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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Machado de Assis

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 16.08.2016
1936
Publicado em 1936, o estudo crítico e biográfico Machado de Assis, de Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), está entre os principais trabalhos da recepção crítica machadiana. É o primeiro a analisar a obra do escritor de um ponto de vista não determinista. Ao lado do livro Machado de Assis (1935), de Augusto Meyer (1902 -1970), constitui um modelo c...

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Publicado em 1936, o estudo crítico e biográfico Machado de Assis, de Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), está entre os principais trabalhos da recepção crítica machadiana. É o primeiro a analisar a obra do escritor de um ponto de vista não determinista. Ao lado do livro Machado de Assis (1935), de Augusto Meyer (1902 -1970), constitui um modelo crítico diferenciado. Opõe-se ao estudo da obra do escritor como “caso” e recorre a interpretações psicológica e sociológica do texto.

A leitura crítica da figura de Machado de Assis (1839-1908), de uma perspectiva distanciada, substitui a visão oficiosa do escritor, incapaz de transpor a imagem do homem consagrado das letras brasileiras e prosador fundamental da autonomia da literatura nacional. Lúcia incorre na chamada “corrente subterrânea” de entendimento da obra machadiana. Sua abordagem visa não a figura plana da consagração – “estereótipo”, “lenda” ou mesmo “imagem deformada”1 – mas as contradições que permeiam o homem em seu íntimo e mostram-se essenciais para a constituição de sua obra. Por “estudo crítico e biográfico”, subtítulo da obra, assinala-se o vínculo entre espírito e letra, personalidade e obra. No caso de Machado, o recurso é eficaz, uma vez que a autora elege como argumento de estudo a existência de um “abismo” entre o homem e o autor. Entre “o espírito ordeiro, pacato, timorato, do funcionário da Secretaria da Agricultura” (um dos cargos burocráticos em sua carreira no serviço público) e “a crueldade às vezes sádica do dissecador de almas, a volúpia mal contida do criador de paixões [e] o negativismo quase irritado do romancista interrogando avidamente a vida sem nunca encontrar uma resposta”2.

Julgando impossível conciliar a avançada obra de Machado e sua máscara social conservadora, Lúcia instaura um desajuste tortuoso e benéfico para a crítica machadiana. “Violentar a alma de Machado de Assis através das confissões involuntárias” presentes em suas obras literárias é “defendê-lo contra si próprio, contra seu convencionalismo de superfície”3. Este trabalho representa um avanço para a época frente à discreta resistência formada em relação à obra e à figura de Machado nos círculos modernistas. “A Machado de Assis só se pode cultuar protestantemente”, diz Mário de Andrade (1893-1945), em 1939. Antes de resistir ao valor de Machado por sua filiação a correntes artísticas conservadoras, Lúcia procura trazer à tona a grandeza do aspecto progressista da cultura de seu principal escritor, num movimento que recebe a devida afirmação apenas três décadas depois, com críticos como Silviano Santiago (1936), John Gledson (1945) e Roberto Schwarz (1938).

Para isso, Lúcia elenca fatores conflituosos de ordem econômica e psicológica em contraposição à imagem da excelência institucional e do observador agudo e discreto de Machado. Ele é mulato numa sociedade escravocrata, órfão de pai e mãe humildes num meio pouco afeito à mobilidade social e gago num ambiente bacharelesco. Além disso, tem epilepsia num tempo em que a doença se apresenta como estigma. Assim, o grande expoente das letras é o avesso de tudo que conquista e afirma em vida. À sombra dessas características, inventa a si mesmo, impulsionado pelo que a autora identifica como os pilares de suas conquistas: o amor às letras, a ambição e o desejo de ascensão social.

Cada um dos estágios da vida de Machado é marcado pela superação de adversidades. No início, a vida de “moleque”, filho de pintor mulato e lavadeira de origem portuguesa, ambos mortos quando pequeno e as dificuldades de sua educação, vencidas pelo gosto precoce de leitura. Segue-se o aprendizado e a profissionalização como tipógrafo, que o coloca  em contato com o meio literário carioca e a afirmação entre escritores e intelectuais durante a década de 1860, quando inicia atividade crítica e jornalística e publica seus primeiros volumes de poesia. Depois a guinada à prosa na década de 1870, com a publicação de Contos Fluminenses (1870) e seus primeiros romances. Neles, delimitam-se os interesses de sua obra madura, em particular os “conflitos das paixões e dos temperamentos das personagens”4 e os problemas de mobilidade social. Por fim, a consagração na década de 1880, com as Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) e a maturidade despojada de ilusões de realização humana na sociedade patriarcal. A superação das adversidades é correta no que diz respeito ao embate social, entretanto, peca por anotar a cada passo as possíveis consequências da mestiçagem e da epilepsia em sua disposição espiritual.

A obra de Lúcia Miguel Pereira é importante pela pesquisa de fontes históricas, pois tem acesso a pessoas do convívio de Machado. Também pelo questionamento das contradições sociais e psicológicas inerentes à ascensão numa sociedade que tinha tudo para rechaçá-lo. Por tais razões, é obra fundamental na análise e interpretação do maior nome da literatura brasileira.

Notas
1 PEREIRA, Lúcia Miguel. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936. p. 19.
2 Idem, ibidem, p. 21.
3 Idem, ibidem, p. 22.
4 Idem, ibidem, p. 141
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Fontes de pesquisa 2

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  • MEYER, Augusto. Machado de Assis. Porto Alegre: Globo, 1935.
  • PEREIRA, Lúcia Miguel. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.

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