Grande Sertão: Veredas
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Grande Sertão: Veredas, 1956
Guimarães Rosa
Texto
Grande Sertão: Veredas, único romance do escritor mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), é publicado em 1956, com outra obra sua, Corpo de Baile, conjunto de narrativas dividido em dois volumes. Nesse momento, a produção de romance no Brasil apresenta tendências literárias engendradas na década de 1930. De um lado, a proliferação de romances que abordam problemas sociais, cujos enredos se localizam nos interiores do Nordeste e do Norte; de outro, romances de contornos metafísicos e psicológicos, que suspendem a reflexão social para dar lugar a meditações subjetivas. Além de incorporar à narrativa tradições distintas do romance brasileiro, Grande Sertão: Veredas constitui-se pela linguagem inovadora. Para criar a linguagem do Grande Sertão, Guimarães Rosa vale-se de expressões das culturas populares, das constâncias do português brasileiro – a partir das quais elabora uma série de neologismos – e de termos da chamada alta cultura. Procura unir, em uma só linguagem, formas de expressão distintas, visando a uma expressividade sui generis, em cujo cerne reside o desejo de empregar cada palavra como “se ela tivesse acabado de nascer”.
O romance é narrado pela personagem principal, o ex-jagunço Riobaldo, que conta a um interlocutor citadino, mudo e invisível, as aventuras que vive nos tempos de jagunço. Apesar da indeterminação temporal característica de suas obras, Guimarães Rosa indica momentos históricos em que suas narrativas se inscrevem. Por esses vestígios temporais, pode-se dizer que Riobaldo narra sua história por volta da década de 1950, comentando fatos que ocorrem no início do século XX. A presença do interlocutor é apenas virtual, isto é, em nenhum momento o “doutor” a quem Riobaldo se dirige tem voz na trama. Figura apenas no discurso monológico do narrador: “Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não”; “Acho o mais terrível da minha vida, ditado nessas palavras, que o senhor nunca deve de renovar. Mas, me escute”. Ao rememorar o passado, Riobaldo debruça-se sobre questões complexas, que vão desde os problemas sociais do sertão de Minas Gerais até reflexões sobre religiosidade. Nessa gama de questões sobre as quais o ex-jagunço medita destacam-se duas. A primeira, é a dúvida sobre a existência do diabo, com quem Riobaldo teria feito um pacto para vencer seu maior inimigo, Hermógenes, assassino de Joca Ramiro, chefe do bando de jagunços. A segunda, é o amor recalcado por um jagunço de seu bando, Diadorim – que, no fim da história, descobre-se ser uma mulher, filha de Joca Ramiro, disfarçada de guerreiro. Esses são os fios condutores da complexa trama, entremeada por causos, embates entre jagunços e reflexões filosóficas.
Devido a tal complexidade, Grande Sertão: Veredas é uma das obras mais estudadas da literatura brasileira, contando com extensa bibliografia crítica. Entre os estudos mais importantes encontra-se o ensaio O Homem dos Avessos, de Antonio Candido (1918-2017), elaborado pouco depois da publicação da obra. Candido estabelece nexo entre o Grande Sertão e Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), uma vez que ambos possuem em comum três elementos estruturais: a terra, o homem e a luta. Candido ressalta, entretanto, distinções fundamentais entre elas: enquanto Cunha empenha-se em documentar, no cerne da obra de Rosa está a imaginação. Assim, no romance de Rosa, elementos objetivos como a topografia e a flora do sertão não servem à descrição realista, mas à composição de um universo fictício.
Outro estudo que marca o desenvolvimento da tradição crítica sobre Guimarães Rosa é o de Manoel Cavalcanti Proença (1905-1966), Trilhas no Grande Sertão (1958). Nesse livro, o estudioso analisa a riqueza de procedimentos linguísticos empreendidos por Rosa, entre os quais a criação de palavras e o uso de arcaísmos. No que concerne a análises mais recentes, destaca-se O Mundo Misturado (1994), de Davi Arrigucci Júnior (1943), em que o crítico estuda a mescla de características do romance de formação com outras modalidades, provindas da tradição oral. Segundo Arrigucci, o romance de Guimarães Rosa funda uma “antropologia poética”: o desejo de conhecer o homem sertanejo esclarece a trajetória do escritor de origem citadina.
Grande Sertão: Veredas é um marco da prosa brasileira, uma vez que o autor supera o exotismo pitoresco do regionalismo ao tratar de questões amplas pelo aprofundamento nos detalhes locais. A postura experimental em relação à linguagem é estímulo para artistas que, nas décadas de 1950 e 1960, procuram recuperar o espírito de vanguarda em contexto brasileiro, como alguns poetas concretos. Em 1959, Augusto de Campos (1931) publica ensaio sobre o romance, evidenciando seus avanços estruturais e linguísticos, que alçam a literatura brasileira ao patamar do autor irlandês James Joyce (1882-1941) e do poeta francês Stéphane Mallarmé (1842-1898). No âmbito das artes visuais, verifica-se a influência de Rosa no cinema novo, sobretudo nos filmes de Glauber Rocha (1939-1981) – que publica o romance Riverão Sussuarana (1977), cuja personagem principal é Guimarães Rosa.
Fontes de pesquisa 3
- ARRIGUCCI JR., Davi. O mundo misturado - romance e experiência em Guimarães Rosa. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, n.40, nov. de 1994.
- CANDIDO, Antonio. O homem dos avessos. In: Tese e Antítese. 3. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1978.
- PROENÇA, Manoel Cavalcanti. Trilhas do grande sertão. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959.
Como citar
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GRANDE Sertão: Veredas.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra21084/grande-sertao-veredas. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7