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Cinema

Jango

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 16.08.2016
1984
O documentário Jango (1984), de Silvio Tendler (1950), narra a história política do presidente João Goulart (1919-1976), deposto pelo Golpe de Estado de 1964. Tendler trabalha por três anos com entrevistas1 para o filme e com a montagem de um conjunto de imagens de arquivo que soma 100 horas. O diretor, que começa a rodar Jango em 1981, pouco de...

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O documentário Jango (1984), de Silvio Tendler (1950), narra a história política do presidente João Goulart (1919-1976), deposto pelo Golpe de Estado de 1964. Tendler trabalha por três anos com entrevistas1 para o filme e com a montagem de um conjunto de imagens de arquivo que soma 100 horas. O diretor, que começa a rodar Jango em 1981, pouco depois da estreia de Os Anos JK: uma Trajetória Política (1980), lança o filme em 1984, em meio ao movimento das Diretas Já. O ano de 1984, em que a ditadura brasileira completa duas décadas, assiste também ao lançamento de Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho (1933-2014), outra obra que trata do Golpe de 64 e de suas consequências. Jango é financiado por Denize Goulart, filha do presidente deposto, Antônio Balbino (1912-1992), que foi governador da Bahia e ministro de Getúlio Vargas (1883 -1954), pelo produtor Hélio Ferraz e pelos artistas e técnicos que trabalharam no filme2. A canção “Coração de Estudante”, composta por Wagner Tiso (1945) e Milton Nascimento (1942) para a trilha sonora, torna-se  hino do movimento em prol das eleições diretas. Sucesso de público, o filme atinge 1 milhão de espectadores segundo seu diretor3.

O filme aborda o período que vai do enterro de Getúlio Vargas, em 1954, de quem Jango foi ministro do Trabalho, até seu exílio e morte, em 1976. Passa pelo governo Juscelino Kubitschek (1902-1976), de quem Jango foi vice, e pela renúncia de Jânio Quadros (1917-1992), concentrando-se no mandato de Jango na presidência e nos eventos que conduzem ao Golpe de Estado que instaura a ditadura militar.

Em Jango, imagens e sons articulam-se com relativa independência, ou seja, as imagens não “ilustram” o que é dito, e a narração tampouco “explica” o que se vê. Na banda de imagens, entrevistas realizadas pelo diretor somam-se a materiais fotográficos e fílmicos de arquivo de diferentes procedências – trata-se de cinejornais e acervo da família Goulart. Na sequência que trata da revolta dos marujos, excertos de O Encouraçado Potemkin (1925), de Eisenstein (1898-1948), são intercalados com imagens da rebelião dos marinheiros ocorrida na semana que precedeu o Golpe de 64. Na banda sonora, a voz over conduzida pelo ator José Wilker (1946-2014) costura os demais elementos: trilha de Wagner Tiso e Milton Nascimento, áudio das entrevistas e registros sonoros de época. Entre eles, o discurso de Goulart no Comício da Central, no dia 13 de março e o anúncio, por Auro de Moura Andrade (1915-1982), então presidente do congresso, de que o posto de presidente da República encontrava-se vago, no dia 31 de março.

O texto, escrito pelo jornalista Maurício Dias, é sóbrio, mas não se pretende imparcial. Dentro do jogo de forças que levam ao Golpe de Estado, o filme alinha-se ao ideário das reformas defendido pelo presidente deposto, como as frases: “Jango propunha o fim da fome e da miséria num país onde a justiça sempre foi o lado obscuro da democracia” e “Jango, com as reformas, fez o Brasil viver sua utopia: o povo sai das páginas dos livros e torna-se participante do processo político”.

No filme, a sequência que retrata o chamado “Comício da Central”, em que João Goulart anuncia as reformas que implementa, funciona como ápice de seu mandato e prenúncio de sua queda. Um depoimento do general Antônio Carlos Muricy (1906-2000) introduz o comício e explica que, para o Exército, o evento é vivido como provocação, acirrando a desavença entre os militares e o governo. Em seguida, o jornalista Raul Ryff (1911-1989), secretário de imprensa durante o governo João Goulart, conta que o presidente sabia do perigo que corria ao realizar o comício. Segundo ele, ao ser advertido sobre os riscos de discursar em favor das reformas, Jango teria dito: “Eu não tenho problema (...) em ficar ou não no governo. Meu problema é que eu tenho que realizar essas reformas. Eu prefiro cair, mas cair de pé.”

As imagens do comício são acompanhadas dos melancólicos acordes da trilha sonora de Milton Nascimento e Wagner Tiso, num trecho instrumental de “Coração de estudante”. Veem-se manifestantes aplaudindo e segurando cartazes com dizeres como “Manda brasa Arraes, que o povo não aguenta mais”, “Donas de casa contra a sonegação”, “Tudo de petróleo para a Petrobrás”, “Desta vez, o governo é o povo”. A montagem não se deixa embalar pelo tom épico e otimista dessas mensagens. A locução de José Wilker informa que Goulart usa o mesmo palanque que Getúlio Vargas, sugerindo um paralelismo no desfecho trágico do governo dos dois políticos de São Borja, Rio Grande do Sul. O caixão de Getúlio é visto no início do filme, e, quando a narração o evoca sobre as imagens do comício, este ganha ares de funeral. A voz over cede lugar ao áudio do discurso de Jango, enquanto o presidente aparece no palanque ao lado de sua mulher, Maria Tereza Goulart (1940). A imagem em movimento é substituída por uma série de fotografias, dando um efeito de câmera lenta. Tal interrupção remete à interrupção do projeto de país, que estava por vir.

Além de garantir uma grande bilheteria, fato raro para um documentário histórico no Brasil, Jango faz sucesso com a crítica. Leva prêmios nos festivais de Gramado e de Havana, além do troféu Margarida de Prata, concedido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Depois da exibição do filme em Gramado, o então crítico do jornal Folha de S. Paulo Leon Cakoff (1948-2011) escreve: “Jango (...) servirá para referendar toda esta emoção que está no ar, pedindo as diretas, redescobrindo o Brasil, vingando com a sensualidade e a perspicácia dos jovens. (...) Desconheço um outro filme exibido nos anos anteriores de Gramado que tenha provocado tanta expectativa e comoção”. Em um artigo de 2012, o historiador Marcos Napolitano ressalta a importância do documentário no momento político em que é lançado, revelando de maneira emocionada “uma verdadeira tragédia política e pessoal”. Para ele, trata-se de “um dos exemplos mais instigantes não apenas de como a história pode servir como matéria no cinema, mas, sobretudo, como o cinema pode intervir na história”4.

Jango louva o momento de breve “concretização das utopias”, como diz o texto de Maurício Dias, e evoca a união entre povo e governo que precede o golpe. Para além das divisões da esquerda, em 1984, o filme de Silvio Tendler torna-se emblema do fim do regime militar e de início de uma nova era de esperança.

Fontes de pesquisa 12

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  • AUGUSTO, Sergio. Os relâmpagos da emoção. In: TENDLER, Silvio; DIAS, Mauricio. Jango. Porto Alegre: L&PM, 1984.
  • BERNARDET, Jean-Claude; RAMOS, Alcides. Cinema e História do Brasil. São Paulo: Contexto: Edusp, 1998.
  • BOJUNGA, Cláudio. A reconstrução da memória. Filme Cultura, Rio de Janeiro, n. 44, p. 20-29, abr. /ago. 1984.
  • BROOKEY, Marcia Paterman. História e utopia: o cinema de Silvio Tendler. Rio de Janeiro: Iluminária Academia/ Editora Multifoco, 2010.
  • CAKOFF, Leon. A filha de Jango fala de Jango. Folha de S. Paulo, São Paulo, 13 abr. 1984. Ilustrada. Disponível em: < http://acervo.folha.com.br/fsp/1984/04/13/21/ >. Acesso em: 10 nov. 2015.
  • CAKOFF, Leon. Em Gramado, a comovida exibição de Jango. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 abr. de 1984. Ilustrada. Disponível em:< http://acervo.folha.com.br/fsp/1984/04/12/21/ >. Acesso em: 10 nov. 2015.
  • FERREIRA, Jorge. Como as sociedades esquecem: Jango. In: SOARES, Mariza de Carvalho; FERREIRA, Jorge (orgs.). A História vai ao cinema: vinte filmes brasileiros comentados por historiadores. Rio de Janeiro: Record, 2001. p.161-178.
  • FERREIRA, Jorge. Como as sociedades esquecem: Jango. In: SOARES, Mariza de Carvalho; FERREIRA, Jorge (orgs.). A História vai ao cinema: vinte filmes brasileiros comentados por historiadores. Rio de Janeiro: Record, 2001. p.161-178. p. 161-178.
  • LUCENA, Eleonora de. Filme de Silvio Tendler relembra golpe que derrubou João Goulart há 50 anos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 abr. 2013. Ilustrada. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/04/1255947-filme-de-silvio-tendler-relembra-golpe-que-derrubou-joao-goulart-ha-50-anos.shtml >. Acesso em: 27 out. 2015.
  • MACIEL, Fábio. O cinema como caminho narrativo para a construção da memória. In: XIV Encontro Regional da Anpuh-Rio Memória e Patrimônio. Rio de Janeiro, jul. 2010.
  • NAPOLITANO, Marcos. Nunca é cedo para se fazer história: o documentário Jango, de Silvio Tendler (1984). In: MORETTIN, Eduardo; NAPOLITANO, Marcos; KORNIS, Monica Almeida (Orgs.). História e documentário. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2012.
  • TENDLER, Silvio; DIAS, Maurício. Jango. Porto Alegre: L&PM, 1984.

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