Carmen Miranda - Banana is my Business
Texto
Carmen Miranda – Bananas is my Business, de David Meyer e Helena Solberg (1942), é um documentário sobre a cantora e atriz Carmen Miranda (1909-1955) que desponta na música popular brasileira na década de 1930, para depois fazer sucesso nos Estados Unidos – na Broadway e em Hollywood. Coproduzido pela Corporation for Public Broadcasting (CPB), pelo Public Broadcasting Service (PBS) e pela Riofilme, com orçamento de pouco mais de 500 mil dólares, utilizado sobretudo na compra de trechos dos filmes americanos de que a atriz participa. Filmado em grande parte em super-16, em cores e preto e branco, tem uma trajetória incomum no cinema brasileiro, com estreia, em julho de 1995, nos Estados Unidos, onde tem boa recepção, apesar das críticas às sequências encenadas. Quase um mês depois, é lançado no Brasil.
Por meio de uma pesquisa exaustiva em cinematecas, acervos de fãs e da família da cantora e do testemunho de colaboradores, parentes e pessoas que com ela conviveram, narra cronologicamente a carreira de Carmen Miranda. Além disso, Bananas is my Business também encena algumas passagens de sua vida, como a juventude antes da fama (interpretada pela atriz Letícia Monte), e a mulher transformada em baiana estilizada (intepretada pelo ator Erick Barreto). Também recupera filmes domésticos. Destaques são conferidos à cidade de origem, Marco de Canavazes, em Portugal, à imigração da família para o Rio de Janeiro - onde a moça cresce, se ambienta e trabalha em uma loja de chapéus - e a sua descoberta, aos 19 anos, pelo compositor Josué de Barros (1888-1959) em um programa de calouros. Carmen faz sucesso com o samba Pra Você Gostar de Mim (1930), mais conhecido como Taí, de Joubert de Carvalho (1900-1977), e inicia uma carreira meteórica, com apresentações em rádios, cassinos e em gravações que se tornam célebres. A cantora participa de vários filmes musicais brasileiros no começo dos anos 1930 e é descoberta pelo produtor Lee Schubert que, de passagem pelo Rio de Janeiro, assiste a um de seus espetáculos no Cassino da Urca e a contrata para uma longa série de apresentações nos Estados Unidos, junto com seu grupo, o Bando da Lua. O passo seguinte é Hollywood, onde participa de 14 produções, como Uma Noite no Rio (1941), Sonhos de Estrela (1945) e Copacabana (1947), e surpreende com suas roupas extravagantes, compostas de arranjos de frutas na cabeça, sapatos com plataformas altíssimas e vestidos decotados. O sotaque carregado, a dicção ágil, a expressividade dos gestos e do olhar formam o conjunto de exotismo, sensualidade e humor que lhe rende sucesso junto ao público norte-americano.
Para melhor entender a personagem, o filme conta com depoimentos de grandes nomes da música popular brasileira, como Aloysio de Oliveira (1914-1995) e Laurindo de Almeida (1917-1995), além dos astros César Romero (1950) e Rita Moreno, dois atores que consolidaram o tipo latino nos filmes norte-americanos das décadas de 1960 e 1970, respectivamente. O retrato de Carmen Miranda produzido pelo filme segue passo a passo a trajetória da cantora, como se confirma na biografia de autoria de Ruy Castro[1]. Os primeiros minutos já apresentam a originalidade do manejo com materiais diversos, ainda que a voz em off apenas comente as imagens sem ampliar a reflexão sobre o significado dos sons e das imagens inventadas pela cantora, atriz e performer. O filme começa com a morte de Carmen Miranda, encenada pelo transformista Erick Barreto que, depois de um tombo, deixa cair o espelho de suas mãos. Em seguida, planos da calçada da fama em Nova York e jornais americanos da época destacam a morte da atriz. Imagens de arquivo mostram uma multidão nas ruas do Rio de Janeiro. Uma rápida imagem de vídeo flagra detalhes do rosto de Carmen-Erick Barreto. Por fim, em mais uma encenação, Carmen escapa de seu museu, no Rio de Janeiro, para ir até Portugal, em Marco de Canavazes, onde nasceu. A conexão da imagem da cantora com Nossa Senhora de Fátima, cultuada na região, reforça a ideia de mito.
A sequência apresenta a vontade de tratar Carmen Miranda com uma perspectiva mais abrangente, inserindo-a em seu contexto histórico. Bananas is my Business comenta a estratégia do governo norte-americano, com a política da boa vizinhança, de aproximação e alinhamento político com a América Latina. Para tanto, utiliza-se de elementos de sua cultura e os populariza no país. Carmen se beneficia deste investimento, ganhando papéis em que corporifica uma concepção de certo tipo latino-americano. O preço pela representação de um estereótipo lhe vale severas críticas no Brasil e na Argentina. Segundo o filme, essa crítica possui um viés elitista evidente.
Ao mesmo tempo em que procura revelar a figura e suas contradições, o documentário quer tecer considerações de caráter afetivo sobre o fascínio que a personagem exerce sobre a própria diretora Helena Solberg, que faz a locução. Neste contexto, ocorre uma conexão entre a figura da atriz e cantora com o olhar da própria diretora, uma brasileira radicada nos Estados Unidos, que, de certa forma, se espelha em Carmen.
O documentário teve recepção bastante favorável, com prêmios nos festivais de Brasília (melhor filme pelo júri popular e prêmio da crítica), de Chicago (melhor docudrama), de Cuba (melhor documentário) e de Montevideo (melhor filme). A crítica também elogia a produção. O jornalista Luiz Zanin Oricchio destaca a originalidade da articulação dos materiais. “Essa preocupação, digamos, conceitual, é um traço de inteligência, que faz a diferença. O filme não é um amontoado de fatos e imagens. Tem um eixo, uma direção, uma tese, sem ser frio como um teorema.”[2] Já o crítico Carlos Alberto de Mattos declara que “[...] ao mesmo tempo em que analisa, Banana diverte e emociona com a reconstituição estilizada de episódios da vida de Carmen”[3]. Para Arnaldo Jabor (1940), ele supera a trajetória individual para traçar um quadro social amplo:
O filme é precioso para nós que queremos entrar no primeiro mundo. Helena Solberg e David Meyer, num trabalho de pesquisa e lirismo, foram além do mero documentário e redesenharam não só a ascensão e queda de Carmen Miranda mas também um retrato de nossa eterna fragilidade.[4]
Para o jornalista, o filme traduz os sentimentos nacionais de ambição e impotência. A obra conquista um público de 15 mil espectadores, marca expressiva para um documentário feito nos primeiros anos da retomada do cinema brasileiro.
Notas
1. CASTRO, Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
2. ORICCHIO, Luiz Zanin. Carmen ainda é o Brasil quando visto de fora. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 de jul. 1995. Caderno 2, D16.
3. MATTOS, Carlos Alberto de. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 ago. 1995.
4. JABOR, Arnaldo. Carmen foi do getulismo ao capitalismo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 08 de ago. 1995. Ilustrada, p.8.
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Fontes de pesquisa 13
- CASTRO, Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
- JABOR, Arnaldo. Carmen foi do getulismo ao capitalismo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 08 de ago. 1995. Ilustrada, p.8.
- LABAKI, Amir (org). O cinema brasileiro: de O Pagador de Promessas a Central do Brasil. São Paulo: Publifolha, 1998.
- MATTOS, Carlos Alberto de. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 ago. 1995.
- MIKLES, Laetitia. Renaissance du documentaire brésilien. Positif, n. 304, p. 71-72, jan. 2006.
- MITCHELL, Benjamin. Cinema brasileiro: três questöes. Cinemais, n. 4, p. 174-194, mar.-abr. 1997.
- NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São Paulo: Editora 34, 2002.
- ORICCHIO, Luiz Zanin. Carmen ainda é o Brasil quando visto de fora. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 29 de jul. 1995. Caderno 2, D16.
- ORICCHIO, Luiz Zanin. Cinema de novo: um balanço crítico da retomada. São Paulo: Estação Liberdade, 2003.
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000.
- Site: http://www.radiantefilmes.com/bananas.htm.
- TAVARES, Mariana Ribeiro da Silva. Poesia e reflexividade na produção de três documentaristas brasileiros contemporâneos: Helena Solberg, Eduardo Coutinho e Walter Carvalho. 2007. 115 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, 2007. Disponível em: http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/VPQZ-73BHGR/disserta__o.pdf?sequence=1.
- VIANY, Alex. Entrevista com Carmen Miranda. Press-release do filme Carmen Miranda – banana is my business. Rio Filme: Rio de Janeiro, 1995.
Como citar
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CARMEN Miranda - Banana is my Business.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra67329/carmen-miranda-banana-is-my-business. Acesso em: 05 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7