Os Condenados
![Os Condenados [cartaz], ca. 1973 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/001495004019.jpg)
Cartaz do filme Os Condenados, de Zelito Viana, 1973
Fotografia
90,00 cm x 60,00 cm
Texto
Os Condenados, de Zelito Viana (1938), é a primeira adaptação de uma obra de Oswald de Andrade (1890-1954) para o cinema, o primeiro volume da Trilogia do Exílio, composta ainda dos romances A Estrela de Absinto (1927) e A Escada Vermelha (1934), dos quais Viana também incorpora elementos. No livro, a história é contada na terceira pessoa; já o filme narra a história por meio do diário escrito pelo personagem João do Carmo (Cláudio Marzo 1940-2015). Além da mudança do foco narrativo, os roteiristas condensam o enredo original e fundem personagens, mas logram manter a atmosfera do romance1.
Na primeira cena, João do Carmo, ao lado de uma mulher adormecida, escreve as páginas finais de seu diário: "E compreendi como havia gente que falava sozinha pelas ruas e gesticulava à toa, andando". Em voz alta, completa: "Um navio destaca-se do cais, a vida... Um navio destaca-se do cais". Ocorre então um insert que dura uma brevíssima fração de segundo, tempo insuficiente para que se apreenda o conteúdo da imagem. Ela retorna no decorrer do filme, aumentando sua duração e tornando-se cada vez mais compreensível: o corpo de João no chão, filmado em plongée, com um zoom out que cria uma vertigem passageira. Outra imagem recorrente é a de João sobre um viaduto, como quem está prestes a se jogar. Fica sugerido, assim, que os eventos traçam sua trajetória ao suicídio.
João do Carmo é um homem tímido que vai do Recife para São Paulo, em 1920, e consegue emprego de telegrafista na Estação da Luz. Ali se apaixona por Alma d'Alvellos (Isabel Ribeiro, 1941-1990), mulher de bordel, que mora na vizinhança. Três cenas logo no início evidenciam a capacidade da fotografia de Dib Lutfi (1936-2016) de construir a atmosfera dos fatos e anunciam o desastre amoroso.
Na primeira dessas cenas, Alma interpreta um número erótico num cabaré: um corpo voluptuoso que dança se oferece, se espalha pelo ambiente. O episódio é filmado num sinuoso plano-sequência que explora todos os cantos do cenário e se adapta às mudanças de luz com enorme fluência. No meio do plano, Dagoberto (Nildo Parente), amigo de João, entra em cena trazendo seu diário, que Alma lê em voz alta, como se o texto fizesse parte do espetáculo.
Em outra cena, narrada do ponto de vista do diário, a voz off de João descreve uma breve troca de olhares entre eles: "E naquele dia ela passou mais uma vez com seu sorriso insolente". A cena é filmada em dois planos curtos: João sentado à mesa de trabalho, observando a passagem de sua musa; e Alma e "seu sorriso insolente". O eixo é frontal, de modo que ambos estão praticamente olhando para a câmera, e a direção dos movimentos de câmera e a dos olhares trocados se conjugam perfeitamente. Mas a articulação dessa montagem é problematizada pela diferença de tratamento entre os dois planos. O plano de Alma é ligeiramente hiperexposto, envolto em aura de sonho ou imaginação. Um vidro se interpõe entre ela e o ponto de vista de João, como se houvesse um véu entre o homem e a mulher que ele contempla. A figura etérea que se desloca por um fundo branco pode ser, ali, apenas uma visão subjetiva de João.
Na cena seguinte, Alma lhe envia um bilhete. Ela o observa da janela de seu quarto; ele está na calçada do outro lado da rua. Mais uma vez, há uma distância - real e simbólica - entre os dois. Do alto da janela, ela parece um mundo inacessível a João, um puro objeto da visão e do desejo irrealizável. O conteúdo do bilhete é por ela reproduzido em voz alta: "Tenho outro amor. Gosto de Mauro. Porque ele me ama. Por vício". A distância ganha uma tradução em palavras.
Mauro é o gigolô por quem Alma se apaixona, e de quem engravida. Mas ele a despreza e a abandona. Desamparada, seguindo o conselho da amiga Camila, Alma aceita se casar com um velho admirador, um engenheiro rico. Mauro reaparece, Alma não resiste a seu jogo de sedução e o marido a expulsa de casa. Ela volta para a prostituição, seu filho morre e, desesperada, acaba aceitando viver com João, que a instala numa pensão. Atormentado pelo ciúme, João a segue pelas ruas e descobre que ela tem um jovem amante. Desde o início, a narrativa é construída por variações do mesmo tema: o fracasso amoroso de João do Carmo. "Existe uma espécie de cerco em torno de uma situação proposta, e o resultado final, como um mosaico ou uma composição cubista, é a soma de detalhes tomados de diversos ângulos"2.
Além da fotografia de Lutfi, cabe destacar a cenografia de Francesco Tulio Altan, cujo método é voltado para a composição da porção de espaço a ser enquadrada no plano e não do ambiente como um todo. Uma vez definidos elementos como o enquadramento, a angulação e a lente, ele concebe a cenografia, buscando os efeitos expressivos. Tal método resulta também em economia de produção, já que a reconstituição de ambientes de época reduz-se a áreas específicas.
O crítico José Carlos Avellar reconhece na fotografia a pedra angular do filme: "A história nos é contada através de imagens fotográficas, de uma encenação montada para servir à fotografia. A fotografia não é um recurso formal para envolver o espectador numa atmosfera natural e verdadeira. Ela é a própria realidade em que esta história existe". P.R. Browne, na revista Veja, qualifica Os Condenados como "um precioso exercício fotográfico", "mas nada além"3. Já Telmo Martino, no Jornal da Tarde, atribui o único mérito do filme a Isabel Ribeiro: "É ela, muito sozinha, que consegue dar coerência, unidade, consequência, personalidade, vida e até verdade ao que dura e acontece"4.
Quando estreia na França em 1978, o crítico Claude Michel Cluny, da revista Cinéma, observa que o filme é heterogêneo no plano estilístico, mas coerente no tratamento narrativo. A mise-en-scène de Zelito Viana lhe parece "ingenuamente barroca", com gestuais teatrais e efeitos de luz que sublinham as mudanças de registro entre a realidade, o sonho e a memória5. E, na revista Positif, Paulo Antonio Paranaguá reclama do "vazio ideológico", que nada teria a ver com Oswald de Andrade, um "anarquista corrosivo"6.
Notas
1. VIANA, Zelito. O expressivo é a atmosfera, que busquei recriar em cada plano. Filme Cultura, n. 26, set. 1974.
2. AVELLAR, José Carlos. A fotografia é a verdade. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 31 ago. 1974.
3. BROWNE, P. R. Fotografismos. Veja, 11 abr. 1974.
4. MARTINO, Telmo. Um desses casos de amor não correspondido, um tédio irremediável. Jornal da Tarde, São Paulo, 20 mar. 1975.
5. CLUNY, Claude Michel. Perdition. Cinéma, n. 231, p. 91-92, mar. 1978.
6. PARANAGUÁ, Paulo Antonio. Positif, n. 207, p. 72, jun. 1978.
Fontes de pesquisa 6
- AVELLAR, José Carlos e PARANAGUÁ, Paulo Antônio (orgs.). Cinéma brésilien 1970-80: Une trajectoire dans le sous-développement. Locarno: Editions du Festival international du film de Locarno, 1983.
- AVELLAR, José Carlos. A fotografia é a verdade. Jornal do Brasil, 31 ago. 1974.
- MONTEIRO, José Carlos (org.). 80 ans de Cinéma Brésilien. Paris: Cinémathèque Française/Palais de Chaillot, 1978.
- REZENDE, Neide Luzia. Os Condenados: O romance em movimento. 1v. 185p. Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993.
- SILVA, Alberto (et al.). Dossiê Zelito Viana. Filme Cultura, Rio de Janeiro, v. 8, nº 26, set. 1974.
- VIANY, Alex. Um melodrama narrado em fragmentos. Jornal do Brasil, 26 ago. 1974.
Como citar
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OS Condenados.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra67291/os-condenados. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7