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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Galáxia

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 07.02.2017
1984
O livro Galáxias (1984), segundo o próprio autor, o poeta Haroldo de Campos (1929 - 2003), é desenvolvido durante um longo período de pesquisa poética entre 1963 e 1976. Após o chamado “salto participante” da poesia concreta, no início da década de 1960, experiências de linguagem de Haroldo encaminha-se à criação de uma “prosa concreta”. Assim c...

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Análise

O livro Galáxias (1984), segundo o próprio autor, o poeta Haroldo de Campos (1929 - 2003), é desenvolvido durante um longo período de pesquisa poética entre 1963 e 1976. Após o chamado “salto participante” da poesia concreta, no início da década de 1960, experiências de linguagem de Haroldo encaminha-se à criação de uma “prosa concreta”. Assim como a poesia anterior, a prosa questiona os limites dos textos literários produzidos até aquele momento no Brasil. Em dezembro de 1964, publica 12 fragmentos da obra na revista Invenção. Os fragmentos são precedidos por um texto introdutório, intitulado “dois dedos de prosa”, no qual o poeta explica o projeto da obra que pretende organizar nos anos seguintes. Os textos despertam o interesse de artistas e críticos nacionais e internacionais, e alguns dos fragmentos são traduzidos para o alemão, francês, espanhol e inglês. Em 1976, Haroldo lança o livro Xadrez de Estrelas, reunindo sua produção artística de 1949 até 1974, no qual inclui 43 fragmentos do projeto Galáxias. A primeira edição integral da obra, com seus 50 fragmentos, surge apenas 1984.

Os textos que compõem Galáxias possuem entre si uma página em branco. A proposta é gerar um efeito de silêncio entre eles. Com exceção do primeiro, “E Começo Aqui”, e do último, “Fecho Encerro”, os fragmentos são permutáveis e podem ser lidos em qualquer ordem. Isso ocorre porque não há nexo causal entre os textos. Ao mesmo tempo, todos eles contêm em si imagens que sintetizam o livro inteiro. O poeta faz alusões vagas a temas narrativos, pois sua intenção não é descrever os fatos de maneira minuciosa. Assim, pode-se dizer que o principal tema de Galáxias é a “viagem” como tópica da poesia – segundo o autor, “a viagem como livro, o livro como viagem”. Nesse sentido, os textos “narram” pequenas epifanias que misturam, ficcionalmente, experiências de Campos. A experiência do poeta em diversos lugares ao redor do mundo, como Brasil, Estados Unidos, Alemanha, México ou Espanha mescla-se com as referências literárias que ele possui. Entre elas, o poeta grego Homero (séc.VIII A.C.), o poeta italiano Dante Alighieri (1265-1321), o dramaturgo britânico William Shakespeare (1564-1616) ou o romancista irlandês James Joyce (1882-1941). Os textos não possuem pontuação e, embora mantenham o português como idioma principal, usam palavras, expressões e frases em línguas como latim, grego, espanhol, francês, inglês e alemão. Os fragmentos possuem algumas características gerais da poesia de Haroldo de Campos: a erudição literária, os jogos de linguagem baseados na etimologia das palavras e em suas proximidades fonéticas e/ou visuais e o questionamento do discurso linear dos textos literários em prosa.

Tais características são apontadas por diversos críticos brasileiros e estrangeiros. Um dos primeiros comentadores da obra é o filósofo Benedito Nunes (1929-2011) que a descreve como uma nova fase da poesia de Haroldo, a qual nomeia “palavra errante”. Ela é identificada pelo fluxo verbal contínuo do texto, que mistura “matéria vivida” com referências literárias, e sua realização remete à ideia do “poema-vida”, almejado anteriormente pelo poeta Mário Faustino (1930-1962). Já o poeta cubano Severo Sarduy (1937-1993) observa que os fragmentos de Galáxias apropriam-se de fórmulas literárias do passado para remodelá-las no presente, aproximando-se das características do neobarroco hispano-americano. Para o crítico literário João Alexandre Barbosa (1937-2006), os textos de Galáxias “formam uma espécie estranha de notebook do escritor” que, registrando anotações cotidianas, momentos de epifania e alucinações, representam uma viagem que se prolonga vertiginosamente por meio da linguagem, abolindo as distâncias entre a prosa e a poesia. Em sentido semelhante, o crítico literário Luiz Costa Lima (1937) dedica o último capítulo de seu livro A Aguarrás do Tempo (1989) a uma análise detalhada da estrutura de Galáxias. Segundo Costa Lima, os fragmentos da obra projetam-se a partir dos limites da narrativa ficcional, pois propõem uma viagem na escrita e não apenas uma viagem narrada por meio dos recursos literários. Esta viagem é marcada pela “deriva barroca no magma impuro do cotidiano” que permite ao poeta incorporar os acontecimentos históricos e biográficos no texto de maneira não-linear. Isso gera uma “prosa minada” que, a cada página, concentra-se em pequenos episódios cíclicos em vez de descrever ações e fatos numa narrativa com começo, meio e fim delimitados.

Um dos livros mais importantes da poesia brasileira na segunda metade do século XX, Galáxias é também um divisor de águas na trajetória de Haroldo de Campos. Pode-se afirmar que os fragmentos da obra aproximam-se do conceito de “poema pós-utópico”. O termo é criado pelo poeta na década de 1980 para designar uma poesia que, diante do esgotamento dos projetos artísticos e políticos que visavam a um futuro utópico, recupera o passado por meio de diálogos literários. Com isso, amplia as possibilidades de criação e a pluralidade de poéticas no presente. Segundo alguns estudiosos, observa-se a influência das experimentações de linguagem de Galáxias em obras como o romance Catatau (1975), do poeta Paulo Leminski (1944-1989), e a canção “Outras palavras”, do compositor Caetano Veloso (1942). Caetano também musica um dos fragmentos de Galáxias, conhecido como “Circuladô de Fulô”, no disco Circuladô (1991). Além disso, Haroldo de Campos participa como ator do filme Sermões: a História de Antônio Vieira (1989), do cineasta Julio Bressane (1946), lendo alguns trechos de Galáxias. Em 1992, o próprio Haroldo grava, com produção do poeta Arnaldo Antunes (1960), o disco Isso Não É um Livro de Viagens. Nele, vocaliza alguns fragmentos de Galáxias com a participação do músico Alberto Marsicano (1952-2013), tocando cítara na primeira e na última faixa. Em 1998, o livro é vertido para o francês pela tradutora Inês Oseki-Dépré, agraciada com o Prêmio Roger Caillois.

Fontes de pesquisa 12

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  • AGUILAR, Gonzalo. Hélio Oiticica, Haroldo y Augusto de Campos: el diálogo velado – La aspiración a lo blanco. O Eixo e a Roda, Belo Horizonte, v. 13, 2006.
  • BARBOSA, João Alexandre. Um cosmonauta do significante: navegar é preciso. In: As ilusões da modernidade. São Paulo: Perspectiva, 1986.
  • CAMPOS, Haroldo de. Galáxias. Organização Trajano Vieira. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2004.
  • CAMPOS, Haroldo de. Poesia e modernidade: da morte da arte à constelação. O poema pós-utópico. In: O arco-íris branco. Rio de Janeiro: Imago, 1997.
  • CAMPOS, Haroldo de. Xadrez de estrelas: percurso textual, 1949-1974. São Paulo: Perspectiva, 2008.
  • JACKSON, K. David. Viajando pelas Galáxias: guia e notas de orientação. In: MOTTA, Leda Tenório da (Org.). Céu acima. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2005.
  • LEMINSKI, Paulo. Catatau. São Paulo: Iluminuras, 2010.
  • LIMA, Luiz Costa. Arabescos de um arabista: Galáxias de Haroldo de Campos. In: A aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
  • NUNES, Benedito. Xadrez de estrelas. In: COLÓQUIO/Letras, Lisboa, n. 38, julho de 1977.
  • PERLOFF, Marjorie. Prosa concreta. In: Terceira margem, Rio de Janeiro, n. 11, 2004.
  • SARDUY, Severo. Rumo à concretude (trad. Augusto de Campos). In: CAMPOS, Haroldo de. Signantia quasi coelum. São Paulo: Perspectiva, 1979.
  • VELOSO, Caetano. Alegria, alegria (org. Waly Salomão). Rio de Janeiro: Pedra Q Ronca, 1977.

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