Lazzo Matumbi

Lazzo Matumbi, 2022
Texto
Lázaro Jerônimo Ferreira (Salvador, Bahia, 1957). Cantor, compositor, arranjador musical, ativista. Expoente da música negra baiana, desde o início da carreira é reconhecido por criar diversas canções de sucesso associadas ao reggae. Figura ainda entre os criadores do samba-reggae, abordando em suas letras temas relativos à permanência da escravidão no Brasil, ao racismo e à exaltação de culturas afrodiaspóricas e africanas. Antes da trajetória solo, participa do bloco afro soteropolitano Ilê Aiyê como vocalista.
Único filho de dona Minervina (c. 1926), na infância recebe poderosa influência da música – sobretudo do som dos atabaques nas rodas de samba do bairro Federação e nas festas de São João na avenida Anita Garibaldi. Nesses encontros, a mãe, além de cantar, toca pratos, enlaçando o filho afetivamente nas sonoridades da percussão. Lazzo escolhe se dedicar profissionalmente à música e, com a marcante voz grave e rouca, é admitido como vocalista do bloco Ilê Aiyê. Trabalha no grupo carnavalesco e militante de 1978 a 1980, período em que fortalece não somente seu veio artístico, mas também a consciência de pertencimento à negritude. A partir de então, torna-se ativista dos direitos humanos pela igualdade racial, ele próprio vítima de racismo: na adolescência, uma mulher o confunde com um funcionário do Conjunto Residencial Politeama, o Minhocão, edifício residencial modernista entre os mais populosos de Salvador, onde mora após a saída da casa dos pais, no município de Simões Filho.
A política nunca está ausente de sua produção artística, desde que se lança para a carreira solo, em 1981, com um show no Teatro Vila Velha e a gravação de um compacto com as canções “Salve a Jamaica” (rebatizada de “Djamila”), em homenagem ao músico jamaicano Bob Marley (1945-1981), e “Guarajuba”. Até então conhecido pelos apelidos Lazinho do Ilê e Lazinho Diamante Negro, altera o nome artístico para Lazzo Matumbi, sobrenome que remete à palavra iorubá que designa uma pedra sagrada na Nigéria.
Depois de três anos em São Paulo, retorna à capital baiana em 1986. O sucesso da música “Fricote”, do cantor conterrâneo Luiz Caldas (1963), provoca forte incômodo de Lazzo com os versos “Nega do cabelo duro / Que não gosta de pentear” e “O negão começa a gritar”. Em resposta ao teor racista desse hit, compõe “A Alegria da Cidade”, em parceria com o amigo, professor, poeta e letrista Jorge Portugal (1956-2020). Embora a interpretação do compositor seja vetada pelo produtor musical, a canção se torna o primeiro grande sucesso da carreira de Lazzo semanas depois, a cantora Margareth Menezes (1962), estrela em ascensão, ganha do artista o direito de cantá-la e gravá-la, tornando-a um sucesso nacional. Para a produção da faixa, no entanto – e em mais um episódio racista –, a gravadora exige a troca do verso original “sou a cor da Bahia” por “sou o som da Bahia”.
Em 1988, ano do centenário da abolição da escravatura, lança o terceiro disco da carreira, considerado um clássico do cancioneiro nacional, Atrás do Por do Sol1. Gravado por um selo independente, o trabalho não alcança grande repercussão na época (quando a axé music já aparece nas paradas), apesar de conter grandes sucessos do cantor, como “Me Abraça e Me Beija” (anterior à faixa homônima da Banda Eva), “Cidade do Amor” e a canção que dá título ao álbum. Compostas com alguns parceiros, como Gileno Félix (1952) e José Carlos Capinam (1941), as canções expõem os flagelos de uma sociedade cindida, mas também oferece esperança de justiça e igualdade social. É o caso de “Abolição”, com os versos: “E a lição / A lição do meu avô / Foi ser dono do meu ser / Foi saber o que eu sou”.
Ainda nos anos 1980, encontra-se em Salvador com o cantor de reggae jamaicano Jimmy Cliff (1948), que o convida para os shows de abertura e percussões em uma turnê de três anos, passando pela Europa, e na apresentação no Rock in Rio de 1991.
Em 2021, publica o nono álbum da carreira, ÀJÒ, palavra iorubá que pode ser traduzida como “jornada” ou, nos terreiros de candomblé, “união”. Pontuado por elementos de reggae e samba, que o artista afirma ser a sua permanente fonte de inspiração rítmica, o disco tem outra parceria com Jorge Portugal em “14 de Maio”, referência ao dia posterior à abolição da escravatura e que, em larga medida, parece nunca se encerrar. O trabalho destaca os orixás e a cultura nagô em geral, temas que permeiam a discografia do cantor desde o álbum Filho da Terra (1985).
No mesmo ano, o disco Atrás do Por do Sol ganha homenagem para marcar as quatro décadas da carreira do cantor, com interpretações inéditas dos cantores Luedji Luna (1987), Francisco Gil (1995) e Anelis Assumpção (1980). Com arranjos elaborados pelo duo Rabo de Galo em conjunto com o DJ Ubunto, o álbum remete à obra celebrada: Ainda atrás do Pôr do Sol – Uma Homenagem a Lazzo Matumbi. O trabalho, permeado pela linguagem dos sound systems jamaicanos e da música eletrônica, integra projeto contemplado pelo edital Natura Musical.
Inspirado no reggae e amparado pelo groove do samba, Lazzo Matumbi constrói sua trajetória musical, dotada de criatividade e senso crítico, reverenciando sua ancestralidade, apontando as inconsistências e injustiças do tempo presente, sempre com vistas a um futuro cheio de axé, em que a igualdade de fato possa dar o tom das relações humanas.
Notas
1. Em entrevista para a revista online Vice, Lazzo comenta sobre a ausência proposital do acento circunflexo em “pôr”, mas sem deixar claro qual o motivo dessa escolha.
Mídias (1)
Cada voz
A série “Cada voz” é um projeto da "Enciclopédia Itaú Cultural" com registros de depoimentos de artistas de diferentes áreas de expressão, como literatura, música, teatro e artes visuais. Conduzidos pelo fotógrafo Marcus Leoni, os vídeos capturam o pensamento dos artistas sobre seu processo de criação e sua visão sobre a própria trajetória. Os registros aproximam o público do artista, que permite a entrada no camarim, no ateliê ou na sala de escrita.
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Interpretação em Libras: FFomin Acessibilidade e Libras (terceirizada)
O Itaú Cultural integra a Fundação Itaú para Educação e Cultura. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.
Fontes de pesquisa 7
- AFONSO, Eugênio. Lazzo Matumbi celebra 40 anos de carreira com disco, show e documentário. A Tarde, Salvador, 29 jul. 2021. Disponível em: https://atarde.uol.com.br/cultura/musica/noticias/2179952-lazzo-matumbi-celebra-40-anos-de-carreira-com-disco-show-e-documentario. Acesso em: 24 out. 2021.
- ARAÚJO, Peu. Lazzo Matumbi fala sobre ‘Atrás do Por do Sol’, obra-prima do orgulho negro na MPB. Vice, São Paulo, 22 maio 2018. Disponível em: https://www.vice.com/pt/article/mbkvyn/lazzo-matumbi-atras-por-sol-orgulho-negro-mpb. Acesso em: 24 out. 2021.
- BRANCO, DJ. “14 de Maio”, música de Lazzo Matumbi e Jorge Portugal faz reflexão sobre esse dia! Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia – Portal Multimídia. Salvador, 14 maio 2018. Disponível em: https://www.irdeb.ba.gov.br/evolucaohiphop/?p=12480. Acesso em: 24 out. 2021.
- FERREIRA, Mauro. Lazzo Matumbi tem álbum de 1988 regravado em tributo que inclui Larissa Luz, Luedji Luna e Anelis Assumpção. G1, Rio de Janeiro, 21 out. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/pop-arte/musica/blog/mauro-ferreira/post/2021/10/21/lazzo-matumbi-tem-album-de-1988-regravado-em-tributo-que-inclui-larissa-luz-luedji-luna-e-anelis-assumpcao.ghtml. Acesso em: 24 out. 2021.
- JORGE, Gilson. Lazzo Matumbi completa 40 anos de carreira solo com coerência e ativismo. A Tarde, Salvador, 19 jul. 2021. Disponível em: https://atarde.uol.com.br/muito/noticias/2133108-lazzo-matumbi-completa-40-anos-de-carreira-solo-com-coerencia-e-ativismo. Acesso em: 24 out. 2021.
- LOPES, Mayra. ÀJÒ: conheça mais sobre Lazzo Matumbi, voz que influencia gerações. iBahia, Salvador, 14 out. 2021. Disponível em: https://www.ibahia.com/estudio/detalhe/noticia/ajo-conheca-mais-sobre-lazzo-matumbi-voz-que-influencia-geracoes. Acesso em: 24 out. 2021.
- NATURA MUSICAL. Conheça nove trabalhos que propõem reinventar a música brasileira em 2019. Brasil, Mais Natura, 25 fev. 2019. Disponível em: https://www.natura.com.br/blog/mais-natura/conheca-nove-trabalhos-musicais-que-propoem-reinventar-a-musica-brasileira-em-2019. Acesso em: 24 out. 2021.
Como citar
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LAZZO Matumbi.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa642277/lazzo-matumbi. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7