A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
![A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, 1960 [Enciclopédia de Teatro. Espetáculo]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/013114001019.jpg)
A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, 1960
Acervo Cedoc/FUNARTE
Texto
Histórico
A montagem do texto de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o Vianinha, sob direção de Chico de Assis (1933-2015), reúne artistas e intelectuais interessados em ampliar o alcance do teatro político no Brasil, com base em dois pressupostos: o de que é preciso compreender os mecanismos da exploração capitalista para superá-los e o de que o espetáculo teatral deve ser um instrumento de conscientização das massas. O projeto de levar o espetáculo a platéias populares dá origem ao Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes - UNE.
O texto de Vianinha, em versos rimados, procura despertar a reflexão crítica no público e, ao mesmo tempo, busca a popularização da linguagem. O didatismo da peça propõe uma teatralidade cômica das personagens e das situações. A ação se dá pela contraposição dos Desgraçados, representantes do proletariado, e dos Capitalistas, que personificam a classe dominante. D4, um dos Desgraçados, inicia um percurso investigativo de sua condição miserável, deparando-se com a explicação esclarecedora da origem do lucro e da mais-valia, ou seja, dos modos de exploração econômica; imagina uma situação exemplar que o faça vivenciar na prática essas relações e a partir dessa consciência, parte para a mobilização e o enfrentamento de seus opressores, rompendo a cadeia estabelecida, preconizando o fim do capitalismo e, conseqüentemente, da mais-valia.
O caráter experimental do espetáculo é reforçado pelos filmes selecionados e montados por Leon Hirszman e pela cenografia, que procura sugerir sinteticamente, com módulos, cada ambiente em que se passa a história. Na arena da Faculdade Nacional de Arquitetura - FNA, setenta atores constroem a plasticidade de uma cena sobrecarregada de informações, segundo a opinião do crítico Miguel Borges: "Nenhum espetáculo até hoje feito no teatro brasileiro foi mais exaustivo no uso de recursos de encenação do que A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho, sob a direção de Chico de Assis. Num aparente paradoxo, isso representa também seu principal defeito. O espetáculo permanece todo o tempo em um alto nível de competência. Houve um superesforço, da parte do diretor, que resultou numa composição plástica onde todos os tons são altos. É como uma peça musical feita quase inteiramente de acordes onde a orquestra em peso entra com toda a carga. (...) Vianna escreveu a peça para empolgar o espectador pela revelação da mais-valia. Se o espetáculo empolga, porém, é pela beleza plástica. (...) A equipe de intérpretes do Teatro Jovem é a mais eficiente que já vimos no Rio, no plano do amadorismo. Só mesmo atores livres de vícios e maneiras de interpretar poderiam ter rendido tanto sob o comando do diretor, (...) permitindo-lhe utilizar cada componente como uma parte do todo plástico. O trabalho de Francisco de Assis exigiu de cada ator uma grande maleabilidade, pois a direção varia entre o circense (cena dos barbeiros) e o dramático (cena da greve) (...)".1
Há, na encenação do texto de Vianinha, uma confluência de diversos grupos e uma coincidência de ações que marcarão o nascimento do CPC. O espetáculo inaugura uma nova política de ocupação do teatro da FNA por intermédio de um convênio entre o Diretório Acadêmico e o Teatro Jovem. Recém-fundado e ainda sem nenhum espetáculo no currículo, o grupo decide dedicar o ano de 1960 a uma "fase experimental". No Teatro de Arena, de onde acabara de sair Vianinha, as discussões do Seminário de Dramaturgia haviam chegado a um impasse: as aspirações políticas mais abrangentes não cabiam na prática do Arena e nem na pequena sala de seu teatro. Chico de Assis, ao sair do Teatro de Arena, decide estrear como diretor com o texto de Vianinha, de cuja elaboração havia participado no Seminário de Dramaturgia. É Carlos Estevam Martins, aluno do Instituto Social de Estudos Brasileiros - ISEB, quem auxilia o grupo dissidente do Arena - Flavio Migliaccio, Nelson Xavier, Chico de Assis, Vera Gertel e Milton Gonçalves, liderados por Oduvaldo Vianna Filho - na compreensão das questões econômicas didaticamente apresentadas em A Mais-Valia. A idéia de formar um grupo que, rompendo com as barreiras do teatro convencional, percorresse sindicatos, fábricas e periferias encontra, entre os estudantes, as bases concretas para sua realização. O projeto atendia aos anseios do Teatro Jovem, como escreve o diretor artístico, Kleber Santos, no programa do espetáculo: "...cabe aos novos grupos ampliar os horizontes de penetração do teatro, pois esse novo teatro a ser feito já não mais representará uma atividade de diversão ou de cultura em âmbitos limitados. Será sim uma atividade social da maior amplitude (...). E para o Teatro Jovem significará a primeira prática de uma de nossas diretrizes teóricas: o teatro popular".2
A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar é o primeiro de uma série de textos em que Vianinha procura unir teatralidade e didatismo, reunindo propostas cênicas e políticas de Bertolt Brecht e Erwin Piscator. É também o primeiro espetáculo do Teatro Jovem, grupo que depois transforma sua sede em lugar de encontros e discussão, ponto de partida para a fundação do CPC.
Notas
1 BORGES, Miguel. Ainda a Mais-Valia. Estado da Guanabara, Rio de Janeiro, 7 ago. 1960.
2 A MAIS-VALIA VAIA ACABAR, SEU EDGAR. Direção Francisco de Assis; texto Kleber Santos. Rio de Janeiro, 1960. 1 folder. Programa do espetáculo, apresentado no Teatro de Arena da Faculdade de Arquitetura da UFRJ em 1960.
Ficha Técnica
Oduvaldo Vianna Filho
Direção
Chico de Assis
Cenografia
Kléber Santos
Iluminação
Jorge Levi
Rafael Mario
Direção musical
Allan Vianna
Trilha sonora
Carlos Lyra
Elenco
Alberto Reis / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Allan Vianna / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Angelo Antônio / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Arthur Maia / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Heleno Prestes / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Ignes Maia / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Joel Ghivelder / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Kléber Santos / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Marília Martins / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Mauro Martins Ribeiro / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Moysés Ghivelder / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Paulo Hime / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Pedro de Camargo / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Sylvia Granville / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Vera de Sant'anna / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Zelinda Paes de Souza / A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar
Obras 1
Fontes de pesquisa 4
- A MAIS-VALIA vai acabar, Seu Edgar. Rio de Janeiro: Funarte / Cedoc. Dossiê Espetáculos Teatro Adulto.
- BARCELOS, Jalusa. CPC da UNE: uma história de paixão e consciência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
- BETTI, Maria Silvia. Oduvaldo Vianna Filho. São Paulo: Edusp: Fapesp, 1997. (Coleção Artistas Brasileiros).
- MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta, 1982.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento395652/a-mais-valia-vai-acabar-seu-edgar. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7