Luedji Luna
Texto
Luedji Gomes Santa Rita (Salvador, Bahia, 1987). Cantora e compositora. Luedji Luna é uma artista que sintetiza como poucos de sua geração discussões tão em voga na sociedade. Feminismo, solidão da mulher negra e a pauta antirracista são temas que canta com personalidade e contundência. Seu lugar estético na música brasileira também dialoga com esse caminho lírico, com um som que não se enquadra em um rótulo específico e estabelece pontes com várias linguagens rítmicas e harmônicas da diáspora negra.
A mãe economista e o pai historiador são funcionários públicos e envolvidos com a militância negra. Esse convívio familiar com o engajamento político é determinante para o caminho da artista em sua escrita. Luedji também recebe influência da música que os pais escutam em casa: Djavan (1949), Luiz Melodia (1951-2017), Milton Nascimento (1942), além de nomes do reggae jamaicano, como Peter Tosh (1944-1987).
Estuda em escola particular, onde a maioria dos alunos é branca e sofre racismo, o que a inspira a escrever. Começa a compor músicas e se apresentar em bares de sua cidade aos 17 anos. Em 2007, ingressa na faculdade de direito da Universidade do Estado da Bahia. Faz estágio e usa o dinheiro para pagar aulas de canto. Muda-se para São Paulo em 2015, onde começa a desenvolver o repertório e os arranjos de seu primeiro disco, Um Corpo no Mundo, de 2017.
O trabalho tem algo peculiar na formação da banda que se reflete na sonoridade, com músicos naturais da Suécia, do Quênia, de Cuba e do Brasil. Nota-se que esse aspecto multirracial relacionado à diáspora negra é crucial para o estilo musical híbrido que a artista apresenta: as cordas desenham dinâmicas associadas à polirritmia africana, a percussão traz padrões inspirados nos ritmos de terreiro (ainda que em toques leves, sem a pressão típica dos rituais) e o baixo é um elemento que dá unidade ao conjunto com referências à música caribenha.
A letra da faixa-título reflete a crise identitária de ter um corpo negro no Brasil, das consequências da escravidão, de não saber com precisão a origem dos seus antepassados. “Atravessei o Mar / Um Sol da América do Sul Me Guia / Trago uma Mala de Mão / Dentro do uma Oração, um Adeus”, dizem os primeiros versos. Em outros trechos, a cantora escreve: “Eu Sou um Corpo, um Ser, um Corpo Só / Tem Cor, Tem Corte / e a História do Meu Lugar” e “Olhares Brancos Me Fitam”. As origens africanas também são explicitamente abordadas em "Saudação Malungo", de Orlando Santa Rita e Cal Ribeiro.
"Banho de Folhas" é uma rara canção com vocação mais dançante em um repertório predominantemente introspectivo. Enquanto a letra narra um passeio pela cidade à procura de um amor, o arranjo combina um riff de guitarra suingado com um ritmo que remete ao afoxé baiano. Versos evocam Oxalá (orixá que, no candomblé, é associado à criação do mundo e da espécie humana) e o título da música se refere a um ritual de cura também comum às práticas dessa religião.
O trabalho seguinte, Bom Mesmo é Estar Embaixo D’água, é lançado em 2020. Luedji Luna traz nessa obra outras vozes de mulheres negras associadas ao feminino negro. "Ain’t Got No" é uma versão para a canção da cantora, compositora e pianista estadunidense Nina Simone (1933-2003), sobre a solidão da mulher negra: “Não Tenho Casa, Não Tenho Sapatos / Não Tenho Dinheiro, Não Tenho Classe”, diz a letra em inglês, que enumera outras ausências: amigos, amor, trabalho e Deus. O arranjo termina com a escritora Conceição Evaristo (1946) recitando seu próprio poema, que diz: “a Noite Não Adormece nos Olhos das Mulheres”.
O tema se associa diretamente a outras músicas do repertório. Em "Chororô", Luedji canta: “Eu Não Tenho Chão / Nem um Teto que me Queira / Nem Parentes Que Me Saibam / Nem Família Que me Seja / Tenho Apenas uns / Mas Talvez Só Tenha Um”. Já em "Ain’t I a Woman?" [Eu Não Sou uma Mulher?]¹, a letra diz: “Eu Sou a Preta que Tu Come e Não Assume”, evidente desabafo relacionado à constatação já apontada em pesquisas de que homens (brancos e negros) preferem se relacionar com mulheres de pele clara.
Musicalmente, é perceptível uma guinada para ritmos próximos ao jazz na concepção dos arranjos em comparação com Um Corpo no Mundo. Esse elemento é notável, por exemplo, na introdução de piano em “Lençóis”, e nas dinâmicas entre baixo, teclados e bateria em “Recado”. A produção é assinada pela própria Luedji e pelo guitarrista Kato Change.
O lançamento do disco acompanha um vídeo divulgado como “álbum visual”, espécie de curta-metragem com cerca de 23 minutos, sete das 12 faixas do disco, e direção de Joyce Prado (1987), fundadora da Oxalá Produções (produtora focada em conteúdos relacionados à cultura afro-brasileira). Na obra, a cantora atua em cenas gravadas nas ruas de Salvador e em contato com o mar. Há muitas imagens com espelhos, o que remete diretamente ao amor próprio tão abordado nas letras.
Luedji Luna é uma das artistas de destaque da geração baiana que movimenta a música brasileira a partir dos anos 2010, juntamente com as bandas Baiana System e Afrocidade, além das cantoras e compositoras Xênia França (1986) e Larissa Luz (1987). A linha melódica de suas canções, o timbre de voz da região média e as letras que frequentemente tratam de emoções relacionadas à mulher negra são elementos que saltam aos ouvidos, bem como a delicadeza dos arranjos predominantemente apoiados em dedilhados de violão e uma percussão discreta.
Nota
1. O título da canção faz referência ao discurso homônimo de Sorjouner Truth, ex-escravizada e precursora do feminismo no negro nos Estados Unidos
Fontes de pesquisa 5
- GERALDO, Nathália. Luedji Luna: falar de amor é reconstituir a humanidade de negros e negras. UOL, São Paulo, 22 out. 2020. Disponível em: https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/10/22/luedji-luna.htm. Acesso em: 6 jun. 2021.
- HELAL FILHO, William. ‘O ambiente mais violento em que vivi até hoje foi a escola’, diz a cantora Luedji Luna. O Globo, Rio de Janeiro, 30 jul. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/celina/o-ambiente-mais-violento-em-que-vivi-ate-hoje-foi-escola-diz-cantora-luedji-luna-23740144. Acesso em: 6 jun. 2021.
- OLIVEIRA, Joana. “Queria ser a Luedji dos meus pais, do projeto político, mas a Luedji mesmo é cantora e compositora”. El País, São Paulo, 11 maio 2019. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/05/03/cultura/1556887397_823639.html. Acesso em: 6 jun. 2021.
- OLYMPIA, Tainã. Bom mesmo é estar debaixo d’água. Revista Continente, Recife, 19 out. 2020. Disponível em: https://revistacontinente.com.br/secoes/curtas/bom-mesmo-e-estar-debaixo-d-agua. Acesso em: 6 jun. 2021.
- VIDAL, Brenda. As buscas e os resgates de Luedji Luna. Noize, São Paulo, 11 jul. 2018. Disponível em: https://noize.com.br/entrevista-buscas-e-os-resgates-de-luedji-luna/#1. Acesso em: 6 jun. 2021.
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LUEDJI Luna.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa641532/luedji-luna. Acesso em: 02 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7