Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

A Dama do Lotação

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 24.08.2023
1978
A Dama do Lotação (1978) é um longa-metragem dirigido por Neville D'Almeida (1941). Baseado no conto homônimo de Nelson Rodrigues (1912-1980), publicado na coluna “A vida como ela é...”(1950- 1961), do jornal carioca Última Hora, o filme é protagonizado por Sônia Braga (1950) e tem como música tema “Pecado Original”, de Caetano Velos (1942). Com...

Texto

Abrir módulo

A Dama do Lotação (1978) é um longa-metragem dirigido por Neville D'Almeida (1941). Baseado no conto homônimo de Nelson Rodrigues (1912-1980), publicado na coluna “A vida como ela é...”(1950- 1961), do jornal carioca Última Hora, o filme é protagonizado por Sônia Braga (1950) e tem como música tema “Pecado Original”, de Caetano Velos (1942). Com produção executiva assinada por Nelson Pereira dos Santos (1928) e distribuição da Embrafilme, é sucesso de público, alcançando 7,5 milhões de espectadores, uma das maiores bilheterias do cinema nacional. Sem dúvida, a adaptação da obra literária para cinema mais bem-sucedida em termos de público.

Vale destacar, como aponta o crítico Jean-Claude Bernardet (1936), que a  escolha da atriz é sem dúvida um dos fatores de sucesso do filme. Lembra ainda que, é difícil pensar em uma atriz com tanto apelo cinematográfico como o de Sônia Braga na década de 1970[1]. Segundo a crítica Stephanie Dennison “era uma história irresistível parecida com Belle de Jour, uma combinação mais irresistível ainda de deusa cinematográfica [Sônia Braga], libertinagem e o maldito Nelson Rodrigues(...)”[2].  O filme narra a história de Solange [Sônia Braga] e inicia-se com seu casamento com o namorado de infância Carlos [Nuno Leal Maia (1947)]. Na primeira noite do casal, Solange pede ao marido que tenha paciência, demostrando receios e falta de desejo em relação ao sexo. Carlos, no entanto, a estupra. Os dias se passam e o desejo de Solange por seu marido não floresce. Em busca de solução para o problema, Solange visita uma amiga de sua falecida sogra, a qual insinua que ela procure outros homens.

O tempo passa e Solange procura um psicanalista, com quem a relação é fundamental e tratada com ironia por Nelson Rodrigues,  já que não consegue resolver a questão da protagonista. Como ela conta, apesar amar o marido, não sente por ele nenhum desejo sexual. Solange acaba decidindo ter relações sexuais com outros homens, começando com Assunção, melhor amigo de Carlos. A partir desse momento, passa a pegar com frequência o lotação, onde encontra companheiros para aventuras sexuais. As cenas de sexo desenrolam-se ao som da música tema do filme, ora com a voz de Caetano Veloso, ora em versões instrumentais. Certo dia, Solange conta para Carlos sobre seus casos. Nas cenas seguintes, ele é mostrado numa espécie de estado catatônico, vestindo um terno preto e deitado sobre a cama, como se estivesse morto. O filme encerra-se com Solange trajando um vestido vermelho e sapatos de salto alto, caminhando pelas ruas da cidade. O plano fechado sobre a sua figura começa a se abrir, mostrando cenas do Rio de Janeiro.

A Dama do Lotação é caracterizado por uma série de cenas eróticas e sexuais, protagonizadas por Sônia Braga[3]. Ao longo de toda a história, cenas exploram a dicotomia entre as figuras da mulher-esposa-dona-de-casa recatada e a da femme fatale, encarnadas na personagem de Sônia. Essa dicotomia ganha contornos explícitos em uma das sequências finais do filme, quando Solange, de vestido vermelho, encontra no lotação um funcionário da empresa de seu marido. Ele senta-se a ao lado dela, os dois conversam e o rapaz conta precisar de dinheiro para o enterro do filho. Com o plano fechado, a câmera centraliza em Solange e no rapaz, sentados ao lado da janela do veículo, por onde é possível ver a paisagem. A câmera os acompanha enquanto eles descem do lotação e caminham – conduzidos por Solange – até um lugar isolado, no meio do mato. Com o casal centralizado em primeiro plano e, ao fundo, a cidade, ela pede que ele lhe bata com força: “me dá na cara”, exige, e, em seguida, começam a se beijar. “Meu marido pensa que sou fria. Mas eu não sou fria”, diz Solange. A fala explicita esse jogo entre esposa e amante. Gemidos e risadas se misturam ao som da melodia instrumental da música de Caetano Veloso. Eles caem no chão, rolando de um lado para o outro. A posição da câmera varia: acima e próxima do casal; um pouco afastada, colocando em primeiro plano o mato sobre o qual eles estão; em movimento circular, expressando a ideia de um desejo incontrolável que, como esposa, Solange não consegue sentir.

O filme questiona as convenções burguesas e seus interditos, características das histórias de Nelson Rodrigues. No entanto, de acordo com o crítico Marcos Ribas de Faria, em artigo de 1978, o filme traz um discurso machista e moralista, que veicula o desejo e o prazer sexual da mulher com perversão e inferno[4]. Nessa mesma direção, o diretor teatral Flávio Marinho considera que a estrutura de A Dama do Lotação faz de Solange um mero objeto. De acordo com Marinho, a proposta erótica poderia adquirir funções revolucionárias ao transgredir uma interdição. No entanto, acaba tomando-se conservadora, pois trata de maneira superficial o comportamento da personagem, ditado por convenções sociais e condicionamentos psicológicos[5].

O filme também recebe críticas em relação ao seu apelo comercial. Com o título “A idiotia geral”, o artigo do jornalista Gilberto Vasconcellos (1949), publicado em 1978, rechaça o apelo popular do filme: “O sucesso desse filme me lembra a ideia de Sartre: a opinião pública é besta. Manipulado e diariamente bombardeado pela indústria cultural, ela engole as maiores idiotices”[6]. O filme gerou críticas também quanto aos gastos de produção, divulgação e às políticas de distribuição de Embrafilme. Jairo Ferreira, em 11 de maio de 1978, diz que filmes com esse apelo publicitário prejudicam o cinema independente em detrimento do “Cinemão” da Embrafilme[7].

Para além das críticas, A Dama do Lotação é um marco na indústria cinematográfica brasileira, em especial, por seu alcance popular, com lançamento nacional simultâneo em 40 cidades do país, incluindo 18 capitais estaduais.

Notas
[1] BERNADET, Jean Claude. “Cinema brasileiro contemporâneo: perspectivas”. Revista eletrônica UFG , v. 4, n. 1/2, p. 175-187, jan - dez. 2000. Disponível em: < http://www.revistas.ufg.br/index.php/ci/article/viewFile/24034/14037 >. Acesso em: 11 nov. 2015.
[2] DENNISON, Stephanie. Perversão e arte. O Cinema de Nelson Rodrigues visto nos jornais. In: Estudos de Cinema Socine II e III.  São Paulo: Annablume , 2000. p. 146.
[3]  Algumas cenas  foram censuradas pela Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP) –  órgão de censura federal que participava da ação repressiva do regime militar.  Seu papel principal consistia em fornecer  “laudos técnicos”, que confirmasse ou não a necessidade de censura de filmes, espetáculos de teatro, músicas, etc.
[4] FARIA, Marcos Ribas de.  A dama do lotação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 abr. 1978. Disponível em: < http://www.memoriacinebr.com.br/pdfsNovos/0190128I012.pdf >. Acesso em: 27 dez. 2015.
[5]  MARINHO, Flávio. A dama do lotação. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 abr. 1978. Disponível em: < http://www.memoriacinebr.com.br/pdfsNovos/0190128I012.pdf >. Acesso em: 27 dez. 2015.
[6] VASCONCELLOS, Gilberto. A idiotia geral. Folha de S.Paulo,  São Paulo, 5  maio 1978. Ilustrada. p.42 Disponível em: < http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1978/05/05/21/ >. Acesso em: 18 abr 2016
[7] FERREIRA, Jairo. “Cinemão, a receita da Embrafilme”. Folha de São Paulo. 11 maio 1978.Disponível em: < http://acervo.folha.com.br/resultados/?q=a+dama+da+lota%C3%A7%C3%A3o+&site=&periodo=acervo&x=0&y=0>. Acesso em: 13 nov. 2015. p. 45.

 

Fontes de pesquisa 8

Abrir módulo

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: