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Enciclopédia Itaú Cultural
Artes visuais

Livro de artista

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.10.2020
Livro de artista é uma obra de arte em si, concebida integralmente em forma de livro. A leitura de um livro de artista não se encerra no deciframento de seu código, pois suas características não verbais, como a materialidade, são tão relevantes quanto o texto escrito.

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Livro de artista é uma obra de arte em si, concebida integralmente em forma de livro. A leitura de um livro de artista não se encerra no deciframento de seu código, pois suas características não verbais, como a materialidade, são tão relevantes quanto o texto escrito.

O livro de artista é uma obra artística intermidiática, termo introduzido pelo artista plástico e poeta inglês Dick Higgins (1938-1998). Ou seja, mescla linguagens, técnicas e categorias artísticas, resultando em uma obra interdisciplinar. Ele não é apenas literário ou plástico, não pertence a um só gênero (dramático, lírico ou narrativo), ou a uma só técnica (pintura, gravura, desenho, colagem, fotografia etc). As possibilidades são limitadas somente pelo desenvolvimento tecnológico e pelas condições técnicas e materiais do artista. 

O termo "livro de artista" designa um vasto e variado campo artístico. Essa natureza híbrida dificulta a organização em museus e bibliotecas. O ensaísta inglês Clive Phillpot (1938) propõe uma classificação dos livros de artista em sua posição intermediária entre livro e arte. O livro de artista, então, pode ser: 1) apenas um livro, em seu aspecto formal; 2) um livro-obra, quando mescla práticas editoriais com técnicas e conceitos das artes plásticas; ou 3) um livro-objeto, quando se aproxima do escultórico e perde a funcionalidade do livro convencional.

Com base em experiências de artistas conceituais nos anos 1960, o termo ganha consistência no campo das artes. Sua trajetória, entretanto, remonta a experiências gráfico-editoriais do futurismo russo e do surrealismo. A Caixa Verde (1934), do artista e poeta francês Marcel Duchamp (1887-1968), é considerada um dos primeiros livros de artista. Especificamente, um livro-objeto, por seu formato não convencional, que contém notas, desenhos e miniaturas de obras como O Grande Vidro ou A Noiva Despida por Seus Celibatários, Mesmo (1915-1923).

No Brasil, a produção de livros de artista surge ligada ao concretismo, movimento poético que valoriza a dimensão gráfico-espacial da palavra, aproximando-a do ideograma e do poema-objeto. Em parceria com o poeta Augusto de Campos (1931), o artista Julio Plaza (1938-2003) produz o livro de artista Poemóbiles (1974). Nessa obra, as páginas contêm dobraduras e recortes que produzem o efeito de pop-ups. Com o manuseio, os poemas são projetados para fora do livro, possibilitando múltiplas leituras por meio do movimento e da tridimensionalidade.

Entre o final do século XX e início do XXI, o artista gráfico Waltercio Caldas (1946) se destaca na produção de livros de artista no Brasil. Sua obra Como Imprimir Sombras (2012) é um livro-objeto rígido que não pode ser aberto ou folheado. Feito em acrílico transparente moldado, tem o tamanho de um livro comum (32 x 23 x 5 cm), porém o miolo é ausente. Sobre o acrílico da capa está gravado o título, em preto e caixa alta: COMO IMPRIMIR SOMBRAS. A relação da obra com a luz do ambiente projeta as palavras sobre a terceira capa do livro, onde o título ressurge escrito em sombra.
Livros de artista menos artesanais possibilitam grandes tiragens a custo acessível, tornando-se aposta de editoras com ampla distribuição por livrarias de todo o país. São em geral obras conceituais, menos experimentais do ponto de vista editorial. Esse tipo de publicação tem presença constante em festas literárias e feiras de publicações independentes.

O Manual da Ciência Popular (1982), de Waltercio Caldas, é um exemplo de livro de artista que não subverte a forma do livro tradicional, mas sim seus usos e conceitos. O que o torna um livro de artista é sua natureza híbrida entre o manual, a poesia e o nonsense. Em 2008, a obra recebe nova edição, revista e ampliada, 25 anos depois da primeira tiragem.

No campo acadêmico, é crescente o número de colóquios, obras de referência, artigos e teses sobre o assunto. Os livros de artista vêm recebendo espaço em mostras, exposições especializadas e no acervo permanente de museus e bibliotecas. Criada em 2009, a Coleção Livro de Artista da Universidade Federal de Minas Gerais, conta com mais de 1.500 livros de artista, com a curadoria do artista gráfico Amir Brito Cadôr (1976), e atualmente é o maior acervo público desse tipo de publicação da América Latina.

Annateresa Fabris (1947), Cacilda Teixeira da Costa (1941) e Maria do Carmo de Freitas Veneroso (1954) são algumas das pesquisadoras que abrem caminhos para o livro de artista brasileiro, organizando exposições, compilando a produção existente e produzindo referencial teórico sobre o assunto. Seguindo essas pioneiras conceituais, Cadôr se torna referência na pesquisa do livro de artista no Brasil, com sua obra O Livro de Artista e a Enciclopédia Visual (2016). Outra obra essencial hoje é A Página Violada: da Ternura à Injúria na Construção do Livro de Artista (2001), de Paulo Silveira. 

O livro de artista não é um livro sobre arte, mas o livro como arte. Ler um livro de artista não é apenas uma atividade intelectual, mas também uma experiência tátil. Do projeto gráfico aos processos de impressão, encadernação e acabamento, cada livro de artista recria os processos editoriais. A textura das páginas, o peso, a transparência ou a opacidade da páginas, as (im)possibilidades de leitura: tudo compõe o sentido da obra. Forma e conteúdo são integrados de tal maneira que é impossível traduzir a obra resultante em um suporte que não o editorial.

Fontes de pesquisa 16

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  • CADÔR, Amir Britto. O livro de artista e a enciclopédia visual. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2016.
  • CALDAS, Waltercio. Manual da ciência popular. Rio de Janeiro: Funarte, 1982. 51 p., il. color.
  • CAMPOS, Augusto de; CAMPOS, Haroldo de; PIGNATARI, Décio. Teoria da poesia concreta: textos críticos e manifestos 1950 - 1960. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006.
  • CARRIÓN, Ulises. El arte nuevo de hacer livros. Plural, México, 1975.
  • DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
  • FRANCHETTI, Paulo. Alguns aspectos da teoria da poesia concreta. Campinas: Editora da Unicamp, 2012.
  • FREIRE, Cristina (org.). Terra incógnita: conceitualismos da América Latina no acervo do MAC USP. v. 1-3. São Paulo: USP, 2015.
  • HIGGINS, Dick. Horizons: The Poetics and Theory of the Intermedia. [S.l.]: Southern Illinois University Press, 1983.
  • JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. 10. ed. São Paulo: Cultrix, [s.d.].
  • MELOT, Michel. Livro. Cotia: Ateliê Editorial, 2012.
  • PHILLPOT, Clive. Books, bookworks, book objects, artists' books. Artforum, New York, v. 20, n. 9, p. 77-79, maio 1982.
  • PLAZA, Julio. Tradução intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.
  • SILVEIRA, Paulo. A página violada: da ternura à injúria na construção do livro de artista. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2001.
  • TENDÊNCIAS do livro de artista no Brasil. Curadoria Annateresa Fabris e Cacilda Teixeira da Costa. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985.
  • VALERY, Paul. Poesia e pensamento abstrato. In: Variedades. São Paulo: Iluminuras, 1991.
  • VENEROSO, Maria do Carmo de Freitas. Palavras e imagens em livros de artista. Pós: Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes da EBA/UFMG, Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 82-103, maio-out. 2012. Disponível em: https://eba.ufmg.br/revistapos3/index.php/pos/article/view/38/38. Acesso em: 9 out. 2020.

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