa noturna de Nuno Ferreira [Carlos Cotrim (1913-1978)] e torna-se uma das taxi-girls mais requisitadas.
Floriano surpreende-a saindo do local e convence a jovem a abandonar aquele trabalho. Antes de deixar o dancing, entretanto, Marta decide obter o dinheiro necessário para a operação da irmã: convence o jovem médico Fernando [Carlos Alberto (1925-2007)] a levar Maria para a Itália, para que ele a opere, e, em seguida, pede pagamento adiantado ao patrão. Nuno recusa-se a dar-lhe o dinheiro. Desesperada, Marta apanha o revólver sobre a mesa, dispara um tiro e foge. Os jornais anunciam a morte do dono do dancing e Marta é considerada a principal suspeita. As investigações revelam, entretanto, que Nuno é morto por mais de um disparo. A polícia descobre o verdadeiro assassino: traficante e ex-funcionário do dancing, que se vinga do chefe. Marta ganha a liberdade e, da Itália, sua irmã manda notícias sobre a saúde.
A trama de Rua sem Sol segue os artifícios do gênero policial: a protagonista narra, com a voz em off, os eventos passados de sua vida. Pela trama, pela inspiração no gênero policial estadunidense e pelo estilo realista, Rua sem Sol assemelha-se a Amei um Bicheiro (1952), filme de Jorge Ileli (1925-2003) e Wanderley Paulo (1903-1973). No filme de Viany, entretanto, o conflito não ganha contornos definidos, e as personagens não possuem profundidade. Floriano é o mais caricato deles: um compositor de samba, amante de feijoada e futebol.
A fluência narrativa e o registro realista revelam-se com mais vigor na sequência que se passa na casa noturna. A cena abre espaço a personagens da classe social desfavorecida. A música Rua sem Sol, composição de Mário Lago (1911-2002) e Henrique Gandelman (1929), é interpretada ao vivo por Ângela Maria (1929). Marta sofre ameaças de Luís, que tenta seduzi-la e tirá-la para dançar. No primeiro plano, dançarinas são apresentadas com olhar entediado, e copos vazios são preenchidos até transbordarem. Marta, cabisbaixa, dança nos braços de Luís, que tenta forçar-lhe um beijo. Na pista, um homem acompanha a música em passos lentos; outro pisca e sorri cinicamente para a câmera; uma mulher bebe solitária.
Esse é um dos raros momentos em que a condição social das personagens ganha contorno e entrevê-se a frustração das pessoas e a amoralidade do ambiente. O realismo, no entanto, não resiste ao enredo comum do gênero policial. Essa tensão deve-se ao fato de o argumento ter sido imposto ao diretor. Alex Viany recebe o convite para dirigir o filme, cujo roteiro de Eduardo Borrás (1907-1968) está previamente aprovado pela produtora. No início, a direção do filme está sob comando de Mário Del Río, que desiste da atividade para concentrar-se na produção. A realização sofre percalços durante a filmagem, interrompida por causa do orçamento insuficiente.
O filme é concluído no fim de 1953 e tem recepção fria da crítica, apesar dos avanços técnicos apontados por Luiz Francisco de Almeida Salles: “[...] as sequências estão bem articuladas, a câmera decompõe agilmente os planos, alternando com precisão os planos próximos e distantes, a duração das tomadas está bem calculada, a ligação dos planos teve em vista exigências didáticas de narração e estéticas de composição”1. Mesmo com o elogio à qualidade técnica, a crítica é unânime em atacar a temática do filme. Antônio Moniz Vianna (1924-2009) lamenta tratar-se de “[...] mais uma melancólica ficha a ser posta no arquivo do cinema brasileiro”. Para o crítico, “[...] o ritmo é completamente falho, o enquadramento às vezes bom (cenas de dancing), mas não raro defeituoso; os intérpretes, irregularmente orientados”2. Segundo Walter da Silveira (1915-1970), o maior problema do filme é a temática imposta ao diretor: “[...] o realizador, não podendo tentar o nacionalismo temático, em virtude do caráter cosmopolita do enredo, passará a tentar, usando toda a sua aprendizagem teórica, exercícios de linguagem”3.
Depois de Rua sem Sol, Alex Viany retoma a atividade crítica e torna-se um dos principais apoiadores do movimento do cinema novo. Em 1963, volta à direção no filme Sol sobre a Lama.
Notas
1. SALLES, Luiz Francisco de Almeida. Rua sem Sol. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 4 ago. 1954.
2. VIANNA, Moniz. Rua sem Sol. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 jan. 1954.
3. SILVEIRA, Walter da. Rua sem Sol. Diário de Notícias, Salvador, 9 maio 1954.
Fontes de pesquisa 10
- AUTRAN, Arthur. Alex Viany: crítico e historiador. São Paulo: Perspectiva, 2003.
- GONZAGA, Alice. Cinedistri. In: RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2003.
- LIMA, Antônio; PEREIRA, José Haroldo. Um diretor: Alex Viany. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 32, fev. 1979.
- OROZ, Silvia. Glauce Rocha. In: RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2003.
- PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. Rua sem sol. Manchete, n.94, 6 fev. 1954.
- ROCHA, Glauber. Introdução ao cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963.
- SALLES, Francisco Luiz de Almeida. Rua sem sol. O Estado de S. Paulo, São Paulo 4 jul. 1954. Acesso em: 28 jun. 2011
- SILVEIRA, Walter da. Rua sem sol. Diário de Notícias, Salvador, 9 maio 1954.
- VIANNA, Moniz. Rua sem sol. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 jan. 1954.
- VIANY, Alex. Introdução ao Cinema Brasileiro. Rio de Janeiro, Alhambra, 1987.
Como citar
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RUA sem Sol.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra70953/rua-sem-sol. Acesso em: 07 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7