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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Paraguay, Ritmos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 19.02.2021
1963
Reprodução fotográfica autoria desconhecida

Paraguay, Ritmos, 1963
Lívio Abramo
Xilogravura, c.i.e.
35,00 cm x 42,80 cm
Coleção Museu de Arte Moderna de São Paulo - SP

A xilogravura Paraguay, Ritmos é produzida em 1963, um ano após a mudança de Lívio Abramo (1903-1992) para Assunção, Paraguai. Ela faz parte do conjunto de 24 gravuras selecionadas e doadas pelo artista ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), em 1972. A inclusão desse trabalho em um conjunto que contempla todas as fases da obra de Lívio,...

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A xilogravura Paraguay, Ritmos é produzida em 1963, um ano após a mudança de Lívio Abramo (1903-1992) para Assunção, Paraguai. Ela faz parte do conjunto de 24 gravuras selecionadas e doadas pelo artista ao Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), em 1972. A inclusão desse trabalho em um conjunto que contempla todas as fases da obra de Lívio, revela sua importância na pesquisa plástica de mais de seis décadas. Ocupa espaço privilegiado para entender o que o crítico Tadeu Chiarelli (1956) propõe como “conciliação tensa dos contrários” na obra do artista. Os contrários são abstração e figuração, posições estéticas conflitantes na arte brasileira desde meados da década de 1940. Ainda segundo Chiarelli, diante das possibilidades abertas por essas duas posições, os artistas brasileiros assumem atitudes distintas. Há aqueles que negam a abstração e mantêm-se fiéis à figuração de caráter nacionalista, estabelecida pelo Modernismo da década de 1920. Outros aderem à não figuração de matriz geométrica ou gestual. E há, ainda, os que buscam soluções plásticas intermediárias e conciliatórias, isto é, nem figurativas, nem abstratas. O crítico nomeia esse recurso de “abstratizante”, característico da obra de Lívio Abramo. 
 
O caráter abstratizante das gravuras de Lívio pode ser notado na década de 1950, na série que produz, inspirado pela paisagem do Rio de Janeiro. Nesses trabalhos, as referências iconográficas imediatas da paisagem (montanhas, edifícios, vegetação, sol) surgem com tratamento de tal modo sintético e geométrico, que quase desaparecem sob a grade de linhas verticais, horizontais e diagonais. Apresentam-se como elementos de uma ordem construtiva que se sobrepõe a qualquer analogia com a realidade representada. 

Um dado importante sobre o estilo de Abramo na construção de suas gravuras é a maneira como usa as linhas, tanto as da madeira, como aquelas que ele grava com goivas, em sucessivos movimentos horizontais e verticais. Ao escrever sobre uma mostra retrospectiva do artista, organizada em 1957, o crítico Mário Pedrosa (1900-1981) chama a atenção para o respeito que Lívio Abramo tem pelo material da xilogravura, ao fazer com que as formas brotem do bloco de madeira como frutos de árvore. Pedrosa assinala que o domínio da técnica torna as ferramentas prolongamentos da percepção compositiva do artista. A riqueza de recursos plásticos resulta dessa tensão entre o domínio dos instrumentos e a resistência do material, que não aparece subjugado pela técnica, mas participa da criação. 
 
Nesse período abstratizante da trajetória de Abramo, é notável a criação de diferentes áreas luminosas sobre a superfície negra da madeira entintada. Essas áreas são distribuídas em planos vibrantes, que fixam a espacialidade ambígua das imagens. Paraguay, Ritmos é uma obra emblemática nesse sentido, sobretudo pelo conjunto de casas ao centro da paisagem construída. O ritmo criado pela floresta de faixas verticais de luzes e sombras impede que se afirme, com exatidão, o posicionamento das casas no espaço virtual da imagem. Elas ora parecem mais próximas, ora mais distantes. 
 
Referindo-se às gravuras do “momento paraguaio” de Abramo - iniciado em 1956, com sua primeira viagem ao Paraguai -, Tadeu Chiarelli sugere que o aspecto plano da geografia do país favorece a harmonia entre abstração e figuração, no encontro das superfícies planas da paisagem e do papel. O próprio artista, em texto para o catálogo de sua mostra em Assunção, em 1967, menciona “o profundo mistério dos horizontes inacabados [...] o alinhamento encantado dos espaços infinitos”, elementos da paisagem paraguaia que o encantam. 

A história e a cultura do país interessam ao artista, que atua como curador da sala especial “Arte Religiosa das Antigas Missões do Paraguai”, na 6a Bienal de São Paulo, em 1961. Lívio aproxima-se da tradição arquitetônica local, dos pueblos e plazas retangulares ou quadradas, remanescência do urbanismo geométrico espanhol e de influência jesuítica. Nas séries de gravuras realizadas depois do estabelecimento definitivo no Paraguai, as fachadas de antigos casarios e vilarejos, marcados pela racionalidade ensaiada durante a colonização, encontram-se transfiguradas em estruturas construtivas. Esse interesse pela simplicidade da arquitetura tradicional e popular faz com que a obra de Abramo seja comparada à síntese obtida por Alfredo Volpi (1896-1988) em pintura. 
 
Cabe observar que, em Paraguay, Ritmos, o contraste das linhas verticais com as áreas horizontais cria dinamismo na imagem, contrastando com a possível placidez de um vilarejo. Na visão do crítico paraguaio Tício Escobar (1947), ao adotar essa estratégia, Abramo afasta-se da visão idealizada sobre populações tradicionais e investiga os segredos da tensa calmaria presente nessas casas, para criar uma aceleração plástica de tempo e espaço, aparentemente avessos a transformações e alheios a conflitos políticos e sociais. Nesse sentido, o artista reencontra uma preocupação constante em sua obra: dar espaço aos conflitos sociais produzidos pela modernização no Brasil e na América Latina. 
 
Por essas razões, os trabalhos do “momento paraguaio” de Lívio Abramo, que avançam pela década de 1970 em diferentes séries, são considerados os de maior unidade e coerência estética e representam a depuração dos momentos anteriores de sua carreira: realista-expressionista, carioca e afro-brasileiro (com a série Macumba).

Fontes de pesquisa 7

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  • ARAÚJO, Olívio Tavares de. Lívio Abramo. São Paulo: Instituto Tomie Ohtake, 2006.
  • CHIARELLI, Tadeu. Lívio Abramo e a conciliação tensa dos contrários. In: CHIARELLI, Tadeu. Um Modernismo que veio depois. São Paulo: Alameda, 2012.
  • CHIARELLI, Tadeu. Lívio Abramo: o trânsito entre o desenho e a gravura. In: CHIARELLI, Tadeu. Um Modernismo que veio depois. São Paulo: Alameda, 2012.
  • ECHAURI DE MUXFELDT, María Gloria. Lívio Abramo, su aporte a las artes visuales del Paraguay (1956-1992): labor pedagógica como precursos del grabado moderno, quehacer como produtor cultural y producción plástica. Assunción: Fondec, 2012.
  • PEDROSA, Mário. Despedida de Lívio Abramo. In: ______. Acadêmicos e Modernos: textos escolhidos III. Organização Otilia Beatriz Fiori Arantes. São Paulo: Edusp, 2004.
  • PEDROSA, Mário. Retrospectiva de Lívio Abramo. In: ______. Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. Organização Aracy Amaral. São Paulo, SP: Perspectiva, 1981. (Debates, 170).
  • PEDROSA, Mário. Retrospectiva de Lívio Abramo. In: ______. Dos murais de Portinari aos espaços de Brasília. Organização Aracy Amaral. São Paulo, SP: Perspectiva, 1981. (Debates, 170).

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