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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

O Saci

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 17.05.2024
1953
Um dos primeiros longas-metragens brasileiros dirigidos ao público infantil, O Saci , dirigido por Rodolfo Nanni (1924),  é pioneiro na proposição de um cinema independente. Contrapõe-se ao sistema industrial dos grandes estúdios cinematográficos paulistas entre 1949 e 1951. Sua autonomia articula-se no modo de produção, com financiamento de quo...

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Um dos primeiros longas-metragens brasileiros dirigidos ao público infantil, O Saci , dirigido por Rodolfo Nanni (1924),  é pioneiro na proposição de um cinema independente. Contrapõe-se ao sistema industrial dos grandes estúdios cinematográficos paulistas entre 1949 e 1951. Sua autonomia articula-se no modo de produção, com financiamento de quotistas e empréstimos bancários, e na veiculação expressa de um conteúdo nacional em filmes brasileiros.

A iniciativa parte de Arthur Neves, um dos diretores da editora Brasiliense, então responsável pela publicação das obras de Monteiro Lobato (1882-1948), no qual se baseia o argumento. São alugados quipamentos da Cinematográfica Maristela e recrutados atores não profissionais para lidar com a escassez de recursos. As filmagens, iniciadas em outubro de 1951, privilegiam as locações externas, indicando ambições neorrealistas em oposição ao cinema de estúdio. O caráter nacional da produção revela-se nos personagens, técnicos e cenários, no capital e na temática. A começar pelo roteiro, relacionado ao folclore rural de origem indígena ou negra (saci, Cuca, Iara), presente na série infanto-juvenil de Lobato.

A independência e o nacionalismo estão presentes nos debates de 1951 da Associação Paulista de Cinema, entidade fundada, entre outros, por Rodolfo NanniNos debates, destaca-se também a participação de Nelson Pereira dos Santos (1928) e Alex Viany (1918-1992), respectivamente, assistente de direção e diretor de produção do mesmo filme, todos ligados ao Partido Comunista Brasileiro. A sequência inicial da fita traz a mensagem de um mundo alegre, feliz e em harmonia, seguindo as diretrizes da União Soviética no Conselho Mundial da Paz1.

A narrativa desdobra-se com as brincadeiras dos meninos. A mesma atenção é dada a elementos que fundamentam o lazer e o trabalho rural, como entoar canções populares, cozinhar no fogão à lenha, estourar pipoca e lavar a roupa no córrego. A trama abre-se com a exposição dos sonhos dos dois protagonistas, netos de dona Benta [Maria Rosa Moreira Ribeiro]. Narizinho [Aristéia Paula e Souza] rememora sua aventura com Escamado, príncipe do Reino das Águas Claras, e Pedrinho [Lívio Nanni] almeja aventurar-se pela mata virgem para caçar um saci.

Emília [Olga Maria], a boneca de pano, não sonha, vive o presente. Cai no riacho durante uma pescaria e passa o resto do filme secando ao sol. Dona Benta e tia Nastácia [Benedita Rodrigues], representam o mundo adulto e temem as empreitadas infantis. Todavia, é tia Nastácia quem diz a Pedrinho que ele deve procurar tio Barnabé [Otávio de Araújo]. Somente o “preto velho”, sabe que saci existe e como capturá-lo. 

Apesar de seguir à risca os ensinamentosde Barnabé, Pedrinho decepciona-se com o resultado: o saci está invisível dentro de uma garrafa. Seu corpo só vai se materializar, na hora do sono do menino. Nesse ínterim, Narizinho torna-se vítima do feitiço da Cuca, que a transforma em uma estátua de barro. Pedrinho torna-se amigo do saci [Paulo Matosinho] e recebe dele a proteção na floresta. Graças ao novo amigo, Pedrinho fica sabendo do desaparecimento da prima e de como exigir da Cuca que a libere.

Duas provas difíceis têm de ser cumpridas: conseguir um fio de cabelo de Irara, mãe das águas, e encontrar uma flor azul. O saci consegue o fio de cabelo e Pedrinho encontra a flor que quebra o feitiço. Narizinho, assim, liberta-se do encantamento e volta para casa. Emília, que secava ao sol, não acredita nas aventuras dos meninos. Para provarem veracidade das histórias, saem atrás do saci, mas ele retorna ao seu lugar de origem, como atesta tio Barnabé. As duas crianças e a boneca despedem-se do amigo e também do espectador, trepados em uma cerca de madeira.

Linhas divisórias, como a da cerca, são recorrentes no filme, representando o limite entre o mundo “real” e a fantasia. Narizinho defronta-se com a Cuca ao ultrapassar uma cerca de arame; Pedrinho sai do campo arado para penetrar na mata virgem e fica frente a frente com o saci quando transpõe um regato. Da mesma forma, a cerca do final do filme reforça a chave dada na abertura abertura: a porteira do sítio se abre, convidando o espectador a penetrar em um mundo rural “verdadeiro” por onde aflora o universo da imaginação.

Ugo Casiraghi, afirma que O Saci justapõe um “estilo realístico” ao encaminhamento da “narração da fábula”2. Resenhas críticas analisam o filme pelo modo de produção, algumas delas pelo viés do modelo industrial. A de Jacques do Prado Brandão (1924-2007) lastima a “extrema pobreza técnica e artística”3 e a de Emidio Saladini destaca “uma desconsoladora pobreza de inventividade e uma esquálida prova de diletantes”4

Carlos Ortiz (1910-1995) reconhece os “defeitos inevitáveis numa produção de principiantes” e lastima a interpretação amadorística. Adepto do pensamento nacionalista, termina por elogiar “a vitória dos pequenos produtores”do cinema nacional. Francisco Luiz de Almeida Salles (1912-1996) qualifica o filme de “produção paulista independente, nascida do sonho e do esforço de uma equipe”e surpreende-se com a excelência da direção, da fotografia e da música.      

Já Luiz Carlos Bresser Pereira (1934) afirma que: “não esperávamos um filme tão simples, tão honesto, tão bem cuidado e sincero, uma fita que transmitisse tão bem a poesia da infância7. Na mesma linha, segue Salvyano Cavalcanti de Paiva (1923-?): “é tanta poesia que a gente se perde e se esbalda, brincando de esconde-esconde”8. São opiniões que justificam ao prêmio especial Saci, para fita infantil e direção; o prêmio Governador do Estado pela montagem; e o prêmio O Índio, da revista Jornal do Cinema, para o produtor e compositor, todos em 1953.

Notas

1. ORTIZ, Carlos. In: BERRIEL, BERRIEL, Carlos Eduardo Ornellas (Org.). Carlos Ortiz e o cinema brasileiro na década de 50. São Paulo: IDART, 1981. p. 69. 

2. Citado por PEREIRA, Santos. Rodolfo Nanni conheceu algumas das maiores figuras do cinema italiano. Folha da Noite, São Paulo, 13 jan. 1955.

3. BRANDÃO, Jacques do Prado. Resenha crítica: maio 1954. Revista de Cinema, Belo Horizonte, n.3, p.43,  jun. 1954.

4.  SALADINI, Emidio. I film fuori concorso. Bianco e Nero, Roma, v.15, n.8, p.39, ago. 1954.

5.  ORTIZ, Carlos, op. cit., p. 69

6.  SALLES, Francisco Luiz de Almeida. Cinema e verdade: Marilyn, Buñuel, etc. : por um escritor de cinema. São Paulo: Companhia das Letras: Cinemateca Brasileira: Fundação do Cinema Brasileiro, 1988. p. 260.

7.  PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crítica de cinema em O Tempo: 1953-1956. São Paulo, 1986. Coletânea fotocopiada pelo autor, p. 203. [Acervo da Cinemateca Brasileira.

Fontes de pesquisa 8

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  • BRANDÃO, Jacques do Prado. Resenha crítica : maio 1954. Revista de Cinema, Belo Horizonte, n.3, p. 43, jun. 1954.
  • MELO, João Batista. Lanterna mágica: infância e cinema infantil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 97-100.
  • ORTIZ, Carlos. Afinal O Saci. In: BERRIEL, Carlos Eduardo Ornellas (Org.). Carlos Ortiz e o cinema brasileiro na década de 50. São Paulo: IDART, 1981. p. 69. [Originalmente publicado em Notícias de Hoje, São Paulo, 30 jul. 1953].
  • PAIVA, Salvyano Cavalcanti de. O Saci. [?], Rio de Janeiro, 05 set. 1953. [Recorte, sem identificação de periódico, do acervo da Cinemateca Brasileira].
  • PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crítica de cinema em O Tempo: 1953-1956. São Paulo, 1986. Coletânea fotocopiada pelo autor, p. 203. [Acervo da Cinemateca Brasileira].
  • PEREIRA, Santos. Rodolfo Nanni conheceu algumas das maiores figuras do cinema italiano. Folha da Noite, São Paulo, 13 jan. 1955.
  • SALADINI, Emidio. I film fuori concorso. Bianco e Nero, Roma, v.15, n.8, p.39, ago. 1954.
  • SALLES, Francisco Luiz de Almeida. Cinema e verdade: Marilyn, Buñuel etc.: por um escritor de cinema. São Paulo: Companhia das Letras: Cinemateca Brasileira: Fundação do Cinema Brasileiro, 1988. p. 260-261.

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