Viviane Ferreira

Viviane Ferreira, 2022
Texto
Viviane Ferreira da Cruz (Salvador, 1985). Diretora, roteirista e produtora. Segunda mulher negra a dirigir um longa-metragem de ficção no Brasil, Viviane Ferreira se dedica a fazer cinema para contribuir com as lutas de combate ao racismo.
Nascida no bairro de Coqueiro Grande, periferia de Salvador, Bahia, desde a infância é incentivada a experimentar várias formas e linguagens artísticas e a circular por ambientes diversos. Inicia a carreira nas artes plásticas, das quais desiste para montar um grupo de teatro com os amigos do bairro e se apresentar em terreiros, igrejas e bares. Assistindo a filmes na televisão aberta e nas fitas de VHS locadas, se interessa pelo processo de produção das obras cinematográficas. Sua mãe sugere a inscrição no curso de Cinema, TV e Vídeo da Cipó – Comunicação Interativa, organização não governamental que promove o desenvolvimento e a participação cultural de crianças e jovens em Salvador. Ao mesmo tempo, a mãe manicure lhe ensina a fazer unhas para garantir que a filha saiba realizar um trabalho manual que lhe garanta a sobrevivência em caso necessidade.
Ainda adolescente, Viviane frequenta aulas de cavaquinho e inicia o curso de teatro no Programa de Educação para Igualdade Racial e de Gênero (Ceafro), no centro de Salvador. Nesse local de formação voltada para jovens negras, o cineclubista Luiz Orlando da Silva (1945-2006) lha apresenta filmes de cineastas negros, como os brasileiros Zózimo Bulbul (1937-2013) e Joel Zito Araújo (1954) e o senegalês Ousmane Sembène (1923-2007).
Aos 19 anos, muda-se para São Paulo e frequenta o curso de Cinema na Escola de Cinema e Instituto Stanislavsky e de Direito na Universidade Paulista (Unip), este último para cumprir uma promessa que faz à mãe. Bolsista do Programa Universidade para Todos (Prouni), apresenta como monografia de conclusão do curso de Direito o trabalho A aplicabilidade dos princípios constitucionais de igualdade e razoabilidade pelo Estado brasileiro, à luz da diversidade étnico racial: uma análise do edital Curta Afirmativo na garantia do direito à cultura. Especializa-se em Direito Público, com foco em Direito Autoral e Cultural, e obtém o título de mestre em Políticas de Comunicação e Cultura com a pesquisa intitulada Cinemas negros: jornadas em busca de modelos de negócios viáveis às mulheres negras, pela Universidade de Brasília (UnB).
Em 2008, funda a Odun Filmes, produtora sediada em São Paulo e Salvador e focada na produção audiovisual atenta aos pertencimentos raciais e de gênero das pessoas colaboradoras e das personagens dos seus conteúdos. Pela Odun, dirige, entre outros, os documentários de curta-metragem Dê sua ideia, debata! (2008) e Peregrinação (2014) e o curta de ficção O Dia de Jerusa (2014).
O tempo e a oralidade marcam a estética de suas produções, sobretudo pela figura do griot ou da griotte – representante mais velho que transmite os valores da comunidade pela tradição oral –, que compõe o campo do imagético vinculado à ancestralidade no cinema de Viviane Ferreira e marca a resistência das culturas africanas na diáspora.
O curta O Dia de Jerusa tem destaque na produção da cineasta, exibido no Festival de Cannes em 2014. Composto por um elenco integralmente negro, o filme trata dos valores das relações intergeracionais e da memória dessa população. Seu enredo surge das observações do cotidiano da diretora ao circular pelas ruas de São Paulo e conhecer uma senhora que reclama da ausência dos filhos em sua vida. A narrativa trata do encontro entre a idosa Jerusa, interpretada por Lea Garcia (1933), moradora solitária do Bixiga, e Sílvia, representada por Débora Marçal, jovem que circula pelo tradicional bairro paulistano fazendo pesquisa de opinião sobre sabão em pó.
Em 2016, dando continuidade a sua ação política no cinema e na cultura, participa da fundação Associação de Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), instituição de fomento, valorização e divulgação de realizações audiovisuais protagonizadas por negras e negros bem como de promoção desses profissionais no setor audiovisual. Segundo Viviane: “a gente entendeu que não fazia sentido ser uma organização de roteiristas, de diretores ou de produtores, porque a questão identitária, ela era, do ponto de vista racial, era o que nos unia. Quando você fala da manifestação do racismo, ele se manifesta em todos os elos da cadeia”1. Em 2020, baseado no curta O dia de Jerusa, Viviane dirige o longa Um dia com Jerusa, tornando-se a segunda mulher negra a dirigir um longa-metragem de ficção no Brasil – a primeira é Adélia Sampaio (1944) com Amor maldito (1984).
A obra de Viviane Ferreira articula o cinema negro como a atuação compromissada politicamente em desconstruir estereótipos racistas por meio da coletividade e da multiplicidade de narrativas.
Notas
1. Fala de Viviane Ferreira em entrevista concedida a Lygia Pereira dos Santos Costa. “O lugar onde eu aprendi a pensar audiovisualmente foi um terreiro: entrevista com Viviane Ferreira”. Verberenas, v. 7, n. 7, 2021. Disponível em: https://www.verberenas.com/article/o-lugar-que-eu-aprendi-a-pensar-audiovisualmente-foi-num-terreiro-entrevista-com-viviane-ferreira/. Acesso em: 1 out. 2021.
Exposições 1
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11/12/2017 - 29/1/2016
Mídias (1)
Cada voz
A série "Cada voz" é um projeto da "Enciclopédia Itaú Cultural" com registros de depoimentos de artistas de diferentes áreas de expressão, como literatura, música, teatro e artes visuais. Conduzidos pelo fotógrafo Marcus Leoni, os vídeos capturam o pensamento dos artistas sobre seu processo de criação, sua própria trajetória e nosso tempo.
ITAÚ CULTURAL
Presidente: Alfredo Setubal
Diretor: Eduardo Saron
Gerente do Núcleo de Enciclopédia: Tânia Rodrigues
Coordenadora do Núcleo de Enciclopédia: Glaucy Tudda
Produção de conteúdo: Pedro Guimarães
Núcleo de Audiovisual e Literatura
Gerente: Claudiney Ferreira
Coordenação: Kety Nassar
Produção audiovisual: Amanda Lopes
Edição de conteúdo acessível: Richner Allan
Direção, edição e fotografia: Marcus Leoni
Montagem: Renata Willig
Interpretação em Libras: FFomin Acessibilidade e Libras (terceirizada)
O Itaú Cultural integra a Fundação Itaú para Educação e Cultura. Saiba mais em fundacaoitau.org.br.
Fontes de pesquisa 8
- A TARDE. “Curta sobre a memória ganha exibição em Cannes”. A Tarde, São Paulo, 24 maio 2014 (atualizado em: 21/01/2021). Disponível em: https://atarde.uol.com.br/cinema/noticias/curta-sobre-a-memoria-ganha-exibicao-em-cannes-1593995. Acesso em: 1 out. 2021.
- CARTA CAPITAL. “Conheça Viviane Ferreira, a segunda negra a dirigir um longa no Brasil”. Carta Capital, São Paulo, 1 set. 2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/diversidade/viviane-ferreira-a-segunda-negra-a-dirigir-um-longa-no-brasil/. Acesso em: 1 out. 2021.
- COSTA, Lygia Pereira dos Santos. Direções do olhar: um estudo sobre as poéticas e técnicas de diretoras negras do cinema brasileiro. Dissertação (Mestrado em Meios e Processos Audiovisuais) – Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27161/tde-23082021-225137/publico/LygiaPereiradosSantosCostaVC.pdf. Acesso em: 2 out. 2021.
- COSTA, Lygia Pereira dos Santos. “O lugar onde eu aprendi a pensar audiovisualmente foi um terreiro: entrevista com Viviane Ferreira”. Verberenas, v. 7, n. 07, 2021. Disponível em: https://www.verberenas.com/article/o-lugar-que-eu-aprendi-a-pensar-audiovisualmente-foi-num-terreiro-entrevista-com-viviane-ferreira/. Acesso em: 1 out. 2021.
- CRUZ. Viviane Ferreira da. Currículo do sistema currículo Lattes [Brasília], 6 maio 2019. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/8869009194263568. Acesso em: 2 out. 2021.
- GELEDÉS. “Conheça Viviane Ferreira, a segunda negra a dirigir um longa no Brasil”. Geledés, 2 set. 2017. Disponível em: https://www.geledes.org.br/conheca-viviane-ferreira-segunda-negra-dirigir-um-longa-no-brasil/. Acesso em: 26 out. 2021.
- OLIVIERA, Joana. “Luz, câmera, mulher”. El País, 8 mar. 2020. Disponível em: https://brasil.elpais.com/cultura/2020-03-08/luz-camera-mulher.html. Acesso em: 1 out. 2021.
- REDE BRASIL ATUAL. “Para produtores e diretores negros, fazer cinema no Brasil ainda é 'uma guerra'”. Rede Brasil Atual, 8 ago. 2018. Disponível em: https://www.redebrasilatual.com.br/cultura/2018/08/para-produtores-e-diretores-negros-fazer-cinema-no-brasil-ainda-e-uma-guerra/. Acesso em: 1 out. 2021.
Como citar
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VIVIANE Ferreira.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa637836/viviane-ferreira. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7