Carlos Carvalho
Texto
Carlos José Gomes de Carvalho (Porto Alegre RS 1939 - idem 1985). Autor, diretor, ator, contista e poeta. Um dos mais representativos dramaturgos gaúchos das décadas de 1970 e 1980, encontra no drama do cotidiano urbano as fontes de criação para o seu teatro de denúncia e resistência.
Na juventude, paralelamente à formação musical, publica contos e poemas em suplementos literários de revistas e jornais. Em 1961, torna-se funcionário da Assembleia Legislativa do Estado, vinculação que lhe permite estabilidade financeira e fornece um campo pessoal que serve de fonte à criação literária. Suas primeiras experiências teatrais ocorrem em 1968, no curso de direção teatral do Centro de Arte Dramática - CAD ligado à Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Sul - URGS, em que se destaca pela apurada visão crítica. No segundo ano do curso, obtém o papel de Mac Navalha em A Ópera dos Três Vinténs, de Bertolt Brecht, com direção de Luiz Paulo Vasconcellos, e recebe elogiosas críticas por sua atuação. Também participa da encenação de La Pazzia Senile, de Adriano Banchieri, com direção de Maria Helena Lopes, montagem baseada na commedia dell'arte italiana, e na qual interpreta um vaidoso dottore que, apesar dos diplomas, não encontra aplicação na vida prática para sua erudição.
Nesse período, seu trabalho como escritor e encenador começa a ganhar mais projeção: publica contos em duas antologias e recebe menção especial do Prêmio Esso de Literatura, pelo conto Cabra-Cega, além de dirigir seu primeiro espetáculo, Fim de Partida, de Samuel Beckett. Em 1970, participa da comédia Casa de Orates, de Artur Azevedo e Aluísio de Azevedo, dirigida por Luiz Paulo Vasconcellos, e, no papel do Dr. Fortes, "tira o máximo de seu papel e mostra confiança plena no palco".1 No mesmo ano, Colombo Fecha as Portas de Teus Mares, texto de sua autoria, é encenado por Antônio Carlos Sena. Trata-se, afirma Carlos Carvalho, de uma "gozação com a nossa cultura vinda de fora, que nos é imposta, arbitrária e mal digerida".2 A montagem de outra peça sua Não Saia da Faixa de Segurança, um deboche sobre os veículos de comunicação, é interditada pela censura no tenso período de ditadura militar.
Dirige O Baile dos Ladrões, de Jean Anouilh, no Grupo de Teatro Província, em 1971. O prejuízo ocasionado pelo alto valor dos direitos autorais do texto e o pouco retorno de público provocam a saída de alguns de seus integrantes, entre eles o próprio Carlos Carvalho. Na época, em solidariedade à grave crise financeira que ameaça fechar as portas do Teatro de Arena de Porto Alegre - TAPA, alguns professores do Departamento de Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - DAD/UFRGS colocam-se à disposição para ministrar cursos no teatro. A partir dessa iniciativa, Carlos Carvalho dirige Queridíssimo Canalha, de Ivo Bender, uma comédia de humor negro que surpreende o público e se torna grande sucesso, mesmo sem muitos recursos de produção.
Seu primeiro livro de contos, Calendário do Medo, de 1975, traduz o universo opressivo do regime autoritário da ótica do homem comum. O reconhecimento do público se dá pelo fato de o escritor transitar pela literatura e pela dramaturgia, até mesmo reescrevendo para teatro alguns de seus contos, como é o caso de PT Saudações, que, em 1976, recebe versão teatral dirigida pelo autor. Com direção de Luiz Paulo Vasconcellos, estreia Boneca Teresa ou Canção de Amor e Morte de Gelsi e Valdinete, peça sobre a solidão e a violência: "sua dramaturgia, sua arte, enfim, constitui-se em sua arma de luta. É em nome deste mesmo homem que ele representa agredido, oprimido, massacrado, que ele escreve e traz até nós os seus textos".3
Após concluir o Curso de Direção Teatral, em 1976, é contratado como professor colaborador de direção teatral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. No mesmo ano, publica Entrenós, juntamente com Ivo Bender, antologia de textos teatrais com linguagem "simples, objetiva, quase científica. Um corte vertical na realidade cotidiana é seu chão. Sua comunicabilidade imediata".4
Duas de suas peças estreiam pelas mãos de jovens diretores: O Pulo do Gato (O Dia Mais Feliz de Nossa Vida), é encenada por Decio Antunes, do grupo Espia Só, em 1979, num projeto de popularização do teatro feito por operários do setor da indústria. A montagem profissional de O Pulo do Gato, de 1985, também dirigida por Decio Antunes, com música de Nelson Coelho de Castro e cenografia de Alziro Azevedo, conquista os principais prêmios de teatro do ano. Esta É a Sua Vida, em 1981, baseada no conto Hospede a Primavera em Sua Casa, é encenada por Luciano Alabarse, a partir das improvisações do grupo Descascando o Abacaxi.
Em 1982, motivado por forte identificação política e ideológica com o que a personagem representa, Carlos Carvalho escreve e dirige Que Se Passa, Che?, que concretiza um antigo desejo seu, conforme palavras de Araci Esteves: "Desde que casamos, em 1973, ele alimenta esse objetivo. Para isso, ele precisou não apenas conhecer a figura do Che como homem e como revolucionário [...]. Depois dessa pesquisa ele transpôs para o papel o que achava que era realmente importante. Não era uma peça sobre o Che Guevara. Era mais um retrato da história da América Central e da América Latina".5
Berço Esplêndido traz o retrato realista e contundente de uma família de classe baixa às vésperas do desfile de sua escola de samba. Em meio à greve da firma, o esforço pelo sustento da família de um operário de obra e de sua mulher pelo sustento da família termina de maneira fatal. O texto é premiado no Concurso de Dramaturgia Qorpo-Santo, promovido pelo Instituto Estadual do Livro, em 1980. Sua primeira montagem ocorre em 1982, realizada pelos grupos paulistas de teatro Qorpo-Santo, de Mococa, e Encenação, de São José do Rio Pardo, com direção de Jefferson Zanchi.
Artista de múltiplas facetas, na década de 1980 Carlos Carvalho contribui para a qualificação do teatro para crianças. Escravos de Jó, peça infantil baseada em seu conto homônimo, é encenada por Nestor Monasterio: "Texto leve, claro, bem-humorado, Escravos de Jó tem estrutura sólida, história simples e comunicação fácil. Graças a Deus não pretende dar lições nem implantar conceitos na cabeça das crianças".6 Dirige A Viagem de um Barquinho, de Sílvia Orthoff, e obtém o Prêmio Tibiquera de melhor direção de 1983.
A doentia relação entre uma mãe dominadora e seu filho submisso, no dia do encontro com a futura nora, é o tema de Champagne para Mãe Tuda. Luiz Paulo Vasconcellos encena o texto em 1984, com Araci Esteves no papel da personagem título: "O texto é uma espécie de brincadeira séria a respeito de peças de fundo psicológico e melodramático, semelhante às óperas que a personagem Mãe Tuda tanto aprecia".7
Carlos Carvalho morre em agosto de 1985, aos 46 anos. Em sua homenagem, a Secretaria da Cultura de Porto Alegre batiza com seu nome uma das salas de espetáculos da Casa de Cultura Mario Quintana, após a restauração do complexo cultural, em 1991. O teatro é inaugurado com Hospede a Primavera em Sua Casa, adaptação de Luiz Paulo Vasconcellos de várias versões de Esta É a Sua Vida, com Araci Esteves no elenco.
Notas
1. Zero Hora, 27 jul. 1970.
2. Folha da Manhã, 28 set. 1970.
3. HOHLFELDT, Antônio, VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Teatro Gaúcho Contemporâneo. In: Cadernos de Cultura Gaúcha. Porto Alegre: ALRG, 1976.
4. HOHLFELDT, Antônio. Um teatro antípoda e paralelo. In: CARVALHO, Carlos & BENDER, Ivo. Entrenós. Porto Alegre: Garatuja/ Instituto Estadual do Livro, 1976.
5. ESTEVES, Araci . In: CARVALHO, Carlos. Que se passa, Che?. Porto Alegre: IGEL/IEL, 1988.
6. HEEMANN, Cláudio, Zero Hora, 23 jul. 1983.
7. HOHLFELDT, Antônio. Gazeta Mercantil, 26 jul. 1984.
Espetáculos 31
Fontes de pesquisa 9
- ALABARSE, Luciano. Alguns diretores e muita conversa. Porto Alegre: SMC, 2000.
- CARVALHO, Carlos & BENDER, Ivo. Entrenós. Porto Alegre: Garatuja/ Instituto Estadual do Livro, 1976.
- CARVALHO, Carlos. Poesia e Prosa. Porto Alegre: EDIPUCRS/ IEL/ Movimento, 1994.
- CARVALHO, Carlos. Que se passa, Che?. Porto Alegre: IGEL/ IEL, 1988.
- CARVALHO, Carlos. Teatro Reunido/ Carlos Carvalho. Porto Alegre: IEL, 2004. 4v.
- GUIMARAENS, Rafael. Teatro de Arena: palco de resistência. Porto Alegre: Libretos, 2007.
- HOHLFELDT, Antônio & VASCONCELLOS, Luiz Paulo. Teatro gaúcho contemporâneo. In: Cadernos de Cultura Gaúcha. Porto Alegre: ALRG, 1976.
- KILPP, Suzana. Os Cacos do Teatro: Porto Alegre, anos 70. Porto Alegre: Unidade Editorial, 1996.
- Rio Grande do Sul. Conselho Estadual de Desenvolvimento Cultural. Instituto Estadual do Livro. Autores gaúchos: Carlos Carvalho. 3ª edição. Porto Alegre: IEL, 1986.
Como citar
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CARLOS Carvalho.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa508370/carlos-carvalho. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7